Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected] )
Até o mais forte dorme. Nenhum sistema político é elástico. A legitimidade dilui-se com o tempo. Até o mais forte dorme e quando o faz, precisa de ter a certeza que o mais fraco não o incomodará. Excerto de uma conserva com o professor Silvério da Rocha-Cunha.
Antes de mais gostaria de explicar o sentido da palavra contrafactual. A análise contrafactual, ou apenas, o contrafactual, obedece a formulações do seguinte tipo: “se não tivesse havido [algo, geralmente traduzido sob a forma de variável], então… [a realidade histórica teria evoluído assim].” Usei a análise contrafactual na minha tese de mestrado, em Portugal, para compreender o que é que teria acontecido a Moçambique se não tivesse recebido ajuda internacional ao desenvolvimento. A resposta ao diagnóstico levantado aponta, para o estádio de 1975 a 2012, que o país teria desfalecido. A ajuda ao desenvolvimento, a par do trabalho árduo do povo moçambicano sob a orientação da governação da Frelimo, permitiu a criação de prancha para que Moçambique se tornasse o país que é hoje: robusto e com fortes sinais de prosperidade. Uma ressalva, a ajuda a Moçambique não foi grátis, como o nome pode fazer crer, aliás, nada é grátis em Relações Internacionais.
O contrafactual é um “pau” que dá para várias “colheres”. Deste modo, aproveitei para analisar, na centelha de hoje, a dívida que o Estado moçambicano contraiu durante o consulado do presidente Armando Emílio Guebuza. Não sou economista, mas também não sou pigmeu em economia, por isso fico “ilibado” pelo tribunal da minha própria consciência de apresentar contas, números e estatísticas sobre a dívida soberana do país e sua metamorfose, apenas levantarei algumas questões, contra as correntes críticas de quem sofre e manifesta uma imensa sofreguidão em amarfanhar o Estado moçambicano e o seu povo.
O que teria acontecido a Moçambique (ou as empresas públicas nacionais) se não tivesse(m) contraído dívidas? A resposta é simples: Moçambique seria um Estado economicamente frágil, caracterizado por uma espiral de violências que conduziria o país ao estatuto de Estado falhado. A defesa da pátria não tem preço. No passado, quando os nossos compatriotas pegaram em armas para libertação da Pátria Amada, pagaram com a vida os sacrifícios libertários que os impunham. A dívida pública, no processo de descoberta e exploração de recursos naturais, foi necessária para impedir a somalização do país.
Os nossos recursos naturais eram pilhados sem que houvesse alguma intervenção impeditiva. O nosso território marítimo, além de servir de lixeiras de dejetos dos Estados predadores, era lugar de acção criminosa. A pesca e a imigração ilegal e o tráfico de pessoas tinham ganho proporções alarmantes. Ademais, a criminalidade e o rapto desafiavam o poder do Estado, numa altura em que o braço armando da Renamo prometia no espaço de uma semana destruir Moçambique. Era preciso estancar essa hemorragia, e o governo tem conseguido resultados positivos nesse desiderato. Por outro lado e para fazer face às adversidades económicas e financeiras internacionais, que infelizmente atingira o nosso país, foram criadas (e/ou) restruturadas algumas empresas públicas viradas a produção de riqueza e a segurança nacional. É o caso da EMATUM e a capitalização das forças de defesa e segurança (Ministério da Justiça, FADM, SISE, etc.). As pescas de atum, o turismo aquático, a exploração de gás e petróleo, etc., fazem-se em segurança, o que exigem meios humanos e circulantes profissionalizantes.
Isto acontece com todos os países do mundo. Em todo o mundo é assim. Não há um único país do mundo que nunca contraiu dívidas. Da mesma forma que não há um único país do mundo que não aposte na sua segurança, mesmo aqueles que a primeira vista ou a vista de todos parecem fazerem pouco da segurança, são, na verdade, os que investem mais nela (segurança). Portanto, a segurança é importante para manter a nossa independência, a nossa soberania, a nossa moçambicanidade e os níveis de confiança dos doadores. Ninguém empresta dinheiro sem garantias. Ninguém empresta dinheiro a um Estado caloteiro. Moçambique teve acesso aos créditos internacionais porque não é um Estado sem lei. Pelo contrário, é um Estado de direito democrático. Os credores emprestaram dinheiro à Moçambique para promover o desenvolvimento económico sustentável que infelizmente está a ser travado pelo braço armado da Renamo.
O FMI e outros doadores internacionais sabem disso: que a segurança é fulcral num país democrático. Não vejo por que motivo os credores estão a vingar-se dos moçambicanos, se estamos no trilho certo? Em países onde albergam as sedes dessas organizações internacionais, os seus governos também contraem dívidas públicas, em nome da segurança.
Questiona-se: porque é que as dívidas públicas moçambicanas não foram nem chanceladas nem publicitadas? Porque a diplomacia é uma ciência discreta e de resultados públicos. Em Relações Internacionais há coisas que devem ser tratadas num fórum fechado, uma delas é o assunto das dívidas públicas. Como é que o governo levaria ao parlamento o assunto da compra de armamentos, para estancar os empeci-lhos de desenvolvimento económico sustentável, se lá está o braço político da Renamo? Quem disser o contrário, mente: Aqueles deputados da Renamo não representam os interesses do país. Nunca ouvi um único deputado da Renamo, por mais religioso que seja, a repudiar os ataques e a morte de moçambicanos. Para cada morte de um moçambicano vítima dos ataques dos homens armados da Renamo, há manifestações de alegria e festejos em apoteose, com direito até à conferência de imprensa. Mais uma pergunta contrafactual: o que teria, então, acontecido a Moçambique se o governo tivesse informado aos deputados da Renamo sobre a compra de armamentos? Primeiro, esse debate seria infrutífero e, segundo, o país estaria a arder como tantas vezes anunciou o líder máximo da “perdiz”. É o desejo da Renamo tornar Moçambique uma terra queimada. Aqui está a razão de o Estado moçambicano, independentemente dos seus órgãos, ter contraído dívidas públicas. Nenhum dirigente moçambicano deve ser julgado ou condenado por isso. As dívidas do Estado são pagas pelos governos do dia, tal como aconteceu com Samora Machel, com Joaquim Chissano, com Armando Guebuza e agora com o presidente Filipe Jacinto Nyusi. É o ciclo da vida: cada governo carrega a dívida de outros governos. Dizia o meu amigo Nkulo, a esse propósito, que “a obrigação de defender a pátria é como carregar uma mercadoria que não pode ser deixada no chão. Quando um está cansado, passa para outra pessoa.” Zicomo e um abraço nhúngue ao amigo e bom samaritano Mataruca.
WAMPHULA FAX – 27.09.2016