Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected] )
O Estado não é a sociedade civil. O Estado é superior à sociedade civil e à família; é ele que as viabiliza. O Estado é o racional “em-si” e “para-si”. Hegel citado por Rui Esteves, investigador do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.
Quando iniciei a minha marcha nesta longa e perigosa auto-estrada da escrita tinha em mente a sinuosidade do caminho que iria percorrer. Sabia que não seria fácil nem evitável contestar verdades estabelecidas, pois as minhas centelhas não são uma catequese.
Elas visam abalar tendências e colocar as pessoas a pensar diferente. Ao longo de quase uma década sinto que o objectivo tem sido cumprido, a despeito de algumas pessoas perfilharem a picardias, em lugar de um debate limpo e sério pelo desenvolvimento do país. Não me atingem as palavras desbocadas, porque “O insulto é a arma dos fracos e só fica diminuído quem deseja recorrer ao mesmo” (citando José Sócrates).
Andam por aí alguns grupos de moçambicanos que servem de pontas de lança de países predadores de recursos naturais, encapuzados de “sociedade civil”. São grupos de avanço dos governos imperialistas contra os países hospedeiros de recursos naturais. As acções de rua, chamadas de manifestações, são advogadas de um desiderato inconfessável: criar ruído para depois colocar em marcha o golpe contra a democracia no país. Não é à toa que alguns líderes grevistas são reciclados periodicamente nas academias desses países predadores, onde aprendem a melhor forma para desestabilizar Moçambique. Ignoram a Via-Sacra do presidente da República e do seu executivo para reduzir a carestia de vida dos moçambicanos, porque as mentes estão formatadas para a negação.
Farto-me de rir quando os oiço dizer que “Moçambique não é um país democrático”, mas os seus escritórios estão instalados no território nacional, Moçambique, e trabalhavam sem qualquer exclusão e restrição. Afinal, quem não é efectivamente democrático, Moçambique ou essas associações e lideranças panegiristas do Ocidente? Ora vejamos, cá não faltam eleições, ao contrário desses lacaios do Ocidente, até implementaram em suas associações um regime de governação monárquico. Permanecem estáticos no poder, aplicam golpes palacianos contra possíveis adversários, recebem avultadas somas de dinheiro em divisas que usam em benefício próprio, enquanto pagam uma miséria aos seus colaboradores, têm mais do que uma sinecura para encherem os bolsos. Isto é violação dos direitos humanos. É ou não é? Seria saudável para o país que eles, “sociedade civil”, apresentassem a contabilidade das suas contas.
Tenho algumas questões a fazer. Afinal quem os alimenta, porquanto não têm actividades lucrativas? Que “raio” de agremiações são essas que, no papel são filantrópicas, mas, na prática, fazem exactamente o contrário? Não doam sangue nos hospitais, não ajudam o governo na sensibilização da população contra a malária e a cólera. Não se juntam ao governo na difusão de mensagem positivas contra os casamentos prematuros, abusos sexual de menores, tráfico de pessoas. Não denunciam o braço armado da Renamo que continua a roubar, a destruir e a matar populações civis indefesas. Se o fazem, obedecem a uma epístola dos seus patrões.
O governo moçambicano não é nem surdo nem mudo. Está ciente das dificuldades dos moçambicanos. Eu próprio, aqui nesta gazeta, tenho estado a avançar com algumas propostas para amortizar a dor de milhares de moçambicanos. Não compreendo, por exemplo, como é que a minha província, Tete, esteja a braços com problemas das fomes com um dos maiores rios do mundo. Onde está a iniciativa governamental e empresarial para dinamizar as actividades económicas e naturais da província, especialmente o turismo aquático? A Zambézia possui terras férteis, mas inférteis têm sido as ideias dos responsáveis dos sectores de produção de comida e renda. É verdade que o líder máximo da Renamo, o senhor da guerra, Afonso Dhlakama, é o principal empecilho ao desenvolvimento da província e do país em geral, mas não deve ser pretexto para a inércia em que a Zambézia se encontra hoje! Cá por mim, tem faltado dirigentes com vistas largas para colocar Tete e Zambézia (só para citar alguns exemplos) a andar para frente e não gente colocadas à margem do desenvolvimento.
Ainda assim, defendo manifestações pacíficas e racionais, mas não uma campanha de rua para amarfanhar Moçambique. As manifestações em África, geralmente, servem de antecâmara dos seus mentores para o ensaio de golpes de Estado e violência política, por isso há que ter muito cuidado quando se consente determinadas manifestações. É um direito constitucional, sim. Mas é um direito constitucional que não deve ser extravasado por nenhum moçambicano. Ninguém está acima da lei.
Moçambique não necessita de lições de direitos humanos de nenhum país. Basta ver como está o mundo hoje, em chamas. Como bem disse Martin Caparrós, escritor e jornalista argentino, “vivemos num tempo sem futuro. Ou pior: onde o futuro é ameaça.”
Não é por culpa de Moçambique, especificamente do governo da Frelimo, que o mundo está hoje como está. Não foi o presidente Mugabe (meu pai adoptivo), Omar al-Bashir (meu ídolo) ou José Eduardo dos Santos (meu ídolo) quem mandaram atacar e destruir o Iraque, a Síria e a Líbia. Corrijam-me, caros leitores, se estiver enganado. A crise financeira mundial, que também afecta a nossa economia nacional, não nasceu em nenhum dos bancos de Moçambique, do Zimbabwe, do Sudão ou de Angola. Os aviões que vomitam bombas nucleares não são de nenhum desses países, se é que os têm. Mas as riquezas que expoliam para construir esses aviões e arranha-céus, nas principais cidades capitais dos países predadores de recursos, decerto saem de África. Alguma vez essas associações, agremiações, plataformas de promoção e protecção de direitos humanos manifestaram-se, nas ruas das nossas cidades capitais invadidas pelos seus patrões, para exigir justiça? Faz-me lembrar as palavras de um dos maiores escritores zambezianos, Arrone Fijamo Cafar: “A justiça neste mundo é uma fantochada que se usa na relação das conveniências e assegurada pela invencibilidade dos poderes muscular, económico, compadresco, etc. Tudo isto justificado por milhares de leis acumuladas nas centenas e centenas de volumes de livros, pomposamente chamados de códigos. Não há justiça no mundo, meu amigo; a força é que manda.” Alguma vez os líderes da chamada sociedade civil moçambicana actuaram em defesa dos seus irmãos nos países injustamente invadidos pelos seus patrões? Quando isso aconteceu? Se Moçambique está tão mal assim, como eles pintam, porquê é que não migram para onde está melhor? Na semana passada, ainda sobre esse assunto, falei do Zimbabwe e escrevi o seguinte: quem são os manifestantes que querem aterrorizar o Zimbabwe? Se não gostam de Mugabe, porque não migram? Se não gostam de Zimbabwe, porque não mudam de país? Reparo que os dissidentes do Zimbabwe não fogem para Botsuana, Maurícia, Namíbia, Cabo Verde, países supostamente prósperos e desenvolvidos. Por incrível que pareça, esses malandros instrumentalizados fogem para capitais europeia dos Estados predadores. Infelizmente, quando o estomago está vazio, ninguém aceita esta realidade.
Zicomo (obrigado) e um abraço perpétuo nhúngue ao Sayden, por mais um aniversário de vida.
P.S.: Wazimbo, uma estrela cintilante da música moçambicana disse no Programa Conexões de Gilberto Mendes, que nunca foi condecorado pelo país. Não exigiu, apenas respondia a uma pergunta que lhe fora colocada por Gilberto Mendes. Será por falta de medalhas ou de vontade política? Manuel de Araújo, edil de Quelimane, que também era um dos convidados ao programa não se fez rogar e garantiu que Humberto Carlos Benfica (Wazimbo) seria condecorado no próximo aniversário da cidade de Quelimane. Nem sempre estou de acordo com Manuel de Araújo, mormente no assunto das viagens supérfluas que tem feito e alguma dose de vaidade que roça ao populismo, mas desta vez, como de outras que agiu em nome da cultura e do progresso intelectual, dou-lhe os meus fervorosos parabéns e um abraço nhúngue do VCD.(x)
WAMPHULA FAX – 19.09.2016