O reassentamento de moçambicanos para a implantação de empreendimentos económicos deve acontecer, por Lei, antes das empresas iniciarem as suas actividades. “Eu estou a comer farinha e aqui ao lado estão a tirar carvão, dá mesmo isso”, questiona-se Wilson que vive desde 2013 paredes meias com a mina de carvão mineral da Jindal na província de Tete. “Plantaram eucaliptos à volta da minha machamba e a terra agora já não dá nada”, conta Rosário Namanha que não recebeu nenhuma indemnização da Portucel apesar da multinacional ter ocupado a sua terra em 2010 na província da Zambézia. Os crimes relacionados com a Terra multiplicam-se em Moçambique, todavia a Procuradoria-Geral da República parece alheia a eles, no Informe Anual não há menção a nenhuma destas violações.
A violação do Regulamento sobre o Processo de Reassentamento resultantes de actividades económicas é apenas um dos exemplos evidentes dos conflitos que opõem os moçambicanos pobres aos investidores, na generalidade estrangeiros associados a cidadãos nacionais com fortes ligações ao partido Frelimo, e que são parte da usurpação de terra que acontece há cerca de duas décadas no nosso País.
“Estão a tirar carvão para ir embora. Aquela casa modelo é para enganar”
“Antes de chegar a Jindal a água estava perto, o rio Cassoca, até os espíritos estavam perto. O nosso curandeiro disse que não pode essa empresa trabalhar aqui senão o leito há-de ficar sem água. Mas a Jindal disse que iam fazer outra alternativa com o reassentamento e outras benfeitorias. Nós entendemos como vinham com o Governo, não podíamos negar, os nossos olhos são os governantes” disse Wilson ao @Verdade, membro de uma das 400 famílias que há mais de cinco anos aguardam pela sua transferência do posto Admnistrativo de Cassoca, no agora distrito de Marara, na província de Tete.
De acordo com o nosso entrevistado representantes da mineradora indiana, Jindal, prometeram que com sua chegada a vida deles iria mudar para melhor, haveriam muitas infra-estruturas básicas como escola, hospital, água potável e até empregos, eles só precisavam de os deixar implantar a mina.
“Nós tínhamos mostrado uma zona, há cerca de 3 quilómetros da mina, onde seria para nos reassentar (…) Há cerca de 3 anos construíram uma casa de modelo que nos iriam fazer para sermos reassentados, mas foi só essa, disseram que para acabar o reassentamento só em 2019 ou 2020”, contou-nos Wilson revelando que antes praticavam agricultur, criavam cabritos e mineração artesanal de ouro que gerava rendimentos suficientes para a sua subsistência.
“No ano passado fizemos uma manifestação onde dissemos a fábrica tem que parar, primeiro vamos resolver o nosso programa de reassentamento e depois você começa a tirar carvão, você tinha dito que quanto começasse a tirar carvão Moçambique ia evoluir, ter emprego mas não vemos nada. Os da Jindal não falaram chamaram a polícia”, relatou o nosso entrevistado que não tem ilusões sobre o futuro. “Estão a tirar carvão para ir embora. Aquela casa modelo é para enganar”.
“Até agora nenhuma coisa que eles(Portucel) me deram”
Rosário Namanha não esquece do dia em que “cinco brancos chegaram em dois carros” à comunidade de Hapala, no posto Administrativo de Socone, no distrito do Ile, na províncias da Zambézia, e começaram “a medir e a provar a terra”, corria o ano de 2010.
“Depois eles voltaram e reuniram com as pessoas da comunidade e disseram que a terra era boa para o eucalipto. Depois informaram que tinham um contrato de 50 anos para trabalhar, e prometeram-nos empregos se déssemos as nossas machambas. Passados 3 meses vieram com quatro máquinas e começaram a devastar a terra onde tínhamos feijão, mandioca, mapira e outras culturas”, recorda-se Namanha que apesar de ser líder Comunitário viu-se desprovido dos seus 6 hectares de machamba, embora a Portucel alegue que a suas plantações ocupam apenas “terras marginais”.
“Como régulo havemos de te dar subsídio, fazer uma casa de chapas e havemos de dar uma motorizada. Mas até agora nenhuma coisa que eles me deram”, esclarece Rosário Namanha, um dos milhares de moçambicanos que foram ludibriados na província da Zambézia pela empresa portuguesa, Portucel, para que cedessem as suas machambas para a plantações de eucaliptos.
“A Procuradoria não esteve nos locais de conflitos de terra porque não foi chamada”
Portucel Moçambique, Envirotrade, Kenmare Resources, Ntacua, Vale Moçambique, Jindal, Sun biofuels, Companhia do Búzi, Emvest, Ingwe Game Park são algumas das dezenas de empresas envolvidas em conflitos com as comunidades onde se instalaram com a promessa de trazerem melhoria de vida para a Região e desenvolvimento para Moçambique.
Consultas públicas não foram realizadas ou foram conduzidas de forma irregular, áreas comunais foram invadidas, reassentamentos foram efectuados em locais impróprios ou sem as condições que a Lei preconiza, não foram cumpridas as promessas de indemnização e emprego, o acesso às fontes de água ficou comprometido, são algumas das violação à Legislação de Terras que têm sido identificadas, documentadas e divulgadas.
Todavia apesar dos atropelos gritantes à Lei a Procuradoria-Geral da República(PGR) não tem intervido para fazer cumprir a Legislação, considerada por muitos uma das melhores do mundo.
Amâncio Nhantumbo, assessor da PGR, revelou que a instituição, que está presente em todos os distritos do nosso País não pode intervir sem que os lesados a ela se dirijam e apresentem queixa. “A Procuradoria não esteve nos locais de conflitos de terra porque não foi chamada” disse Nhantumbo durante a apresentação, no passado dia 21, de dois estudos realizados por Organizações Não Governamentais nacionais sobre a usurpação de terra no Centro e Norte do País por parte das empresas Green Resources Moçambique e Portucel Moçambique.
Amâncio Nhantumbo que afirmou ter trabalhado na província de Nampula durante alguns anos, após escutar da voz dos afectados pelo drama da usurpação naquela província revelou que nunca tinha sequer ouvido falar no assunto, que é de domínio público há pelo menos 5 anos.
A ignorância sobre os crime relacionados com a Terra em Moçambique pela PGR estende-se à toda instituição guardiã da legalidade, no último Informe apresentado por Beatriz Buchili à Assembleia da República em Junho último não há menção particular à tramitação de processos criminais de violações à Legislação de Terras.
Nem mesmo as violações ao Código Penal, aprovado em finais de 2014, que penaliza com prisão quem “vender, ou por qualquer outra forma alienar, hipotecar ou penhorar a terra” parecem merecer atenção da Procuradoria-Geral que aguarda passivamente que os lesados apresentem queixa.
@VERDADE - 27.09.2016