Por António Disse Zengazenga*
0 quadragésimo sexto aniversário do desencadeamento da luta armada em Moçambique trouxe muita euforia aos ânimos de militares e civis no nosso país e muita amargura na memória dos que deviam fugir da libertação da Frelimo. Naturalmente, não podia não suprefaciar o nome do fundador da tal Frente Libertadora.
Segundo o Moçambique Para Todos de 26/9/2010 na pág.3/4, Marcelino dos Santos é o fundador da Frelimo (1 ) .
Conforme o mesmo Weblog de 28/9/2010 na pág.4/7 Mondlane é o fundador da Frelimo (2 ) .
Qual dos dois afirmantes diz a verdade? Não querem dizer ambos que não só Marcelino dos Santos mas também Eduardo Mondlane foram uns dos fundadores, uns dentre muitos, dentre tantos fundadores que houve na fundação da Frelimo?
Como espero reacções dos autores dessas afirmações, vou definir o que quer dizer fundar, descrever o processo que decorreu até à fundação da Frelimo, onde Marcelino dos Santos e Eduardo Mondlane estiveram durante todo esse tempo.
0 que quer dizer fundar? Fundar significa pôr os primeiros e principais elementos materiais ou morais duma construção; estabelecer as bases de uma nova ordem ideológica; lançar os fundamentos de uma nova instituição moral, politica, religiosa, comercial, recreativa, etc.
Todos sabemos que a Frelimo resultou da união dos partidos que se formaram, depois do massacre de Mueda em 1960.Estes partidos eram Manu, Udenamo e Unami. Quem propôs esta união não foi Eduardo Mondlane, que tranquilamente ensinava numa das Universidades de Nova Iorque nem Marcelino dos Santos que assiduamente conferenciava em Rabat com amigos de Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde bem como de S. Tomé e Príncipe.
Por conseguinte, quem apresentou a ideia de união dos três partidos, foram eles próprios, depois de terem observado o que se passava em Angola com os dois partidos e daí concluído que lutando separadamente cada um teria poucos soldados. Além disso, os presidentes Kwame Nkrumah e Julius Nyerere aconselhavam o mesmo.
Enquanto na fundação de um partido político requer-se sempre mais de uma pessoa que vêem a solução dos problemas prementes na sua sociedade da mesma maneira, procuram adeptos e juntos escrevem os estatutos, na fundação de uma ordem religiosa, congregação, sociedade, etc. O fundador é sempre uma pessoa, que vendo igualmente uma lacuna na Igreja, querendo preenche-la, muitas vezes retira-se para um convento, sanatório, deserto, montanha, etc. onde formula a sua ideologia e fins a atingir. Estes estatutos religiosos, que geralmente chamam-se Regras de Fé, são pregados muitas vezes a jovens que o podem seguir. Constrói-se, primeiramente, uma casa onde vivem e aprendem em comunidade até á maturidade de começarem a desempenhar aquelas funções previstas nas Regras. Na política existe a votação da Direcção enquanto na Igreja não existe. O fundador é o chefe único e indiscutível.
Tendo ouvido Marcelino dos Santos que, em Dar-es-Salaam, havia um partido moçambicano chamado Udenamo deslocou-se de Rabat para essa cidade com estatutos neutros ou simulados, apresentando-os à Udenamo. Além disso, afirmou que tinha promessas do Reino de Marrocos que o ajudaria com armas caso começasse com a luta armada, o que nunca chegou a realizar-se.
Uma vez seduzida a Udenamo por Marcelino dos Santos, nomeou-o Secretário dos Assuntos Exteriores. Alcançado o que queria, regressou a Rabat, não tomando parte, portanto, nas negociações de união que tinham lugar ora em Tanganica, Mombaça ora em Zanzibar. Foram estas negociações que levaram os três partidos a aceitar os termos da unificação dos seus respectivos partidos, donde nasceu a Frelimo.
Portanto, Marcelino dos Santos não deve ser considerado o fundador da Frelimo. Porém, deve ser visto, de longe, como um dentre muitos, como um dos fundadores da Frelimo, porque era um dos oficiais da Udenamo no período das negociações; por a Udenamo adoptar os estatutos ainda não acabados, elaborados em Rabat, quando ainda não pertencia a nenhum partido. Deve ser visto como um dos fundadores por estar presente aquando da assinatura do documento de união em Winneba, em Gana, durante a reunião de All Freedom Fighters Conference em 25 de Maio de 1962.
Marcelino dos Santos é, de longe, um dos fundadores da Frelimo. Os negociadores da união, os intermediários, são uns dos fundadores da Frelimo. Os que assinaram o documento de união, são os fundadores da Frelimo. Por conseguinte, o fundador da Frelimo não é Marcelino dos Santos. É um dos fundadores de longe da Frelimo.
Entre Eduardo Mondlane e a fundação da Frelimo não existe nenhuma relação. Na verdade, não posso negar mais claramente e melhor do que a sua própria esposa quando diz, no Prefácio do Lutar Por Moçambique: "Alem disso, anos mais tarde...foi eleito presidente da Frelimo. Era um cargo que ele nunca ambicionara, pois estava fazendo aquilo que mais gostava de fazer na vida...Ele nunca ambicionou ser presidente dum partido político senão ensinar os ideais dos homens aos estudantes de uma Universidade de renome".
Daqui se deduz que ela só reconhece a eleição para presidente da Frelimo, e não fundador desta. Como fundar uma instituição é mais importante do que ser seu presidente, ela não teria esquecido esta função.
A própria Frelimo, na sua reunião de 12 de Abril de 1969,não reconhece Mondlane como seu fundador, senão como seu primeiro presidente.
Veja Datas e Documentos da História da Frelimo, pp. 122-123, e SAVANA, de 20.10.2000, nº 354. Entrevista de Fanuel Guideon Mahluza.
Portanto, estão a prestar homenagens, honras e glórias a pessoas falsas!...
A.D.Zengazenga
* Dr. António Disse Zengazenga nasceu na aldeia de Salamadze, no distrito de Angónia, província de Tete, em 6 de Outubro de 1933.
Frequentou os Seminários de Zóbuè e da Namaacha, onde fez três anos de Filosofia e dois de Teologia.
Foram António Disse Zengazenga, Uria Timóteo Simango e Rafael Silvério Nungu, que estrangularam a revolta contra Eduardo Chivambo Mondlane organizada por José David Mabunda, José Paulo Gumane e Fanuel Guidion Mahluza a 3 de Outubro de 1962, em Dar-es-Salaam.
Pertenceu ao primeiro grupo de soldados que a Frelimo mandou treinar no Egipto, em Dezembro de 1962.
Foi na companhia de Uria Timóteo Simango, Sharffudin Mohamed Khan e António Disse Zengazenga que Eduardo Chivambo Mondlane fundou o escritório da Frelimo no Cairo, em Setembro de 1963.
Foi um dos primeiros locutores da Rádio do Cairo para as antigas colónias portuguesas, em 1963.
De Setembro de 1964 a Junho de 1971 frequentou a Universidade de Estado de Moscovo (Lomonassov), licenciando-se em Literatura e Língua Russas.
Foi um dos promotores do «Grupo de Colónia» em 1976 e da fundação do Comité para a União Moçambicana (CUNIMO), em 1986.