Canal de Opinião por Adelino Timóteo
Querida mãe,
Vou mudar-me para a Namíbia, mesmo aqui perto. Decidi agora mesmo, depois de um par de ideias catalisadoras. Decidi agora mesmo, vou para a Namíbia, pois na Namíbia, os outrora partidos beligerantes, aprenderam do passado, na era do “apartheid”. Ultrapassaram as diferenças, enterraram os machados de guerra e unidos estão empenhados no desenvolvimento comum. Vou-me embora para aqui perto, para a Namíbia, mãe, onde as leis de extracção de minérios foram revistas, são mais adequadas e tendentes a beneficiar a maioria da população, em serviços básicos de saúde e educação.
Vou mudar-me para a Namíbia, que ali as políticas de inclusão são desenhadas para se evitarem os conflitos. Não há cidadãos do Norte nem do Sul, na Namíbia, mãe.
Vou mudar-me para a Namíbia, aqui a poucos quarteirões da nossa coutada, que insistimos em chamar país. Na Namíbia está-se em paz.
Ninguém me espera na Namíbia, mas, se até entre os animais e os homens se selou um pacto de respeito comum, nada me pode objectar de para lá ir. Lá, onde há muita fera, os homens afinam pela delicadeza e respeito pela diferença. Não quero os Estados Unidos nem a Europa, se, no que tange à liberdade de expressão e imprensa, Namíbia ocupa uma posição invejável no mundo nesse aspecto, segundo estatísticas idóneas de organizações de direitos humanos. Não quero o Canadá nem a Austrália, pois antes morrer de frio em Wallis Bay. Conheço o mundo, o suficiente. E a Namíbia não pode desiludir-me, mãe.
Tenho já as malas feitas. Vou-me embora já para a Namíbia, mãe.
Na Namíbia, aqui a dois passos, goste-se ou não do que uns ou outros falam, não se corre o risco de morrer a tiro. O poder estimula até que se o critique, e vê, mãe, o fosso entre os ricos e pobres é ténue, que desaparece a diário.
Não me detenha as mãos, se faz favor, vou-me embora para onde eu gostaria de estar, mãe. Se quase não há crime, a mim, que adoro a liberdade, as caminhadas a pé, à noite à luz das estrelas que bailam, não me segura, pois vou-me embora para a Namíbia, fazer do deserto a minha praia. Adoro o mar, as gaivotas e as libelinhas a se acasalarem no ar. Adoro regressar à inocência, por isso vou-me embora, mãe.
Os meninos na Namíbia têm acesso gratuito ao ensino, até um cabaz de acção social para os despossuídos.
Tão justo como um dia limpo, uma áurea de ar a passar nos pulmões.
A Namíbia é para onde eu quero ir. E não me pergunte se tenho dinheiro para o avião, pois quem ama a liberdade, quem ama o amor, não se coíbe de largar a pé.
Na Namíbia há uma trégua para vizinhos oriundos de países corruptos, que não os apestam de nenhuma forma. Transformam-nos, aos irmãos destes mundos cosmopolitas da corrupção, exclusão e ganância.
Vou-me embora para a Namíbia, mãe. De lá escreverei para os magazines de turismo, sobre a fauna e a flora, nos intervalos entre um safari e outro. Não o poderei fazer desde aqui, mãe, por o regime baseado na violência e submissão, pese embora o colapso do monopartidarismo, não mudou. Em vinte e tal anos, dura a sua agonia, com um passo para frente e três para trás, o respeito pelos direitos humanos degradou-se. Nas áreas de guerra, a capacidade de sobrevivência tornou-se um desastre. Ambos os contendores e beligerantes competem nessa nova saga mortífera, nessa escalada da violência. Homens, mulheres e crianças morrem condenados. Choro de cada vez que vejo corpos queimados, disseminados em valas comuns. A morte cheira, mãe, essa pestilenta e nojenta massa de ar que não entra pelas nasais. É tudo tão tenebroso, que estamos à porta do inferno, mãe.
Choro não de desesperança, mas de impotência, se bem que, pudesse eu, lhes daria a paz.
Escreverei na Namíbia o meu grande romance da vida e do amor, mãe. Na Namíbia, para onde, desde já, me vou embora.
Beijo-te, mãe. Adeus!
(Adelino Timóteo)
CANALMOZ – 26.08.2016