Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Uma “áurea” de formalidade engalanada domina.
Conjugam-se elementos que confirmam a existência de uma estratégia de camuflagem deliberada dos factos em tudo o que se refere ao panorama político nacional.
O mesmo se passa com a repetição nauseabunda das causas da derrapagem económico-financeira que se vive.
Peritos, ministros, CTA lançam-se em campo para tecer considerações supostamente válidas visando explicar porque se vive uma crise.
Se uns são rápidos para invocar a falta ou excesso de chuvas, outros atribuem a crise às hostilidades militares entre o Governo e a Renamo.
A rápida deterioração das contas públicas, a falência acelerada de empresas são tentativamente explicadas através de “pronunciamentos” aparentemente sólidos e consistentes.
Vive-se num reino fantasioso em que a todo o custo se tenta vender uma imagem inexistente.
Convenhamos que nem tudo está mal, mas também que muita coisa anda mal e realmente mal.
A promiscuidade doentia entre o público e privado, em que o público paga as contas do privado, tem alimentado uma rede de clientelismo extremamente lesivo para as finanças públicas e para o país em geral.
Face à gravidade da situação político-militar, seria de esperar que o PR se concentrasse nisso como prioridade número um. Fala do assunto, mas, pelo que se pode ver, tudo indica que o mesmo assunto não está plenamente em cima daquele “dossier”.
Tanto se falou sobre a existência de diferentes líderes na arena político-governamental que os factos paulatinamente o estão confirmando.
De um lado, temos uma obtusa recusa da Comissão Política da Frelimo/ACCLIN em aceitar que Moçambique se deve democratizar. Do outro, temos discursos do PR transmitindo uma imagem de normalidade ou que está fazendo o que pode para normalizar a vida e a governação.
Em termos concretos, precisa de ser dito que Moçambique sofre do facto de ter um Governo montado num “chassis enferrujado e contaminado”.
Tenhamos a “santa” paciência de referir que não é possível em situação normal, obedecendo a preceitos de gestão racionais, nada se tenha como resposta, face à onda de despesismo incomportável que domina o panorama de algumas empresas públicas como a LAM.
Agora diz-se que a Mcel está arruinada ou na bancarrota, endividada.
Mas ninguém explica por que foi permitido que esta empresa publica construindo sedes faraónicas e adquirindo frotas de veículos dispensáveis para a dimensão e nível das suas operações.
A recusa/aceitação de auditoria forense face às “dívidas ocultas” arrasta-se para as empresas públicas, se tivermos em conta o que um ministro recentemente disse.
Vive-se e tudo acontece à volta da “mamadeira” estatal e tudo gravita em torno do Estado.
Quem vive dizendo “produção” e não proporciona ambiente e meios para que tal aconteça deve ter uma agenda diferente de produção.
As histórias de sucesso que vão ser exibidas em Gondola, por ocasião da “feira agro/peco/piscícola”, devem ser entendidas como forma de encobrimento e mais uma camuflagem do ponto de vista da realidade concreta do país. A carência de alimentos e a clara demonstração de que o Governo possui uma burocracia a que se chama Ministério de Agricultura e Segurança Alimentar, dispendiosa com necessidade de reflexão e reformulação urgente.
Não se pode continuar a ter ministérios que se limitam a promover parcerias público-privadas ou “joint-ventures” concêntricas no sentido de que tudo acaba beneficiando os mesmos grupos de pessoas no país. Estas pseudo-encenações de realizações úteis à economia são atentados às reais necessidades do país. Turismo e “shows” jamais substituirão coerência e consequência institucional.
Sem querer “aconselhar” ou “catalogar”, é difícil resistir e não dizer, como alguém no passado disse, “boiadas” com gado de fomento adquirido com fundos estatais e de organizações não-governamentais estrangeiras difere de governar.
Agora o que se está vendo é uma sofisticação das “boladas”, com a “recriação” da Mecanagro e afins.
O que estava programado e que chegou a ser praticado na I República está sendo ostensivamente repetido sem que se diga aos moçambicanos que são experiências passadas.
Dá mesmo para dizer que a mentira se está tornando patológica.
Não é difícil nem complicado reconhecer quando o Governo moçambicano se esforça por fazer coisas úteis, bem pensadas e consentâneas com a nossa realidade.
Mas o Governo não pode e nunca deve ter receio de ser criticado e fiscalizado. Auditorias são algo normal, quando se pretende cultivar a transparência e a excelência.
Pretende-se avançar para modelos de gestão mais racionais de recursos humanos e isso é bem-vindo, só há que ultrapassar o formalismo e encontrar mecanismos para que a competência e a meritocracia vinguem.
Não se pode camuflar que os recursos humanos continuam a ser recrutados com base em critérios de filiação partidária, ligações familiares e clientelistas.
Esta árvore chamada Moçambique deve ser fortemente “abanada” para que os frutos malformados e doentes caiam.
Não há fórmula mágica para resolver problemas sociopolíticos e económicos.
Mas se há alguma coisa a dizer sobre isso é que tudo passa por maior intervenção dos cidadãos e das forças politicas e sociais.
Aproximar governantes e governados vai aumentar a exigência de qualidade sobre os governantes e abrir espaços para que a participação dos cidadãos seja algo normal e que os governantes não sejam tidos como “deuses” e infalíveis.
A “áurea” de infalibilidade dos governantes por vezes ataca a legitimidade e normal funcionamento do Governo.
Os “fundamentos” da República estão sendo violados porque permitem-se abusos gritantes da CRM sem que o Parlamento tenha poder de questionar. Foi assim que se endividou o país e prossegue a olhos vistos a ofensiva proteccionista delineada ou desenhada para “blindar” os promotores da “gatunagem” que tem subsistido durante as últimas décadas.
Uma combinação de medidas e iniciativas legislativas poderiam desanuviar o ambiente político. Enquanto a Comissão Mista com ajuda dos mediadores internacionais alinhavam os “pontos e vírgulas” de acordo político vinculativo, a ser assinado pelo PR e o presidente da Renamo, há que ver o Executivo agindo de forma proactiva tomando iniciativas legislativas para acomodar tal acordo.
A juventude e frescura da equipa governativa, as competências técnicas dos integrantes oferecem uma boa base de partida, se houver vontade política.
Vamos todos dar uma oportunidade a Moçambique e não exacerbemos os ânimos nem sonhemos com soluções de descontinuidade ou savimbização, como apregoado por algumas vozes tenebrosas de um passado ditatorial recente. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 14.09.2016