O autor do ”O cheiro da chuva” diz que em face da falta de acomodação da Renamo em Maputo, a ideia ficou esta: o Hotel Cardoso, que como sabemos, era explorado pela empresa de que fazia parte sénior John Hewlett, precisava de renovação. Já tinha os planos e o financiamento, mas era preciso fechá-lo.
Foi proposto a Ajello para que as Nações Unidas pagassem aos guerrilheiros a cama e mesa no “ Cardoso” e assim seria fechado ao público. Os combatentes da Renamo, muitos dos quais eram necessários para preencher os lugares reservados à si nas várias comissões previstas no Acordo Geral de Paz, podiam ocupar metade dos quartos enquanto os outros estariam em obras. Ajello aceitou a ideia.
(…) As tropas da Renamo começaram a chegar nas semanas seguintes. Surpreendentemente, segundo escreve John Hewlett, era um estranho bando de maltrapilhos desgrenhados. Incluía académicos de Portugal, “bom vivants” dos clubes da Beira, homens que não percebiam de nada mais que não fosse a guerra no mato.
O autor acrescenta: cheiravam a suor, a loção de barba, a soruma. Alguns usavam lacinho, outros sapatos de bico, outros ainda, usavam t-shirts e jens rotas. Havia os que traziam sistemas áudio portáteis com música altíssima. Havia de tudo um pouco.
No entanto, prossegue o autor, a sua disciplina era extraordinária. Ocuparam os quartos tranquilamente e com eficiência. Só mais tarde vieram as damas da noite para fazer negócio entre criaturas famintas. Mantê-las fora do hotel e travar os pequenos furtos, passaram a ser os maiores desafios.
Nasceu um outro problema- o transporte para a Renamo. Nessa altura, o falecido Vicente Ululu abordou o autor do livro que estamos a citar, que recorreu a Rusty Evans, em Pretória, munido da lista e os custos do que eles precisavam.
A empresa da qual pertencia o autor, tinha uma representação da Land Rover e fez desta forma um “stock”. A África do Sul pagou vinte carros daquela marca e dois Range Rovers. Foi fornecido pelas Nações Unidas o material de escritório e finalmente a Renamo estava a caminho de se instalar como partido político.
Ao fazer a entrega dos veículos a Afonso Dhlakama, John Hewlett diz ter mencionado que era prudente fazer-lhes um seguro, um conceito que o líder desconhecia completamente. As Nações Unidas tinham muito que educar.
São esses contornos que nos parece não se deveriam repetir. Há muitas razoes que rejeitam. A começar, o carácter aparentemente voluntário que parece ter guiado para este segundo/terceiro conflitos.
Depois temos o facto de, por isso, ter-se abandonado tudo o que havia para abraçar a vida selvagem e a certeza que há de que os novos guerrilheiros serão jovens, alguns imberbes, cujo destino deve ser a escola e os centros de formação profissionais que existem.
Isso tem mais força tendo a ideia de que aqueles (daquela vaga) já se encontram no Parlamento, com novos conceitos da vida, há muito que se divorciaram do seu chefe para quem pouco fazem para a sua ressocialização, a quem enganam que é melhor estar na floresta a fugir de base em base, uma espécie de turismo cinegético primário.
Quer dizer, a ideia é que, não fosse como em 1992! Que não voltássemos completamente à estaca zero, tendo ainda em conta que a crise financeira fala mais alto e, provavelmente, Ajello estará longe e Hewlett não terá, como daquela vez, interesses a defender. Oxalá!
Pedro Nacuo
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DOMINGO – 18.09.2016