“Pela sua malícia, será lançado fora o ímpio” – Pv 14:32
Não é necessário ser um cientista social e nem é segredo para ninguém muito menos tabu o facto de que qualquer observador atento sabe que a população moçambicana que no seu todo compõe o povo deste país é composta por uma diversidade de “povos”, se tivermos em linha de conta que de Zumbo ao Índico e do Rovuma ao Maputo encontramos em cada região uma multiplicidade de práticas sociais, actividades e manifestações artísticas, linguísticas e comportamentais (na música, na dança, nos rituais, nos hábitos alimentares, etc.).
Isso orgulha-nos. Sim, enche-nos de vaidade positiva, sabermos que ninguém melhor senão um makonde conhece a origem e a execução da dança mapico; que o nyawu, também conhecido por gule wankulu, ninguém no nosso país senão um txewa, um achipeta ou um azimba de Tete podem defini-la e executá-la melhor; e que a mbila, cujo plural é timbila, é um instrumento musical de percussão inventada a partir de material local, tratada por “tu”, pelos “va txopi” da província de Inhambane.
E daí? Daqui que qualquer adulteração aos requisitos da dança mapico, tentando executá-la por exemplo trajando fato e gravata e calçando botas de salto alto; ou permitir que as mulheres também, (sobretudo senhoras de minissaia e ou ceroulas), dancem o nyawu (gule wankulo); ou ainda que a mbila seja fabricada a partir de latas vazias de leite condensado, tudo isso, além de serem aberrações, seriam insultos e crimes à nossa cultura. Hoje, mais uma vez, somos chamados a enumerar algumas características da cultura do povo dos “va txopi”, nome dado pelos Angunes a partir do verbo “ku txopa”, lançar a flecha através do arco.
Dizíamos que algumas das características desse povo são: saber fabricar e dançar timbila de forma nata, isto é, sem passar por alguma formação académica; submeter-se logo na infância ao rito de circuncisão masculina “Wukwera/Nsungi”; saber fabricar naturalmente o azeite de mafurra (tishakasi, txibehe e ntona/munyantsi); praticar a apicultura a partir de “sikopa”, sem igualmente passar por alguma formação de engenharia zootécnica, entre outras. É que, como vínhamos argumentando, cada um dos povos que compõem o nosso mosaico cultural tem as suas práticas típicas. Mas, infelizmente, isso já está a ser absoluta e visivelmente corrompido a olhos vistos, daí o nosso “descarrego”. O azeite de mafurra, bem como o mel de abelhas já são vendidos acrescidos de óleo adquirido nas lojas (na mafurra) e água quente açucarada (no mel). Falando concretamente do “munyantsi/ntona”, uma das guloseimas típicas da cozinha dos “va txopi”, obtida através da “destilação” da semente de mafurra após observância de certos ritos reservados somente para as mulheres. Inicialmente, “munyantsi/Ntona”, era tão-somente de consumo da casa de cada um.
Eis que de uma noite para o dia, espanta-nos saber que, tanto o “munyantsi/Ntona” quanto o Wukanye, bebida fabricada pelos povos de Gaza e de Maputo para o consumo gratuito, já são comercializados, gananciosamente adulterados. Como se sabe os gananciosos não medem esforços para conseguirem o que desejam seja por meios lícitos ou ilícitos. Para comprovar a minha dúvida, comprei em plena vila de Quissico, Zavala (uma das guardiãs dos usos e costumes da cultura dos “va txopi”), mel e munyantsi/Ntona adulterados!
E, segundo se diz por lá, não é novidade para as autoridades locais, pois os “adulteradores”, homens e mulheres, passeiam a sua classe nas barbas da Polícia Municipal local. Para onde nos levam com essa prática ignóbil? Parem com isso, por favor, seus “vende-pátrias”! “Munyantsi”/“ntona” e mel são iguarias sagradas. Respeitem a cultura de cada um.
Kandiyane Wa Matuva Kandiya
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JORNAL DOMINGO – 24.07.2016