Cartas ao Presidente da República (28)
EUREKA por Laurindus Macuácua
Bom dia, Presidente. Como é que lhe corre este mês samoriano? Presumo que melhor do que muitos, a avaliar pelo seu discurso apaixonado, no dia 19 de Outubro. Seja como for, a verdade é que não se pode falar de política moçambicana hoje, sem que haja resquícios daquilo que foi a governação de Samora Machel.
Costumo distanciar-me de pessoas que olham para a figura de Samora Machel com alguma dose de romantismo. Talvez seja por isso que, a meu ver, o dia 19 de Outubro devia ser uma data de reconciliação com a nossa história.
Eu acho, Presidente, que há uma tentativa, por parte dos governantes, de imbecilizar permanentemente o povo.
Sempre que o País celebra alguma data qualquer, ou quando está em dificuldades, os governantes socorrem-se da figura de Samora Machel numa tentativa frustrada de explicar um erro que sabem, e muito bem, que tem outras explicações. Não nego a grandeza da figura de Samora Machel, só que julgo que ele teve muitas imperfeições, ou seja, fez muita maldade contida nas boas intenções.
Samora Machel quis construir uma sociedade que espelhasse os valores do seu líder. E isto, deixou sequelas naquilo que Moçambique é hoje. Posso, por assim dizer, que como pessoa provavelmente Samora não acreditava na sua própria imperfeição.
E por arrasto, o mesmo encontro nos governantes da Frelimo de hoje. Não sou contra os libertadores da pátria e muito menos contra a independência. Sou contra o que eles fizeram da independência.
E, honestamente, colocar ao centro uma figura autoritária que recusou todo o tipo de liberdade ao seu povo, é imbecilizar esse mesmo povo.
A Frelimo de hoje, infelizmente, ainda acredita nas suas ideias revolucionárias. Volvidos 41 anos desde a independência nacional, poucos são os governantes da Frelimo que acreditam em reforma. Na imperfeição do sistema.
Mesmo contra todos os males que assolam este País, a palavra de ordem é “A luta continua”.
Ao se julgar inquestionável, a Frelimo, mais do que nunca, está a pretender dizer que não acredita na reforma. Não acredita na sua imperfeição. Quem acredita na reforma tem um olhar introspectivo. Ou seja, é a partir da sua própria imperfeição que acredita que algo deve ser mudado.
Não é por acaso que temos esses diálogos políticos que a nada levam.
Foram mais de 100 rondas negociais no Centro de Conferências Joaquim Chissano, todavia, não levaram a nada.
Eu, honestamente, sou um pouco céptico quanto a um bom desfecho do actual diálogo político.
Quem vai ao diálogo (isto serve para a Renamo e a Frelimo) tem que estar disposto a fazer concessões. Tem que acreditar na sua imperfeição, para poder entender o outro. Esta Frelimo, e todos aqueles que a adulam, se parecem mais com fanáticos religiosos do que com pessoas sensatas.
Dirigentes da Frelimo, a boca cheia, disseram, no dia 19 de Outubro, que Samora era pela via negocial com a Renamo. Se até hoje a Frelimo segue os ensinamentos de Samora, porquê ainda estamos em guerra? O ceder a que me refiro, não falo de entregar as seis províncias onde a Renamo reivindica vitória. Falo de arranjar uma plataforma, um meio-termo para se calar as Kalashnikovs. É a isto que se chama sensatez.
DN – 21.10.2016