Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Somos iguais em vida e na morte
Ninguém se iluda.
Quanto a isso, ninguém se engane.
Nem os que se julgavam donos da vida e da morte dos outros. Hoje, é por demais evidente que alguns dos algozes de ontem jorram lágrimas em surdina e surgem na comunicação social choramingando e lançando críticas contra camaradas seus do passado.
É tudo produto dinâmico da história que alguns negaram a outros. Com direito de decidir quem é herói e quem deveria viver, hoje estão rendidos à sua sorte, à triste realidade de que afinal também são meramente humanos.
A proliferação perigosa e indiscriminada de armas em mãos alheias e ilegais, alimentada por circuitos que deveriam ser conhecidos pelas Forças de Defesa e Segurança constitui um grave problema de segurança.
Sabe-se que o desarmamento da Renamo jamais foi o problema persistentemente apresentado como razão para o rearmamento do Governo. Nem se pode por aí justificar as dívidas chamadas “ocultas”. A Renamo vive com armas conhecidas desde 1992-1994. JAC e o seu ministro do Interior conhecem este “dossier” melhor do que ninguém.
A Comissão Política da Frelimo daqueles tempos e a de hoje também conhecem o “dossier”. Haja honestidade.
Não deveria valer a pena tanta história e historietas sobre isto e aquilo, sobre riqueza descomunal, sobre a vista grossa que habitualmente se faz para a desgraça alheia, sobre a avidez pelo poder e pelo seu exercício em exclusivo.
Não vou especificar vivos nem mortos, mas a morte tem uma qualidade ímpar, é igual para todos, independentemente do estatuto ou qualquer outra distinção que em vida separasse as pessoas.
Do que se depreende, enquanto se vive, é que uma parte de nós cultiva e promove um culto pelo poder e pela posse de tudo o que tenha algum valor.
Alguns não descansam enquanto não são donos de tudo.
Compatriotas, quantos moçambicanos já foram assassinados desde os tempos da luta anticolonial, estendendo-se até aos dias hoje, é uma pergunta que merece reflexão de políticos e de cidadãos comuns.
Quantas dessas mortes foram por razões passionais, e quantas foram por motivos políticos, também merece reflexão.
Quantas foram instigadas por razões meramente ideológicas sem qualquer correspondência com factos, importa esclarecer.
Quando se trata de ânimo leve a morte dos outros e as tentativas de assassinato dos outros, seria bom que se lembrasse que chega a vez a todos.
Não importa quem seja, em particular, mas, no fim, vamos todos para o mesmo lugar. Voltamos ao pó, como dizem livros religiosos.
Há um excesso de violência social e sociopolítica que denota uma sociedade em crise de valores e com níveis de convivência muito baixos.
As pessoas colocam-se umas contra as outras por razões fúteis ou alegadamente envolvendo filiação partidária ou religiosa bem como outras causas.
Num panorama em que se diz que vivemos numa República onde o primado da lei está acima de qualquer outra consideração, não deveríamos estar vivendo ou presenciando morticínios, genocídios nem assassinatos politicamente motivados.
Estamos e vivemos numa sociedade doente, em que, por causa da impunidade reinante, se distorceram valores morais, políticos e éticos.
Quando mais nos afastamos da meritocracia como critério de diferenciação e de avaliação, resvalamos para critérios nebulosos, que nos colocam à mercê da barbárie sociopolítica.
O Estado policial do passado está regressando, porque os detentores do poder aperceberam-se de que a sua sobrevivência política e na opulência depende disso. Cercear as liberdades dos considerados opositores e, se for caso disso, fabricar razões judiciais e extrajudiciais para silenciá-los.
Assusta verificar que está ocorrendo um rearmamento, sem que se justifique de maneira transparente. A crise político-militar foi despoletada por razões políticas sobejamente conhecidas.
O seu tratamento para que seja sustentável e traga paz, estabilidade e desenvolvimento terá que ser político, e não militar ou policial.
Não há debate nacional sério sobre os problemas nacionais, como se pode ver e ouvir do Parlamento agora reunido.
Estamos sofrendo de crise porque uns, cavalgando o Estado, se pretendem donos de Moçambique.
Organizaram, no passado, uma Comissão para alterar a CRM, numa imitação de processos idênticos ocorridos em alguns países de África.
Depois, quando viram goradas suas intenções, iniciaram uma autêntica saga de eliminação de opositores, que, se tivesse obtido o sucesso pretendido, teria significado a manutenção do poder dos proponentes e executores da estratégia.
Com as dificuldades de execução dos planos, instalou-se um simulacro negocial, agora chamado “Comissão Mista”. Quando tudo apontava para um acordo e envio do pacote acordado para o Parlamento, aparecem os mandatários do PR a dizerem, em público, que não têm mandato para discutir a descentralização. É brincadeira grosseira para com todo um povo e as suas legítimas aspirações.
Quando se enveredou pela guerra, deve ter sido porque não se queria dividir com ninguém o gás de Cabo Delgado ou o carvão de Tete ou Niassa.
Sejamos claros e sem rodeios, que seja explicado aos moçambicanos porquê tanta resistência a aceitação de um acordo que nos leve a alterações constitucionais de relevo ao mesmo tempo que se inicia um processo de criação de forças armadas e policiais republicanas bem como essencialmente apartidárias.
Não vale continuar a mandar compatriotas para a morte.
E, falando de morte sem crueldade nem maldade, chegará a vez a todos.
Paz, agora! Concórdia! Reconciliação!
Perdão mútuo! (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 22.12.2016