Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
O que se vai gastar em mediadores internacionais?
Terá valido a pena arrastar um assunto sobejamente conhecido até ser necessário convidar personalidades internacionais para mediar o conflito político-militar em Moçambique?
Depois da sujeira e negociatas ocultas, denominadas convenientemente como “dívidas soberanas”, revelam-se sinais de preocupação quanto ao desfecho judicial que o caso das dívidas pode tomar. Treme- se em certos sectores, e alguns até recorrem ao Facebook para se defenderem de acções passadas.
Interessante é ver a PGR derrubar a tese de “dívidas para a segurança nacional”, numa investida que terá apanhado muitos de surpresa.
Foram muitos anos de rapina do erário público, impunemente orquestrada e executada por quem jamais se interessou pelo estabelecimento de uma democracia viável e sustentável.
O formalismo democrático que se impingia aos moçambicanos foi e tem sido uma farsa que criou as condições para que, tanto na II República como na III, avançasse e se consolidasse o regime do “Empoderamento” Económico Negro ilícito, até por vezes com características criminosas.
A máquina corrosiva de defraudação político-financeira funciona graças à impunidade estabelecida.
Temos uma PGR confinada e aquartelada onde quer que ela esteja para não investigar e muito menos organizar a acusação de graves de violação das leis nacionais.
Agora que se tornou insustentável prosseguir com os esforços belicistas numa perspectiva de salvaguarda de um regime de legitimidade duvidosa, ensaiam-se dispendiosas negociações de assuntos que deveriam ter sido resolvidos em 1994.
Porque alguém pensou que com democracia efectiva se perderia a possibilidade de enriquecer e dominar o panorama nacional e porque na altura também se recebeu consultoria para esse efeito, a via escolhida foi “fazer conta” que se democratizava, quando, realmente, se cimentava um regime que era a continuação efectiva daquele do partido único.
Os argumentos daquele socialismo tão propalado nos dias da “revolução falhada” foram sendo enterrados através de uma prática secreta de cedências que não eram cedências.
Agora, até a PGR já vem a público demarcar-se de posições que antes se recusava a tomar quanto à ilegalidade ou viciação do processo de contratação de dívidas que colocaram as finanças públicas no lixo, segundo as agências de notação financeira internacional.
Agora que se revela insustentável continuar ao lado de activos políticos tóxicos, face à pressão nacional e internacional, os “ratos abandonam o barco” que se afunda.
De repente, parece que se ganha consciência de que alguma coisa deve ser feita para corrigir ou encontrar uma forma de cuidar com os assuntos políticos, militares e financeiros do país.
Mais vale tarde do que nunca, conforme diz o ditado. Mas tanto as proclamações mais recentes da PGR quanto as dívidas “ocultas” como a vinda de mediadores internacionais para se juntarem à Comissão Mista só terão algum sentido se resultarem em consequências tangíveis.
“Chega de papo”.
Paz no papel é tão indigesta como o papel em que normalmente se assina.
A conjuntura é interessantíssima, porque pode constituir aquele momento único em que os actores políticos ganham consciência de que não se pode normalizar Moçambique através de malabarismos circunstanciais nem pela via da defesa de um “patrimonialismo” geneticamente doentio.
Não se pode permitir que a apropriação dos recursos naturais, nomeadamente os minerais, seja de alguma forma abocanhada por este ou aquele político individual, em virtude da sua participação na luta pela Independência ou pela democracia. Tem sido essa forma de proceder e de tratar dos recursos públicos que “cega” os políticos na hora de decidir.
O que a mediação internacional vai fazer depende, em grande medida, do que os políticos nacionais na mesa se dispuserem a fazer.
O número de rondas negociais vai espelhar o que as lideranças pretendem ver alcançado.
Infelizmente há que reconhecer que as manobras dilatórias dizem muito bem o que somos enquanto políticos embrulhados em alianças congénitas.
Não há como resolver os problemas nacionais de forma definitiva, se nos acostumarmos a entregar aos outros a sua solução.
O modelo dos conselheiros estrangeiros ensaiado na II República terá a sido a porta de entrada para operações bilionárias lesivas para o país, pois claramente que um executivo de topo de uma multinacional com interesses específicos em Moçambique irá aconselhar num sentido em que a sua companhia saia com dividendos.
Isso não quer dizer que automaticamente os mediadores internacionais se comportarão de igual forma, mas estar alerta e sobretudo saber separar e escolher o que nos dizem, com “olhos moçambicanos” e defendendo Moçambique, deve ser tido em conta pela Comissão Mista.
Protagonismo deste ou daquele é algo humanamente previsível e inevitável, mas esperemos que haja contenção e seriedade. Basta de nos enganarmos uns aos outros.
Não é esta ou aquela “bolada” que deve ser acautelada neste processo negocial.
Será bom lembrar que os negociadores devem também encontrar uma fórmula efectiva que impeça manifestações de vinganças e que promova uma reconciliação que continua adiada por ódios mesquinhos que alguns querem catalogar de viscerais.
A história não é uma linha recta e os excessos cometidos ontem devem ser relembrados, mas não podem constituir a barreira intransponível que separe compatriotas.
Não estou em crer que a ávida vontade expressa por alguns quadrantes sobre participação no processo negocial não tenha valor.
Mas, se quisermos ser honestos, alguns destes “protagonistas” tiveram mais do que tempo para se prepararem e apresentar os seus pontos de vista ao longo de anos e mesmo no período pré-eleitoral passado. Alguns deles foram “dançarinos” para uma das partes e maldizentes para com a outra. “Mudam os tempos, mudam-se as vontades”. Mas convenhamos que o “circo político nacional” tem figurantes em demasia, e alguns deles transformaram-se em políticos profissionais “estomacais”.
O que importa, neste momento, é vermos substância aparecendo nas negociações, e não divisão de “concessões mineiras” entre as partes beligerantes.
Seja dito e repetido aos nossos políticos que, antes de sermos membros ou simpatizantes deste ou daquele partido, somos moçambicanos com direitos e deveres constitucionais iguais.
Negoceiem a paz com respeito e com sentido patriótico acima de tudo e de todos os vossos interesses patrimoniais.
Não transformem a Comissão Mista em mais um exercício de distribuição de mordomias, como se viu no passado o parlamento fazer. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 21.07.2016