De facto, o Jornal Savana publicou nas suas edições de 21 de Janeiro e 4 de Fevereiro do presente ano, uma carta de há cinco anos, dirigida ao Presidente Dhlakama contendo minha opinião sobre as eleições de 1999 e as abortadas negociações com o Chefe de Estado na qual tive a oportunidade de participar pela via duma das comissões então criadas. A carta em referência fora entregue, pessoalmente, ao Presidente e os considerandos em torno da revisão Constitucional enviados por intermédio do fax do Dr Orlando Graça no ano 2002 do Reino Unido, onde me encontrava em formação. Dr Graça me assegurou, na altura, ter feito chegar o fax ao destinatário.
Mas o interessante, hoje, é que algumas figuras acham que devido a minha posição de servente superior do Estado, não deveria fazer pronunciamento público sobre assuntos políticos. Ainda há dias meu amigo Maiopué censurava-me tendo até chegado a acusar-me de ter sido comprado pela Frelimo e advertindo-me então a preparar-me quando esta me mandar “passear”. Disse-lhe que nenhum deles, Frelimo e Renamo, chegara a “comprar-me”, se é que alguma vez me havia colocado à venda. Mas é complicado isto de se exigir a sermos o que não somos, com vista a não colocarmos em risco o tacho. Acomodar dentro de nós essa pessoa artificial que não somos e irmos a cama e dormirmos em paz, é terrivelmente irreverente. Não conseguiria ser desonesto comigo mesmo!
Talvez seja aqui relevante dissipar equívocos. Pessoalmente me interesso pela política e foi para tentar, pela via da Renamo, dar o meu contributo na construção de políticas alternativas de desenvolvimento para o nosso País que entrei nela! Esta foi e continua a ser the driving force do meu estar em política. Mas, infelizmente, a liderança da Renamo não está a favorecer a realização deste objectivo e sinto que não devo me manter em silêncio, como se tudo estivesse bem. Por isso, que se tolere e se aceite o meu direito de não ficar calado!
Na verdade, cinco anos depois daquela carta, hoje, a minha infeliz conclusão é a de que o problema da Renamo não foi e não é Raul Domingos, Lemane, David Aloni, Jafar Gulamo, Maximo Dias, Machambisse e outros bodes expiatórios. O problema da Renamo tem haver com o seu chefe máximo, Afonso Dhlakama. E da análise concluo que enquanto Dhlakama estiver à frente da organização esta não logrará êxito em eleição alguma – autárquica ou geral. Esta é a realidade que os militantes e simpatizantes do Partido têm, se quiserem, de resolver. E sem a Renamo (isto pode não agradar meu amigo Maiopué) nenhum partido da oposição pode sonhar ser governo, pelo menos nos próximos 15 anos.
Evidentemente que alguém perguntará: “e quem é você?”. O meu “eu” não é aqui importante. Agora a única coisa que eu cidadão Pequenino sinto, é que não tenho outro país que este – e os erros de descomando que a Renamo, o segundo mais importante partido político do meu País, comete, com reincidência, custam vidas, tempo e dinheiro à sociedade para resolvê-los e atrasam o nosso desenvolvimento. No ano 2000 morreram concidadãos nossos, apoiantes da Renamo, em Montepuez e Dhlakama parece não se ter achado, moralmente, responsável pela perda daquelas vidas, quando fora ele que incitara a se levantarem contra o Poder. Desta vez, ficamos mais que um mês com o País quase paralisado porque ele havia apresentado queixa no Constitucional, o que impedia a tomada de posse dos órgãos eleitos. E para o espanto de todos, sem mais nem menos, sem precisar reunir o tal Conselho Nacional, Dhlakama, vir a público dizer-nos, na manha de 21 de Janeiro, que ele e os seus deputados iam tomar posse. Afinal ele, sozinho, é o Conselho Nacional e utiliza os outros quando lhe apetece! Mais grave ainda é que mesmo depois de ter mudado de discurso ele não foi à tomada de posse do Chefe de Estado Eleito, o que chocou a consciência de todo cidadão que quer paz e concórdia neste País. E com ele nem um dos “seus” deputados. Mas o facto é que, ele aceite como não, Guebuza é, neste momento, o Presidente da República. E como tal Pai e Símbolo de todos moçambicanos, a quem Dhlakama, como aspirante a Estadista, deveria ter obrigação de ensinar os seus filhos a respeitar. Portanto com tanta incoerência querem-me calado? Calados não ajudamos Moçambique a crescer e lembremo-nos que este é o nosso País, nós que não temos Pátria alternativa!
1. E porque, mais uma vez, a Renamo perdeu estas eleições?
Há a meu ver varias razoes, mas eu avançaria apenas algumas:
a) Excesso de confiança, falta de organização e direcção, com improvisações a mistura. Todos na Renamo olhando pelos graves problemas particularmente o elevado índice de crimes impunes, corrupção rampante e pobreza no País, com um povo cada vez mais saturado da inacção de quem de direito para dar resposta as suas preocupações, estavam convencidos na sua vitoria. Dai que não precisassem de se organizar? A falta de organização e o espírito de improvisação são a maneira de gestão na Renamo. A minha carta, a Carta de Londres, de Dezembro de 1999 intitulada Porque Precisamos de Reorganizar a Renamo, publicada no Jornal DEMOS, abordava esta matéria e no entanto nada, até aqui, mudou. Mais de doze anos que a Renamo está na cidade o estilo de gestão militar se mantém nas mãos dum único homem, o comandante Dhlakama.
E o conflito entre a organização militar e política se revela com ausência de direcção efectiva e orientação clarividente para os quadros políticos sobre o que fazer, porque está tudo nos mapas secretos do chefe, culminando depois com improvisos a ultima hora.
Dhlakama é imprevisível e como tal os investidores, aqueles que tem interesses económicos aqui, não podem apoiar pessoa deste temperamento para Presidente. Ele diz hoje uma coisa e acorda no dia seguinte diz outra. Lutou pela democracia, mas ele não a pratica. Por isso ele não pôde ser democrata. Confesso que tentamos, incluindo vós jornalistas, moldar o homem, mas penso que foi um exercício inútil! Chego a pensar ser algo que tem haver com o berço. Se calhar precisaríamos fazer um estudo sobre como nasceu e cresceu este homem, até pelo menos os seus 12 anos, para podermos compreendê-lo.
Aqueles que dizem que o Presidente Dhlakama é mal assessorado, bastante, se enganam. Há cinco anos, também admito que tinha lido mal as coisas. Cada chefe escolhe assessores à sua imagem e deles exige a qualidade de assessoria que deseja. Presidente Dhlakama não quer gente de qualidade porque ele não quer ser qualidade. Ele adora os “miúdos” lambe-botas, os yes-men, e os intriguistas. Gente com mente independente e estruturada que lhe diga os factos como eles são, esses não podem ser seus colaboradores directos!
Afonso Dhlakama como pessoa privada é excelente, mas como político é mau. As velhas tácticas da contra-inteligência com quem se guia não se adequam ao momento político contemporâneo! Este é tempo de ciência política, do marketing político e, terminada a guerra fria, da convergência política e por isso da concertação e dos lobbies e parcerias quer a nível interno, dentro das nações, quer a nível internacional.
Outro elemento é a estratégia errada de sobrevivência que chefe Dhlakama utiliza. Raul Domingos foi a primeira vítima em tempo de paz e a olhos de todos. A “casca de banana” foi mandá-lo (sozinho, vejam isto!) negociar o reconhecimento dos vencedores das eleições de 1999 a troco de dinheiro – viria a revelar-nos o Chefe de Estado naquela conferencia de imprensa em Gaza. As vitimas, apesar destas não terem sido expulsas do Partido, mas marginalizadas, se seguiram Jafar Gulamo, Vaz, David Aloni(coitado do velho!), Quitine, etc; e outros se seguirão. Uma luz para os novos colegas Namburete e Araújo – mind the gap!
É assim: quando o chefe se apercebe que você está a crescer, internamente, e pode estar em posição de apresentar ideias alternativas, fecha-te as portas ou, se estiveres a desempenhar alguma função, prepara-te a “cama”! Quantas vezes se solicitava uma audiência ao Chefe de Gabinete, na altura o Dr Aloni, para ouvir este a lamentar que ele próprio está há meses sem poder falar com o seu chefe? Diz-se que Raul, na qualidade de chefe de Bancada, ficava semanas a tentar concertar com o seu Presidente sobre assuntos parlamentares e não conseguia. Depois é o que aconteceu aos dois homens!
b) Lutas “canibais” internas. As lutas são agudas que me fazem pensar que se estivéssemos ainda em tempo de guerra estaríamos a perder homens com ataques cobardes internos. As lutas são atiçadas de cima e colegas nossos instrumentalizados iniciam o fogo antes ou durante uma programada reunião, aparecendo depois o chefe como quem quer apagá-lo. Faz parte da táctica de aniquilamento do “adversário” interno, parte da estratégia de sobrevivência. A pergunta é até quando isto tem que continuar? Os autores da carta Tira o Piolho da sua Cama Senhor Presidente e da suposta e vergonhosa Carta de Zambezianos contra, respectivamente, as figuras de Raul Domingos e David Aloni sustentam este pensamento. E o efeito trickle - down se faz até ao pequenino. A má língua, as acusações de agente ou espião da Frelimo são argumentos baratamente utilizados para se destruir um quadro. É assim que vimos um Aloni a ser marginalizado porque ora é amigo da Frelimo ora porque é do IPADE de Raul Domingos, etc. Mas esquece-se que chefe Dhlakama, ele próprio, foi da contra-inteligência militar da Frelimo na Beira! Compatriotas, não podemos continuar assistir, em silencio cúmplice, estas coisas!
Durante o processo que antecedeu o veredicto dos dias 1 e 2 de Dezembro, transmiti a minha preocupação pelas fortes clivagens que os Media iam reportando à volta de figuras como as de Aloni e Quitine. Disse aos colegas do Gabinete Eleitoral que com suas intervenções na Assembleia da República durante os mais que cinco anos, estes homens haviam conquistado simpatizantes nas províncias donde eram oriundos que os viam como seus líderes. E que engendrar seu afastamento neste momento era um erro político. A resposta foi de que o Presidente disse que não queria conflito com a Comissão Política. Entretanto, dois membros dessa Comissão Política do Presidente estiveram afectos em Inhambane e como resultado brindaram o Partido com a eleição de apenas um e único deputado. Que vergonha meus senhores! É esta gente que faz guerra com Aloni e Quitine? E depois o que aconteceu em Tete e Nampula? A Renamo naqueles círculos ganhou com o afastamento destes homens?
Quando digo Comissão Política do Presidente é que os seus membros foram escolhidos ao gosto e pelo Presidente e este vai se recusar a dar mão à palmatória? É esta gente que decidiu pela não inclusão de Aloni e Quitine(e para os substituir com o quê?) e o posicionamento inelegível de quadros como Quelhas, Linet(esta substituída pela cozinheira do Presidente?) que poderiam dar mais valia à Bancada na AR?
Meus amigos, penso que o general Dhlakama tem que, em definitivo, reconhecer que já fez o sua parte da história deste País, ao ter liderado a longa marcha que culminou com o estabelecimento da democracia multipartidária no nosso País. Pelo sacrifício consentido, dele estaremos eternamente reconhecidos. Mas hoje, a arma de fogo do general deve ceder e dar lugar à caneta, ao saber científico-técnico que cria o desenvolvimento e produz riqueza para as nações. É esta revolução intelectual que está a ser difícil de acontecer na Renamo.
c) A marginalização do intellect.
No momento mais difícil de 1992 muitos quadros foram a Gorongosa encontrarem-se com Dhlakama(lembra-se deles?) e voluntariamente se juntaram a esta organização, hoje onde estão e o que fazem?
Pergunta-se como é que o Presidente Dhlakama constituiu mandatário nacional do Partido no Machambisse, para tratar assuntos de lei quando a organização possui juristas de formação e advogados de profissão? Herminio Morais (está de parabéns este general), Jafar Gulamo, Eduardo Elias, Máximo Dias, Francisco Dias, teriam recusado? Até Maiopué lhe deu a mão e sentiu-se definitivamente ludibriado por um homem que ele apelida de viva voz de “traidor do Povo”. Orlando Graça e Manuel Frank do Conselho Constitucional não poderiam, nos bastidores, ser úteis para obter seus conselhos técnicos? Mas a resposta é simples: o Presidente e alguns na Comissão Política e no Conselho Nacional, os donos da Renamo, não querem gente formada porque deles têm medo. Quando os convidam, o fazem para mero exercício de relações públicas ou para serem mata-borrão.
Mas não há saída meus compatriotas! Podem resistir, os factos mandam dizer que os moçambicanos cresceram em termos de formação, relativamente a 1992, tal que hoje até temos licenciados desempregados. Estes moçambicanos não permitirão que o país venha a ser desgovernado a espelho como se desgoverna a Renamo. Uma pergunta que o cidadão comum tem o direito de fazer é esta: se a um clube político não conseguem organizar e gerir o farão ao País?
Portanto, é extremamente crucial e sem manipulações, que se dê chance às poucas mentes estruturadas para se afirmarem no partido. A não acontecer os poucos quadros abandonarão a casa e por fim ficarão os donos a se baterem até a morte definitiva da Renamo. E que se esqueçam de futuras aquisições, às pressas, de mais Namburetes e Araújos à porta de eleições. Penso que foi decepcionante para estes meus dois amigos que sonhavam ser heróis da primeira vitória da Renamo! Mas a estes digo: coragem (there’s no way out)! A luta tem que ser convencer o chefe a ceder!
Outro aspecto que me preocupa é a falta, por parte da Renamo, de comportamento de cavalheiro para que a Frelimo a sinta parceiro de desenvolvimento deste País e não um inimigo, como é até aqui.
2. Que se cultive, com o Poder, um relacionamento político de gentlemen
Presidentes Dhlakama e Chissano assinaram o Acordo de Paz em 1992, mas Chissano deixou de ser Chefe de Estado, sem algum dia juntos terem tomado café, em publico. Dizem que em privado falam, mas para eu cidadão, o que me interessa não é o encontro privado, mas sim o público que pode transmitir a mensagem de paz e reconciliação efectiva entre os dois, a olhos do povo. Se alguma vez isto tivesse acontecido, de certeza que os membros da Renamo não experimentariam tanto as horripilantes perseguições que sofrem um pouco ao longo deste país. Esta falta de diplomacia de engajamento construtivo mina a confiança entre as direcções dos dois Partidos que acaba afectando o relacionamento entre membros e simpatizantes dos dois até lá em baixo da pirâmide.
E mais ainda: há, da parte da chefia da Renamo, uma certa falta de humildade. Quem tem o Poder, até aqui, é a Frelimo! Como é que a Renamo acha que pôde obter o que quer como, por exemplo, aquela hipotética nomeação de governadores, à força?
Como é que diz, o Presidente Dhlakama, vamos negociar com a Frelimo para nos dar mais assentos no Parlamento se os assentos foram distribuídos pela CNE, legalmente, com base nos votos que cada partido recebeu nas urnas? Não acham que até dariam ao PDD de Raul que dizem ser amigo que a Renamo? Sugere que é só a Frelimo decidir distribuir os assentos, passando por cima dos resultados eleitorais? Porque então serviram as eleições? É este tipo de abordagens do chefe Dhlakama que nos envergonham e nós outros que não concordamos com elas, apesar de sermos pequeninos, não podemos ficar calados!
Como se vai negociar com Guebuza se Dhlakama não o reconheceu como Chefe de Estado eleito(a mesma asneira que cometeu com Chissano após as de 1999)? Como vai negociar com este homem a quem ele desvalorizou e o quis humilhar naquela entrevista quando disse que Guebuza não era nada, não o tinha medo e que precisava de quinze anos para chegar aos seus calcanhares? Não estávamos ainda em campanha eleitoral. E lembram-se Guebuza perguntado qual foi a sua resposta? Que estava muito ocupado a organizar o seu partido para as eleições e que não tinha tempo para falar de pessoas!
Por tudo isto digo: urge mudar a maneira de se estar em política. A linguagem e o relacionamento com o Poder têm que mudar – diplomacia e pragmatismo são necessários para se criar um relacionamento saudável entre as partes. E à força não se consegue nada e no meio disto tudo quem sofre somos nós, os pequeninos.
3. Agora que futuro para a Renamo?
Não se vislumbra! A Renamo foi transformada, pelos seus responsáveis, numa coisa menos séria, numa organização de “bobos de festa”. Pessoalmente não acredito que a Renamo venha a atingir boa performance com Dhlakama como chefe máximo.O problema não é o voto do povo. O problema é a ausência de direcção e efectiva liderança no Partido. E o povo não pôde continuar, eternamente, à espera que Dhlakama mude porque ele não vai! O seu estilo de gestão não tem nada haver com o Estado moderno que os moçambicanos pretendem construir neste País. Eu tenho fortes reservas que ele venha aprender isso porque não me parece lhe ocorrer tal necessidade. E a idade também não perdoa, pois com tempo mudam-se as vontades os interesses!
Cabe aos militantes patriotas, aqueles que não estão em política para se servirem a si mesmos, desenvolver um tremendo esforço (porque pelas suas declarações de que iria esperar o 2009 não vai ser fácil a sua saída), implorá-lo e convencê-lo para que ele se vá, em paz, descansar! Penso que os militantes e o povo moçambicano precisam duma Renamo melhor organizada e gerida, actuante e politicamente construtiva o que, mais uma vez isto está claro quanto a mim, não pode ser alcançado com a presente chefia!
Mas depois desta humilhante derrota parece-me que está claro que se Dhlakama não pôr o seu lugar à disposição como o fariam os homens de bom senso, se ele quiser insistir em se manter chefe só poder-se-á acreditar que ele está conspirando contra o Partido e contra o Povo Moçambicano, que ele está ao serviço de interesses hostis à democracia, o que nós outros não estamos dispostos a colaborar. Esta democracia custou sangue de muitos dos nossos compatriotas que não podemos permitir a sua extinção pela Renamo. Com três derrotas consecutivas e com a Renamo a perder, em cada eleição, mais assentos no Parlamento, Presidente Dhlakama já demonstrou ser incapaz de vencer o adversário e, por isso, não pode continuar a humilhar o Partido, seus membros e simpatizantes com derrotas após derrotas. Se ele resistir pôde, sem se dar conta, estar a abrir portas para uma grande cisão dentro da organização. Penso que ele vai poder decidir, brevemente, sobre a sua saída da chefia do Partido, ainda, com dignidade.
Benjamim Pequenino - Jornal Savana - 08.02.2005