PALAVRAS SEM ALGEMAS
Há mais de um ano que vivemos em lamentações, lamúrias, cochichos... quase que brincado de falar de crise, quer política ou económica, no país. Saudamo-nos assim e naturalizamos o estado negativo da vida. É a morte silenciosa da esperança, da crença na nossa capacidade de operar mudanças, aliás, bem diante de nós. Mas os óculos de betão ofertados pelos “iluminados” tornam impossível o vislumbrar de coisa alguma. E o cúmulo do ridículo é que os tantos cegos suam dia e noite para produzir os óculos transparentes dos poucos que bem captam a irrealidade que para todos projectam. Estes tantos são um sombreiro que, exposto ao sol, chuva e todas as tempestades, protege a quem o devia proteger. Uma inversão de papéis que a história deverá corrigir, no seu tempo. Pois, não há mal que dura para sempre, tal como o bem não é eterno.
Esta agonia a que está sujeito o povo moçambicano - com certeza - tem dias contados. Tiros e terror banalizando a vida e retraindo investimentos; preços levando os cidadãos a roçar a costura dos bolsos; o dinheiro tornando-se tangível apenas no espaço imaginário; as calamidades naturais denunciando a nossa precária previsibilidade e proactividade, etc., são o retrato da vida que nos impõem. Parecemos doentes em fase terminal clamando pela recuperação, com apenas a alma como ouvinte. E quando nos cansamos de lutar pela vida, pedimos a morte, já mortos.
Afinal, por quem nos toma a desgraça? Por fracos. Certamente! Porque desistimos de lutar. Desistimos de vencer.
Acreditar na mudança ainda não é uma loucura, mas o alto estado de lucidez que devemos firmemente activar para dizer basta. Sofrer não pode ser um destino imposto apenas, mas também uma escolha da qual temos de nos desancorar.
Chega de brincar de mudo, gritando para os surdos. O Presidente da República e todo o seu Governo devem saber que têm a obrigação de conhecer as nossas aflições e esmerarem-se por saná-las. Devem saber que não somos cobaias para nos testarem uma cirurgia a sangue frio, porque podemos gritar até atingir o irracional e, como os felinos acuados, garantirmos a nossa sobrevivência.
Que não se confunda a paciência e a confiança do povo com burrice. Porque, para suportar tamanha agonia na passividade, este povo devia ser declarado Herói. Uma heroicidade que pode ser usada como arma para iniciar as mudanças radicais de que precisamos para voltar a dar um bom rumo ao país.
Estamos dispostos a sofrer, mas por causas justas. Um sofrimento fundamentado no sonho colectivo de um povo que merece um futuro melhor, com a força da mudança, pela confiança no líder. Portanto, que o Presidente da República e seu Governo não se deleitem nas ondas calmas do mar, porque a passividade, fielmente imposta pela confiança na delegação do poder, pode desvanecer.
E… no caos, não há trono.
O PAÍS – 28.10.2016