Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Democracia é para “inglês ver”.
Não só em Moçambique mas um pouco por toda a África, repetem-se golpes palacianos contra a democracia.
Quando o parlamento é chamado a decidir sobre questões estruturantes, democratizantes, verificam-se hesitações, recuos e recusa de abordar essas questões liminarmente.
Afinal, quem manda em quem?
Quem decide em última instância os caminhos que o país deve percorrer?
Quem determina a forma como os recursos são alocados?
Para que servem os exercícios eleitorais regulares? Onde reside o verdadeiro poder executivo?
Mais perguntas do mesmo tipo podem ser feitas, e as respostas podem ser várias, conforme o prisma ou inclinação de quem vá responder.
Que existe formalismo democrático, isso até é verdade. Existe Governo, parlamento e um sistema judicial aparentemente funcionais. Mas é só fachada, como se pode testemunhar.
Quem manda é quem a chave do cofre e quem determina quanto se distribui anualmente para os diversos departamentos governamentais.
O executivo governamental tem distribuído os recursos financeiros disponíveis de forma a acomodar os interesses e exigências daquilo que se pode chamar de envolvente militar-securitária. Essa tem sido a prioridade num casamento simbiótico. Dou-te os recursos e a primazia e tu procedes de forma a que eu me mantenha no poder.
Hoje, restabelecidas as hostilidades despoletadas por um processo eleitoral impregnado de ilicitudes, fica mais claro descobrir os contornos das dotações orçamentais.
Olhando mais profundamente e comparando com o que acontece noutros países vizinhos, pode-se concluir que os diversos regimes se mantém no poder por causa da sua proximidade e comunhão de interesses com as Forças Armadas, policiais e serviços de inteligência.
O forte poder que a Casa Militar de José Eduardo dos Santos demonstra possuir serve, na verdade, de salvaguarda deste e do seu regime ao longo de todos estes anos.
No Zimbabwe, sem que o aparato militar e policial se inclinasse a favor de Robert Mugabe, este já teria sido removido da State House, porque, nas eleições, perdeu a favor do MDC
e do seu líder, Morgan Tsivangirai.
Na África do Sul, embora o Estado de Direito seja o mais aperfeiçoado da região, não restam dúvidas de quem domina o aparato securitário tem a última palavra a dizer.
Então, é nesse quadro que os nossos países navegam nas águas turbulentas num processo em que os detentores do poder se multiplicam em alianças e acordos de defesa mútua.
Aquilo que é a oposição em Moçambique, embora tome a forma de partido político, é preciso reconhecer que ainda tem um longo caminho a percorrer para desmontar a máquina que o poder na Ponta Vermelha.
Os recuos ao nível do parlamento sobre o aprofundamento da descentralização governativa, despartidarização do aparelho de Estado, construção de FADM republicanas, PRM republicano, SISE republicano são o garante da estabilidade política e consequente alcance de uma paz duradoira. Não foi por acaso que, na III República, se recuou aos tempos do regime de partido único. Não foi por acaso que, de forma arrogante, o Executivo abocanhou as prerrogativas do parlamento e avançou para o endividamento secreto, ilegal. Não foi por acaso que o Executivo criou um Fundo Distrital, vulgo 7 biliões, para comprar votos e fidelidade. Não foi por acaso que, com cumplicidade chinesa, se aprovaram projectos imobiliários não prioritários. Tudo terá sido esquematizado nos “gabinetes do ‘empoderamento’ económico negro”? Mas obviamente que a táctica de oferecer “guloseimas” sob forma de cargos em empresas públicas, no aparelho de Estado e fechou a boca a milhares de pessoas que não teriam “chances” de ganharem em competição aberta e livre. São os membros de uma grande manada de funcionários do Estado, militares, agentes da PRM e outros que obedientemente cumprem as instruções emanadas dos diversos escalões do antes partido-Estado e renovadamente outra vez partido-Estado.
É manifestamente grande o perigo que o país corre de regredir para os dias de ontem, em que o centralismo político era omnipotente e que a democracia era uma palavra proibida.
A repressão selectiva de opositores, com o beneplácito da PGR e do sistema judicial no seu todo, representam um recuo da democracia conquistada após uma sangrenta guerra civil.
Os passos que se dão ao nível das hostilidades militares prenunciam a preparação de uma guerra civil de proporções inéditas. Milhares de moçambicanos já sofrem na pele, enquanto na capital se multiplicam seminários políticos de pouco ou nenhum impacto.
Os “patrocinadores” habituais da democracia estão mais preocupados com outros assuntos, e aquilo que a mediação internacional conseguiu ao nível da Comissão Mista é um somatório de palavras sem validade. Sabe-se o que separa as partes, e trata-se simplesmente de manobrar para manter o poder.
Recuperar propostas de descentralização apresentadas pela oposição velha táctica de quem não quer ceder o poder.
Não há vontade nem respeito pela voz da maioria que votou diferente e que pensa diferente.
A busca de consensos é um processo sinuoso que requer criatividade, flexibidade negocial mas sobretudo hombridade que ultrapassa os interesses privados de alguns.
Teremos ou já temos uma guerra pelos recursos camuflada de defesa da Constituição da República.
2016 termina com impasses políticos que estão paralisando e penalizando uma economia de si já precária.
Sem sermos pessimistas, 2017 vai ver mais impasses acontecendo.
Talvez só com uma nova Comissão Política da Frelimo, uma oposição política mais inteligente e pressionante, uma pressão político-diplomática mais coerente veremos consensos cristalizando e paz regressando.
Uma coisa é certa, nada acontecerá de diferente se os moçambicanos nada fizerem a respeito. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 27.12.2016