Moçambique é um país especial. Por muitas razões. Tem camarão saborosíssimo. Lurdes Mutola nasceu aqui. Cahora Bassa é daqui. A marrabenta é moçambicana. Por isso, e muito mais, é que somos um país diferente. Até no que há de negativo.
Temos, por exemplo, um partido com representação parlamentar, mas também que dispara contra civis. O “pai” da democracia, quando quer, manda atacar autocarros e unidades sanitárias.
A lista de contrastes não termina por aqui. A Renamo é este partido que está na Assembleia da República e também no mato. E não pára de surpreender. Tem homens a negociar com o Governo ao mesmo tempo que usa armas. Esta semana, por exemplo, andou a metralhar carros, libertar criminosos da cadeia, roubar bens, entre outras estriparias. Fez isso mas também pediu que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) diminuíssem a pressão sobre as suas posições. Inacreditável.
Então anjos de dia, monstros na calada da noite?
Entretanto, decorrem, no Hotel Avenida, na capital do país, as tertúlias entre o Governo e a Renamo sob o olhar dos mediadores internacionais e da Sociedade Civil. Quatro pontos avultam na caminhada rumo à paz: Governação nas seis províncias; Cessação das hostilidades; Forças de Defesa e Segurança e Desarmamento e Reintegração dos homens da Renamo.
O exercício não é pacífico de todo. Vezes sem conta a própria Renamo assumiu posições no mínimo suspeitas; numa primeira fase, uma posição inflexível em relação ao tema das províncias onde alega ter ganho as eleições gerais. Em negociação, sabe-se, não valem as posições extremadas. Bloqueiam. Fazem perder tempo… e no nosso caso, fazem perder vidas, sobretudo na zona centro.
Há dias, a título de exemplo, os renamistas atacaram uma comitiva composta por burocratas do governo e jornalistas da Televisão de Moçambique (TVM) e Rádio Moçambique (RM). A comitiva estava na primeira coluna militar que ia de Vanduzi (Manica) para Changara (Tete). A comitiva aproveitou a coluna para chegar a Macossa. Ao meio, na região de Chiuala foram atacados. As viaturas da TVM e da RM ficaram com os vidros partidos. Egidio Pascoal, jornalista da Rádio Moçambique, contraiu ferimentos ligeiros. A viatura do ICS não sofreu, por acaso.
É preciso ressalvar que esta não é a primeira vez que a Renamo ataca jornalistas. Pedro Tivane foi na realidade o primeiro jornalista oficialmente assassinado pela Renamo. O facto deu-se em Abril de 1983 na localidade de Palmeira, província de Maputo. Tivane foi abatido exactamente por ter exibido o seu cartão de jornalista. Trazemos particularmente estes dois episódios porque assinalou-se há dias o 25º aniversário da introdução da Lei de Imprensa no nosso país. Quer dizer a Renamo ataca até aqueles que têm por missão reportar os acontecimentos incluindo as posições do próprio partido de Afonso Dhlakama. Há leis internacionais sobre o assunto, mas não nos vamos alongar por aí.
Porém, é importante dizer que não é só a vida dos escribas que deve ser preservada. A vida de qualquer ser humano é sagrada. É isso que é preciso incutir nalgumas mentes. Não interessam as motivações. Mahatma Ghandi, homem da paz, disse: “Eu sou contra a violência porque quando ela aparece para fazer o bem, o bem é apenas temporário. O mal que faz é permanente.” Portanto, não interessa porquê você decide fazer uma guerra. Qual o objectivo da guerra? O que leva um líder a praticar o terror sobre uma nação? O que leva o Homem a agir sem racionalidade?
Num mundo em que a diferença de ideologias predomina, assim como a diferença de perspectivas, nenhum país está livre de se ver em conflitos. Estas manifestações são uma forma que uns encontram para imporem os seus ideais sobre outros líderes políticos. Ao longo da história do mundo, várias foram as guerras e manifestações que envolveram a morte de um grande número de pessoas, condicionando o desenvolvimento dessas mesmas nações.
A realização do plano de desarmamento, ponto fundamental, tem sido prejudicada principalmente por ninguém se dar verdadeiramente conta da enorme dificuldade do problema em geral. A maior parte dos objectivos só são atingidos a passos lentos. Com efeito, enquanto não for excluída a possibilidade de guerra, não prescindirão, as duas partes, de se prepararem militarmente o melhor possível, para poderem enfrentar vitoriosamente a próxima batalha.
Não se pode negar que os esforços até agora realizados para garantir a paz não foram coroados de êxito por aspirarem a compromissos insuficientes. Desarmamento e segurança só se podem alcançar se ambos forem considerados interdependentes. A segurança só estará garantida quando, todas as partes se comprometerem a cumprir as decisões. De nós depende seguirmos o caminho da paz ou continuarmos trilhando o da força bruta, indigno da nossa civilização.
Porque por este andar, quando o conflito armado acabar restarão muitos corpos banhados de sangue. Quantos tombaram já sem nunca saberem a razão de tanto ódio? Ontem éramos todos irmãos, hoje somos inimigos só porque descobrimos alguma riqueza? Afinal quem acredita que a guerra é o caminho para a paz?
BASTA!
JORNAL DOMINGO – 14.08.2016