CARTA A MUITOS AMIGOS
Descentralizar requer previamente análises, discussões e organizar cada passo para que se assegure triunfo e não desastre.
Existem questões que jamais se podem ignorar ou afastar:
- O poder de Estado nunca se pode transformar numa manta de retalhos, deve-se manter uno do Rovuma ao Maputo, do Zumbo ao Índico. Não se pode directa ou indirectamente cair ou caminhar para o federalismo. Isso mataria a unidade nacional e toda a História da nossa Pátria.
- Na descentralização há que não acentuar as desigualdades regionais, aumentar a riqueza de um e nada fazer pela pobreza do vizinho.
- O Estado não se pode tornar propriedade de um partido ou grupo de partidos. Ele pertence a todos os moçambicanos para além de quaisquer opções políticas, crenças, regiões, cores da pele ou etnias.
Respeitando estes pressupostos há muita matéria para trabalhar e fazer, sabendo que o primeiro passo precede o segundo e correr não significa chegar, muitas vezes ao fazê-lo às cegas e precipitados ou arrastados por modas ou pressões bem temporárias grande o risco de tropeçar, cair, partir neste caso o corpo do Estado.
Vejamos algumas questões.
Um partido por mais vencedor que seja nos pleitos eleitorais, independentemente do nível, se autárquico, distrital, provincial ou geral não se torna proprietário desse espaço territorial.
Mais do que buscar a filiação partidária de um director distrital, provincial, nacional, um presidente ou membro de um Conselho de Administração de uma empresa pública ou com participação do Estado, há que definir as regras de recrutamento e obedecê-las.
Em primeiro lugar conta a capacidade científico-técnica e a capacidade física para bem cumprir.
Os candidatos ao antes de admissão ou noutros casos de promoção deve um júri independente e competente avaliar e pronunciar-se. Nepotismo, apadrinhamentos, joguinhos de corrupção ou suborno para se obter o lugar ou promoção sancionam-se com expulsão definitiva e até cadeia.
Não faz sentido designar-se para uma localidade, distrito ou província pessoas que fisicamente não podem percorrer o território nas nossas péssimas picadas sem agravarem o seu estado de saúde. Diria mesmo que até com boa saúde esse quadro na contagem de tempo da missão deveria merecer um bónus.
41 Anos depois da independência nacional não se podem tolerar apadrinhamentos partidários.
Já se determinou que um membro do nosso corpo diplomático ou das forças de defesa e segurança embora podendo aderir ao partido X ou Y não pode exercer qualquer cargo partidário. Isso garante que se subordine ao Estado e não sacrifique os interesses nacionais aos ditames de qualquer força política e acrescentaria confessional. Óbvio que este quadro não pode pertencer a qualquer clero, embora se lhe reconheça o direito de praticar a sua crença.
Assim se deve exigir do corpo de funcionários em funções dirigentes de qualquer nível, excepto e logicamente, que Ministro, Governador se designem pelo partido que governa, pois trata-se de aplicar o programa aprovado pelos cidadãos que conferiram a maioria a um partido ou coligação de partidos. Aceitável se competente e capaz que se designe até um Vice-Governador proposto por outra força política. Associar-se todos para o bem comum.
Uma outra questão delicada a repartição dos rendimentos dos recursos naturais existentes numa determinada zona, claro não se trata da terra em si.
Há carvão, existe gás ou petróleo, ouro, pedras preciosas ou semi-preciosas, grafites, etc. Estes bens pertencem a Moçambique inteiro e não exclusivamente a um local.
Há por isso que rever certas questões básicas:
- Absurdo que o gás de Pande por exemplo se dirija para a África do Sul a um preço e depois vemo-nos forçados a comprar para as nossas necessidades a um preço bem superior. Caetano fez isso com a energia da HCB porque queria amarrar o apartheid à defesa da sua colónia. Até que esteja completa a linha Centro-Sul somos dependentes.
- Há que verificar o que são isenções e participações do Estado nas empresas mineiras, em Pande só possuímos 5%! Em Moatize no carvão também um valor mesquinho.
- Quando um rubi moçambicano se vende a perto de cinquenta milhões de dólares americanos nos leilões de Singapura ou outros, o que recebe Moçambique?
Dos recursos do solo, subsolo, das águas marítimas, lacustres e fluviais, há que repensar dentro de parâmetros bem ponderados o que deve beneficiar as populações desde os níveis locais, distritais, provinciais e o que deve reverter para o Estado, para que este redistribua pelo país.
Vi populações à beira rio pescando, consumindo e vendendo peixe fresco ou fumado, com hortas e fornos de tijolo deportadas, sim deportadas este o termo verdadeiro, para zonas sem água, sem peixe, sem poderem fabricar e vender tijolos, distantes de mais de 50Km do local em que viviam a dois passos da capital provincial e distrital.
Fez-se isso no interesse de uma mineira e direi mesmo, perante a indiferença ou inoperância das autoridades estatais locais ou nacionais.
Parece-me lógico que em primeiro lugar deve beneficiar os que deverão forçosamente abandonar os seus locais habituais para que se explore o recurso.
A localidade, o distrito a província devem beneficiar igualmente dos rendimentos e impostos derivados da exploração. No total entre 25% a 50% deveria ficar nos diferentes escalões de cada província, incluindo para que no seu seio não existam localidades ou distritos pobres e outros ricos.
Corrigir aí mesmo, localmente, as assimetrias com esses rendimentos, incluindo no referente à transitabilidade das vias locais de comunicação.
O Estado deve receber 50% a 75% desses valores, para garantir a correcção das assimetrias de desenvolvimento, melhorar os salários dos grupos mais sacrificados, professores, sobretudo do primário, pessoal da saúde, em resumo as bases que garantem o nosso bem-estar na povoação ou na cidade.
Um país desenvolve-se com todos e não apenas com as camadas médias e superiores.
A miséria força à migração dentro da pátria, abre o caminho ao crime, prostituição, priva os muitos do conhecimento tão necessário para que se crie prosperidade e bem-estar para o Povo.
O saber e saber fazer arrancou a Alemanha, o Japão, a URSS, a França e a Itália das ruínas da II Guerra Mundial. Quem ignora isto?
Por uma descentralização bem programada e faseada, sem demagogias e precipitações, o meu abraço.
P.S. Embora o interesse nacional e o patriotismo o ordenem, o nosso pobre diabo de terrorista local continua a atacar machibombos, viaturas, comboios em detrimento mesmo das necessidades das províncias que desejaria governar.
Conversações? Sim e sem dúvida se a boa-fé e vontade de cumprir o acordado existir. Senão há que buscar alternativas sensatas e eficientes.
SV
O PAÍS – 19.07.2016