Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected] )
A regra de ouro de qualquer contrato social é a defesa dos mais desprotegidos. José Gomes Ferreira (1900-1985), escritor e poeta português.
Há mais de uma década que minha amiga Serawazimo (nome tradicional) não visitava a capital do país (Maputo). Depois de desembarcar no Aeroporto Internacional de Mavalane, ido das terras europeias, pediu-me que a levasse a passear pela cidade. O objectivo do passeio era fazer uma breve “autópsia” a cidade, para analisar a metamorfose do seu crescimento que ela tanto ouvira falar.
Um pedido desse, apesar de elevado custo do preço da gasolina, não deve ser recusado a uma investigadora que está em constante processo de indagação. Ainda mais, tratando-se de uma mulher de uma formosura fascinante, uma recusa seria uma ingratidão imperdoável e um acto susceptível de julgamento no tribunal da consciência. Durante o jantar (o prato do dia foi xicoa, xima e cicito ou sissito, como preferir, uma iguaria típica da minha terra - Tete), questionei a minha interlocutora sobre os resultados da autópsia que fizera a cidade.
Disse-me, mais ou menos, as seguintes palavras “Os assuntos sujos não admitem palavras limpas. As acácias morreram vítimas de urina humana. Maputo já não tem sanitários públicos. Os buracos cotejam-se as armadilhas usadas pelos massais para caçar animais selvagens de grande porte. As valas de drenagens servem de trincheiras para os empregados do crime. Os edifícios históricos estão em ruínas e servem de hotéis e laboratórios dos marginais. Os entulhos invadem passeios e estradas e denotam uma fraca urbanidade da urbe. As zonas verdes e de lazer foram transformadas em imponentes edifícios. Os semáforos servem de sacos de pancadas dos automobilistas alcoolizados. Uma avenida que se chama Marginal, e que, de facto, marginalizada pela polícia camarária (faz jus ao nome). Mas o que mais me entristeceu e entristece é o enxame de polícias de trânsito que pululam pela cidade, concentrados mormente em algumas avenidas de maior circulação de viaturas, em lugar de polícias de protecção, vulgo cinzentinhos.”
Num passado recente, aqui nesta gazeta do WF, escrevi uma crónica sobre a actuação da polícia de trânsito. Nessa altura, escondidos atrás de velhas árvores de acácias regadas de urina humana, andavam aos pares de três a seis polícias sem aprumo, sem brio e sem brilho.
De lá para cá quase nada mudou, excepto o número de bufos, pois andam agora aos pares de seis a doze polícias. Uma observação: se no passado os bufos eram transportados em viaturas e motorizadas policiais (que na sua maioria jazem nos parques da corporação), actualmente, salvo raras excepções, fazem-se transportar em viaturas próprias, uma nítida e provocante demonstração de musculatura financeira.
Escolhem a dedo uma determinada rua ou avenida onde, por razões circunstanciais, há maior circulação de viaturas e montam armadilhas para a materialização da prevaricação. As avenidas como Joaquim Chissano, Acordos de Lusaka, Guerra Popular, Kenneth Kaunda, 25 de Setembro, 24 de Julho, etc., são transformadas em zonas tampões, com várias cancelas policial, onde cada grupo de bufos demarca o seu espaço e reivindica a cobrança de “impostos” as suas vítimas. Com radares apoiados em tripés improvisados, como se fossem técnicos de laboratórios em descobertas de microrganismos, afinam as vistas simulando estarem a tirar velocidades das viaturas, quando, na verdade, “caçam” gorjetas.
Coitado dos automobilistas: aquele que não “molhar as mãos ou dar refrescos” arrisca-se a recebe uma pesada multa. Esfaimados que andam (talvez por causa desta maldita crise), não lhes interessam o valor, o que conta é cheiro do metical. A missão da polícia de trânsito é o respeito pela legalidade, garantindo a ordem, tranquilidade e segurança públicas dos cidadãos.
O que tenho assistido é precisamente o contrário. Os automobilistas têm receio de circular à vontade, sobretudo nas “horas de ponta” nos finais de semana. Primeiro, enfrentam os congestionamentos de viaturas, visto que os semáforos andam desorientados e as estradas são porosas a acidentes; segundo, é a própria polícia de trânsito que, ao interceptar um automobilista, faz uma ladainha de pedidos (carta de condução, livrete, ficha de inspecção, etc., etc., etc.), facto que acaba por obstruir a normal circulação de viaturas nas horas de ponta.
A carta de condução, o livrete, a ficha de inspecção e o seguro da viatura só são devolvidos pelos agentes depois de “muito namoro” e alguma cedência por parte do automobilista. Torna-se difícil denunciá-los porque não colocam nem apresentam dis-tintivo policial. A esse propósito, um amigo meu ficou sem a carta de condução. No acto da apreensão, questionou ao polícia o nome, a esquadra e para onde levaria a sua carta. A única resposta que teve do bufo foi esta: “procure-me no comando.” Que comando, senhor agente? Quantos polícias de trânsito trabalham num comando? 100, 500, 1000, 5000, quantos? Até hoje, volvidos três meses, o meu amigo vai todos os dias aos comandos da PRM à procura do tal agente.
Está privado de conduzir porque um polícia, com sinais de embriagues, decidiu tirar-lhe a carta de condução. Neste caso, não é só o automobilista que fica prejudicado, também os seus alunos de Changalene e Marracuene, pois nem sempre podem ter aulas sem atrasos. Andar de chapa nem sempre ajuda para quem trabalha com horário. Conheço alguns automobilistas que, por causa das sucessivas extorsões dos polícias, penduram no interior das viaturas crachás e outros documentos de serviços, incluindo bonés ou fardamentos dos seus ofícios, para se livrarem das intentonas dos agentes prevaricadores.
Se a concentração dos polícias de trânsito fosse por motivos didácticos, Maputo seria hoje uma cidade sem acidentes. Ao invés de concentrarem-se numa única avenida 100 polícias de trânsitos, a desconcentração traria uma mais-valia para os automobilistas que enfrentam diariamente um congestionamentos de 10 a 20 kms. É incrível que esses polícias nunca estão na estrada quando os automobilistas são roubados viaturas, quando há assaltos a mão armada, quando chove ou quando faz muito frio.
A polícia de trânsito é necessária, sim, mas não para criar desordem e extorquir dinheiro aos cidadãos. Ao terminar, permita-me uma ressalva: o título está no plural, mas nem todos os polícias de trânsitos são corruptos. Conheço tantos, na sua maioria, que dedicam a vida ao serviço da Pátria Amada e da corporação, em particular. Reconheço, nesses polícias, o grande heroísmo e espírito patriótico.
Para esses polícias, valentes moçambicanos, vai a palavra de apreço e admiração. Acredito que o novo Comandante-geral da PRM, General Júlio dos Santos Jane, aliado aos esforços dos polícias honestos e profissionais, saberá separar o tripo do joio e tornar a nossa capital mais segura.
Zicomo e um abraço nhúngue ao Custódio Duma, pela simplicidade.
WAMPHULA FAX – 29.08.2016