-Exploração de areias pesadas de Angoche em águas turvas
Os nervos estão mesmo a flor da pele. O reboliço espreita em Sangage, em Nampula, onde comunidades inteiras e gestores da Haiyu Mozambique Mining Company, mineradora chinesa de areias pesadas, exibem músculos prontos para um mano-a-mano de consequências imprevisíveis. O imbróglio gravita em torno de incumprimento da Lei de Minas por parte da mineradora e de compromissos no quadro da responsabilidade social corporativa. Comunidades acusam: “a companhia chinesa quer explorar e exportar areias pesadas a custo zero. Nós não somos nada. Só atrapalhamos…”.
Comunidades em Sangage disseram ao domingo que esperavam muito mais de uma companhia que chega a processar vinte toneladas de areias pesadas por dia.
E sublinham: “nossas casas estão sobre as areias pesadas. Dormimos sobre a riqueza, mas nada aproveitamos. Os estrangeiros, neste caso os chineses, pilham, pilham e pilham”.
Animados com a possibilidade de criação de 800 postos de trabalho, melhoria da rede viária e escolar, fornecimento de energia eléctrica 24 horas por dia, os cerca de 12 mil habitantes da localidade de Sangage e arredores começaram a sonhar alto como de resto se diz em gíria popular.
A verdade ‘e que volvidos cinco anos o sonho ruiu, virou pesadelo que está na origem de conflito gigantesco que já desembocou no Governo provincial de Nampula.
Lopes Vasco, líder da comunidade de Sangage, lamenta a situação em que vivem centenas de cidadãos naquela região: “ Suas casas estão em cima da riqueza. Nasceram em cima da riqueza. Contudo, o projecto de areias pesadas não tem suscitado impacto positivo em termos de benefícios sociais para a comunidade. As pessoas estão a empobrecer cada vez mais ”.
Já ‘e evidente o sentimento de frustração naquelas bandas, onde diariamente camiões de alta tonelagem fazem longas procissões, tendo no horizonte os portos de Nacala e de Angoche, para exportação, quase sem custos, da riqueza nacional.Areias pesadas naquelas terras estão mesmo a mão de semear, a baixa profundidade. Enformam riqueza estrondosa avaliada em 215,4 mil milhões de toneladas, sem duvida “poço” de matéria-prima de cobiça internacional dado potencial que nutre na produção de zircão, ilmenite e rutilo.
Estamos a falar de minérios que já escasseiam noutras partes de mundo, destacando-se pelo vital são aproveitamento no fabrico de tintas, peças ortopédicas, para além de prestimoso papel na indústria de aviação e de produção de plásticos.
COMO O BARULHO COMECOU?
A companhia chinesa Haiyu Mozambique Mining Company acampou em Sangage desde 2011, tendo assumido, perante o Governo moçambicano, abrir, ao abrigo do projecto, uma componente de responsabilidade social corporativa que devia contribuir para fortalecimento do sector privado e das comunidades locais.
As comunidades afiançaram a reportagem do domingo que na instalação da fábrica nem sequer houve consulta comunitária antecipada. Entretanto, porque as promessas de desenvolvimento choviam a cântaros, fizeram vista grossa a esta pré-condição básica e abriram portas ao projecto.
Mais: No quadro de um Memorando de Entendimento, rubricado com o Governo moçambicano, a companhia chinesa comprometeu-se a financiar iniciativas de desenvolvimento local, destacando a manutenção de vias de acesso, a expansão da rede elétrica, abertura de furos de água e melhor distribuição pelas comunidades.
Comprometeu-se, a luz do mesmo memorando, a proceder a ampliação da linha de transporte de energia elétrica numa extensão de 27 quilómetros, através da instalação e montagem de uma subestação de 10 mil watts.
Por outro lado, a mineradora garantiu que iria investir na abertura de acessos a região mineira e a asfaltar alguns trocos degradados na rede viária da pequena cidade costeira de Angoche.
Neste quesito em particular, a nossa Reportagem viu dezenas de tambores de 200 litros contendo asfalto de primeira qualidade que seria aproveitado para pavimentação das ruas da cidade de Angoche.
Para a frustração das comunidades locais, os tambores estão empoeirados e com aspecto de abandonados.
SEDUZIDOS E ABANDONADOS
Embora a exploração de areias pesadas esteja ao rubro, o processo de reassentamento ainda não iniciou. “No ano passado prometeram iniciar o processo de reassentamento. Porem nada fizeram alegando falta de capacidade financeira”, disse Vasco Lopes, líder da comunidade local.
Mais de 240 famílias estão inscritas no programa de reassentamento em Sangage, contudo continuam vivendo em casas precárias, vulneráveis a accao de ventos que rotineiramente actuam não região costeira de Angoche.
Como isso não bastasse, ano antepassado choveu muito. “Eles (a mineradora, neste caso) estão a fazer extracção de areias pesadas. E como resultado fecharam uma ribeira que conduzia água ao seu leito natural antes de desaguar no mar. Em consequência disso, com chuvas, a agua procurou caminho na comunidade para chegar ao mar, destruindo habitações”, disse-nos um membro da comunidade.Por outras palavras, as águas perderam contacto com o leito natural, “entupido” pela mineração. Como consequência a lagoa Nagonha transbordou causando inundações e destruições no bairro com o mesmo nome. Quarenta e oito casas ficaram literalmente destruídas.
“ESTAO A ALDRABAR AS COMUNIDADES”
Izidine Mohodine, líder da Associação Solidariedade Moçambique, na cidade de Nampula disse a nossa Reportagem que a despeito de todo o esforçode sensibilização empreendido junto as comunidades a respeito do teor da Lei de Minas, estas continuam a ser, efectivamente, aldrabadas.
“As compensações não têm sido justas. Pagam valores insignificantes `as populações”, disse, acrescentando que há necessidade de se trabalhar fortemente com as empresas mineiras no sentido de, antes de vazar as minas, honrarem os seus compromissos de acordo com preceituado na Lei de Minas.
“Temos legislação bem elaborada. Só que as pessoas não querem segui-la”, disse ainda o nosso entrevistado.
Explicou que por cada cajueiro pagam valor inferior a mil meticais.“Há vezes que o camponês tem mais de trinta cajueiros e as empresas mineiras só pagam dez cajueiros. Isso não ajuda”, acrescentou.
Ressalvou que as empresas mineiras deviam construir escolas técnicas. De modo que nas suas fábricas trabalhassem cidadãos que vivem nas zonas de exploração.
“Não podemos estar permanentemente a importar mão-de-obra. Formar localmente devia ser uma das obrigações que as empresas deviam ter. Estão sempre trazer estrangeiros e nós ficamos a perder”, salientou.
“TRATAM-NOS COMO BURROS”
“Soubemos que a empresa já desembolsou a quantia anunciada pelo Governo para responsabilidade social corporativa, estimada em três milhões de dólares. Deste valor nada foi encaminhado para as comunidades”, disse Vasco Lopes, líder local.
Referiu que deste dinheiro a única obra visível foi a compra de uma ambulância alocada ao Hospital Rural de Angoche , “agora cansada e avariada”.
Entretanto, a população refere que não está a ver progresso nas obras. “Estamos a passar mal. O hospital tinha capacidade para 150 camas ou mais. Mas hoje só tem capacidade para 50. A reabilitação começou em 2013”, afirmou um morador.
Dados disponíveis indicam o primeiro desembolso de parte de três milhões de dólares terá sido efectuado em 2012. Quando ao desembolso da segunda e terceira tranches nada se sabe.
O Governo de Angoche confirma que o valor da primeira tranche foi efectivamente aplicado na reabilitação do Hospital Rural de Angoche, referência nos distritos vizinhos, nomeadamente Mongicual, Moma e Mogovolas.
Sublinhe-se que os três milhões de dólares representam apenas 2.75 por cento da receita arrecadada pela empresa mineradora, que reverte, de acordo com a lei, para accoes de responsabilidade social corporativa ao abrigo do preceituado na legislação mineira.
Porque se sente lesada na primeira operação de transferência de verbas, a comunidade de Sangage não pretende, neste processo, interferência do Governo local, pois alega que o valor em causa deve ser gerido pela comunidade.
“ Nós criamos um comité para monitorar este fundo. Estamos a exigir que este fundo não seja depositado na conta do Governo. Porque quando ‘e depositado la o Governo faz o que quer. Queremos que seja na conta da comunidade. Já abrimos a conta para o efeito”, disse o régulo Vasco Lopes.
Disse ainda queuma carta foi endossada ao Governo do distrito, a procura de informação, destacando dois pontos. Primeiro: o impacto ambiental dessa empresa. Segundo: aferir sua responsabilidade social corporativa.
A referida carta foi elaborada em Fevereiro de 2012, portanto há quatro anos, e até hoje não foi respondida.
“Constatamos que o distrito não tem capacidade para responder as nossas inquietações. Por isso, fizemos uma carta ao governador. Desde o ano passado até hoje a resposta não volta para as comunidades. Estamos a ver que a nossa preocupação está a ser uma grande pedra no sapato do Governo. Não sabemos onde esta a porta de saída”, disse o Vasco.
O nosso entrevistado sublinha que basicamente as comunidades reivindicam tudo o que ‘e beneficio social. “Queremos energia eléctrica. Não faz sentido as linhas de transmissão passarem por cima dos nossos telhados e as nossas casas permanecerem as escuras. Os cabos que alimentam Sangage passam por nós e não beneficiamos”, reitera.
Gestores evitam falar com o domingo
domingo visitou as instalações da mineradora etentou conversar com a direccao da empresa. o director da mineradora, Yotong Gou, recusou liminarmente um encontro com os nossos repórteres.
Eram as seguintes as perguntas que queríamos colocar as seguintes perguntas:
1.- O que está a emperrar o desembolso de valores referentes a responsabilidade social corporativa da mineradora
3.- Para quando a asfaltagem de algumas vias de acesso na vila de Angoche?
4.- Qual ‘e valor que a empresa desembolsa para efeitos fiscais?
5.- O reassentamento da população não está a acompanhar a expansão de áreas de mineração. O que estará por detrás disso?
6.- Por que o inicio de actividades da empresa não foi antecedido de uma consulta publica as comunidades?
Projecto não trouxe nada de novo
- Nassim omar
“Infelizmente nada ganhamos com a exploração de areias pesadas”,palavras de Nassim Omar, morador de Sangage, uma das vítimas da destruição de mais de quarenta casas devido a desequilíbrios ambientais trazidos pela mineração em Fevereiro último.
“ Projecto não trouxe nada de novo. Nunca tivemos rendimentos. Estamos só a acumular prejuízos”, sentenciou.
“Eles só estão preocupados em tirar areia”
- Ibrahim Joaquim
“Vivo aqui há vinte e dois anos. Conheço muito bem Angoche e não estou a ver vantagem da exploração de areias pesadas”,disse Ibrahim Joaquim, morador, sublinhando: “Os chineses tiram tudo para terra deles”
Ressalvou que num passado recente, prometeram construir casas, um hospital, um campo de futebol, uma escola, uma estrada, uma praia e energia. “Tudo isto não estamos a ver. Desde que entraram aqui, passam cinco anos, não fizeram uma única casa”, salientou.
Afirmou que o Comité Local nunca recebeu único centavo proveniente da exploração das areias pesadas no quadro da responsabilidade social corporativa.
Ressalvou que no âmbito de programa de reassentamento, a mineradora chinesa prometeu construir 250 casas. Contudo, nada feito ate agora.
Não estamos a ver
beneficio do projecto
- Fátima Ali
Fatima Ali, membro da comunidade de Sangage, disse que a população nada aproveita do projecto de exploração de areias pesadas de Angoche.
“Não fizeram consulta pública, estão a sacar os nossos recursos ao desbarato”, desabafou, acrescentando: o que dói ‘e não saber, no meio de tudo isto, onde estão as nossas autoridades.
Para a nossa entrevistada, o projecto não cobre iniciativa ambiental, limitando-se, unicamente, a promover desequilíbrios. “Os chineses só se preocupam em explorar. Não investem em nada. Não querem custos”, apontou.
Sublinhou que o próprio processo de reassentamento tarda a começar e algumas pessoas vivem ao relento apos a destruição das suas habitações em consequência de desequilíbrios ambientais motivados pela implementação do projecto.
“Eles ainda não construíram nenhuma casa”,frisou.
Texto de Bento Venâncio
Fotos de Inácio Pereira
DOMINGO – 25.12.2016