Por Carlos Guimarães Pinto
Há não muito tempo Portugal e a Irlanda estavam juntos na cauda do pelotão europeu. Hoje a Irlanda é um dos países mais ricos da Europa, com um salário médio que é mais do triplo do português. Os motivos desta divergência são complexos, mas podemos usar um pequeno exemplo recente para perceber porquê.
Nos últimos anos, a Apple beneficiou de isenções fiscais acordadas com o governo Irlandês. Graças a essas isenções fiscais, a Apple criou milhares de empregos qualificados na Irlanda beneficiando milhares de jovens qualificados. Indirectamente, ajudou ao crescimento de uma indústria de tecnologias da informação sem paralelo na UE. Mas a Comissão Europeia julgou essas isenções ilegais e condenou a Apple a pagar 13 mil milhões de Euros à Irlanda em impostos devidos. Para termos uma ideia, 13 mil milhões é mais do que Portugal gasta num ano no SNS ou na Educação. Seria uma lotaria para o governo Irlandês que, já tendo os empregos, ainda ficaria com a receita fiscal. Mas a Irlanda, principal beneficiária imediata, recorreu: não quer receber os 13 mil milhões de euros. Loucura? Não. A Irlanda percebe o quão importante é a sua credibilidade externa. Prefere abdicar de 13 mil milhões de euros para assegurar que no futuro investidores internacionais não suspeitem da boa fé do governo irlandês.
Voltemos a Portugal. Há uns meses, o governo português tinha assinado contratos com investidores estrangeiros para a concessão de redes de transportes públicos. Mal ou bem, havia um contrato assinado com investidores internacionais. A primeira coisa que este governo fez foi voltar atrás nesse contrato por motivos estritamente políticos (foi condição do PCP para apoiar o governo). O governo decidiu atirar a credibilidade do país para o charco apenas para agradar a um dos partidos da coligação. Não irá receber nada em troca e até é provável até que acabe por ter que pagar uma indemnização.
Ou seja, de um lado temos um país disposto a abdicar de 13 mil milhões de euros para manter a sua credibilidade perante os investidores, porque sabe o quanto isso é importante no futuro do país. Do outro, um país que se descredibiliza perante os investidores internacionais à borla por motivos políticos.
A cereja no topo do bolo foi a reacção do governo português à decisão da Comissão Europeia sobre a Irlanda. Enquanto a maior beneficiária imediata da decisão recusa receber os 13 mil milhões de euros, Portugal já disse que ia tentar ver se teria direito a alguma pequena parte daquele bolo. Enquanto a Irlanda se senta à mesa a defender a sua credibilidade perante os investidores, Portugal gatinha por debaixo da mesa na esperança de lamber umas migalhas.
In https://oinsurgente.org/2016/08/31/as-origens-da-pobreza/