Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Mas parece que Mo Ibrahim se enganou.
Mais a mais quando são prémios medíocres para a satisfação do ego de africanos distraídos ou…
A insistência para a participação na política activa de certas pessoas formalmente reformadas tem muito o que se lhe diga. Por vezes, parece que estão obstinadas em defesa de um legado que parecia antes perfeito e que agora se revela um tanto ou quanto chamuscado, tocado e de cheiro irritante, envolto em dúvidas e reticências. Parece que se descobriu que estar todos os dias na comunicação social repetindo “fórmulas não comprovadas” ou recados lhes garante o estatuto de grandes comunicadores e sábios. Ufanam-se e revelam sinais de megalomania estranhamente respeitada em certos quadrantes até bem informados. As teias da autoprotecção são poderosas.
Mais uma condecoração ou prémio para com o nosso chamado diplomata-mor seria motivo de apreço se este não aproveitasse a oportunidade para tecer considerações extemporâneas e desajustadas da realidade. Considerações em certa medida injustas e concebidas para proteger ou defender o indefensável.
Sentido de Estado pode ser tudo, mas não pode servir para proteger ilicitudes graves e actos que consubstanciam abuso inconstitucional das prerrogativas de um PR ou ministro numa República digna desse nome.
Defender autênticos rombos do erário público e créditos de todo inconsistentes e contranatura ou o seu branqueamento chega a ser questionar a sanidade de todo um povo.
Ou alguém pensou que, porque o “mestre disse”, isso constitui motivo para que todos acreditem? Alguém está querendo aproveitar a “boleia” de ilustres e “omniscientes” moçambicanos para, de forma concertada, salvar um barco afundando-se?
Será por isso que o local escolhido para entregar o Prémio do Conselho da Europa tenha sido Portugal e que um dos patrocinadores do MOZEFO Lisboa tenha sido o maior banco privado moçambicano maioritariamente pertencente ao BCP de Portugal?
Convenhamos que há muitos interesses em jogo e que, deixando Moçambique cair, perdem-se muitos biliões realizados e por realizar.
Essas tentativas de defesa dos “podres da III República” não são por acaso. O que chamou ao outro “deixa-andar” agora surge tendo como defensor tal pessoa. Uma senhora também quase “encostada” por tal “senhor todo-poderoso” aparece no grupo dos que choramigam perdão de procedimentos irrefutavelmente ilegais. Se no passado teve êxito em choramingar, isso terá sido numa conjuntura bem diferente. Os tempos eram outros, e os interesses em jogo no quadro de uma estratégia global de pós-Guerra Fria determinaram o que as potências decidiram na altura. Não foi propriamente êxito negocial ou manifestação de destreza negocial. Foram mais cartas arrumadas de forma conveniente para futuros golpes, como se veio a ver depois. Ceder para manter uma ex-colónia sob controlo e rédea curta foi conseguido. E como entre nós existe a mania de exaltar feitos mesmo que não existam evidências que os sustentem, somos levados ao culto da personalidade com uma facilidade alarmante.
A Fundação Mo Ibraim quando, ano após ano, não encontra dirigente africano a quem entregar o seu prémio anual, deve-se ter conformado com uma realidade indesmentível.
Endividar maquiavelicamente e depois socorrer-se de justificações relacionadas com a segurança nacional não pega nem cola, porque, entretanto, se verifica que os mentores de tais dívidas se conluiaram com interesses corporativos internacionais para lesar milhões de moçambicanos. Com a derrapagem financeira actual, com uma desvalorização galopante do metical, com a escassez de liquidez, começa a ficar claro que os “elefantes brancos” catalogados como realizações da III República e seu timoneiro não passavam de granadas de fumo para que os seus mentores se “empoderassem” e, na verdade, abocanhassem tudo o que lhes apetecesse, fora das regras constitucionalmente existentes.
Se quisermos ser honestos e politicamente coerentes, temos de dizer que, por muito menos, Dilma Roussef, presidente do Brasil, viu-se envolta num processo de “ImpeImpeachment”.
As contas públicas são sagradas, e, entre nós, a coberto de um poder discricionário ilegal e de uma maioria parlamentar seguidista, obediente e subserviente, passaram-se décadas, antes e depois de AEG, promovendo-se a dilapidação aberta do erário publico.
Quantas vezes o Tribunal Administrativo não se referiu a desvios de aplicação, alguns deles graves? Quantas vezes os assuntos questionados e denunciados foram tratados com as consequências que mereciam?
Uma República não é um reino em que o rei ou rainha não podem ser questionados.
Existindo ou não perdão ou recuperação da credibilidade gravemente afectada pelos procedimentos que levaram a que avultadas somas de dinheiro fossem ocultadas, e até agora sem o devido esclarecimento sobre o destino real das mesmas, há que compreender o que move os defensores de tais dívidas. Os que beneficiaram das dívidas ocultas a nível local e no estrangeiro existem, e mandam os preceitos e regras democráticas que sejam conhecidos e responsabilizados. Se houver razões de Estado suficientes, isso que seja determinado pelo Parlamento e pelo Conselho Constitucional.
Agora, que o Governo se recuse a entregar os documentos das dívidas ao Conselho Constitucional, para que este apure a constitucionalidade das mesmas, é, no mínimo, patético e sintomático de uma situação de inutilidade institucional tanto do Parlamento como do Conselho Constitucional. Não se pode ter uma República funcional se os órgãos que a definem “não têm dentes nem pernas para andar”.
Houve graves abusos do poder investido constitucionalmente, e isso foi recorrente. Não é preciso ir a Lisboa ou a Washington defender isso, e o ministro de Economia e Finanças é infeliz e torna-se um espectáculo medíocre quando diz que “confiamos nas nossas instituições”.
As nossas instituições estão organizadas em cadeias proteccionistas de interesses privados, como se tem visto ao longo dos anos. Não tem sido por ingenuidade nem falta de conhecimento das regras democráticas que se têm verificado abusos continuados ao nível da esfera pública.
E não venham os “”puristas e imaculados” defensores do indefensável proclamar que se trata de patriotismo e defesa dos interesses nacionais que estiveram por detrás do endividamento ora em questão.
Houve um manifesto aproveitamento de uma situação para se criarem as bases para mais um assalto ao erário público, na crença concreta de que o Parlamento se calaria e que o judiciário jamais faria algo.
Se não há comprometimento real para com a coisa pública e se não se criam condições concretas para normalizar a governação, assistiremos a um multiplicar de actuações atípicas.
Alguém “sujou o prato”, e as instituições e os cidadãos têm de limpar. Se as instituições estão acorrentadas e indispostas, terão que ser os cidadãos a descobrirem formas criativas para lidar com estes fenómenos anómalos.
Mas há que começar por dar “cartão vermelho” aos malabaristas históricos. E informar aos promotores de “prémios medíocres para africanos” que Moçambique pode e quer passar muito bem sem eles. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 05.07.2016