Por Viriato Caetano Dias ([email protected])
Wetxa mekha witxipha – Andar sozinho é suicidar-se. Provérbio Lómwé. In: Adriano Langa - Tchetengelo: A vida numa comunidade cristã rural. Braga: Editorial Franciscana, 1989, p. 14.
Há 5 anos o actual presidente do município de Quelimane, Manuel de Araújo, era o menino bonito dos órgãos de comunicação social do país. Na sua vasta e rica biografia constam a passagem como deputado da Assembleia da República e activista dos direitos humanos. A sua fama equiparava-se, actualmente, a de Donald Trump, o presidente eleito dos Estados Unidos. A beleza do seu pensamento, quer sob o ponto de vista político, quer sob o ponto de vista académico, fizeram-me acreditar e abraçar o projecto da sua candidatura ao município de Quelimane. A minha intervenção, não fosse por culpa da estiagem financeira, consistiu na escrita de alguns textos em que abonara e enfatizara o seu poder lucubracional que a imprensa nacional fazia questão de apelidar de “o homem revelação.” E era, de facto, digno desse estatuto.
Fiquei também apaixonado pelo seu carácter, mormente quando o vi chorar diante das câmaras da televisão, pois acreditara, na inocência do meu pensamento, na sensibilidade do coração do agora presidente do município de Quelimane – Manuel de Araújo. Afinal, “homem que é homem chora.” Como me referi anteriormente, o objectivo da ajuda era de ver se o ajudava na “saga libertária”, convencido de que o seu antecessor tinha esgotado todos os mecanismos de acção para tornar a cidade de Quelimane esbelta e próspera. A ideia de que os edis devem gerir lixo das cidades não me parece salutar, porquanto, quando não conseguem efectuar a recolha dos mesmos, a imagem com que ficam é a de lixo. Por isso, prescrevia ao seu antecessor, uma saída responsável, pela “porta grande.” Quando Araújo tomou posse como edil, logo percebi que “a montanha pariu um rato”, que a santidade dos discursos não fariam milagres numa cidade com condições para ser uma das mais desenvolvidas do país. Sobre as lágrimas, é melhor nem sequer falar, porque maiores foram as lágrimas derramadas pelos funcionários e seus familiares que passaram o natal de estômago vazio. Logo, alguma coisa anda mal na sensibilidade do edil.
Em Dezembro de 2015 última visita na vida que fiz a Quelimane, escrevi o seguinte: “Estive dois dias em Quelimane, onde saboreei um frango quase à zambeziana (quase porque faltou o principal condimento, o coco). Percorri as ruas da cidade, enquanto observava o estágio de crescimento da cidade. A edilidade precisa encontrar uma solução premente para evitar a “disputa” de espaços de circulação entre os automobilistas, os transeuntes, os ciclistas e os animais, que resultam em mortes e perdas de bens das populações. A sinistralidade entre os automobilistas e os ciclistas é diária, uma solução que demora a ser encontrada pelas autoridades municipais. Um dos meios de transportes mais utilizados na Holanda é a bicicleta, o governo municipal daquele país desdobra-se em esforços para controlar o tráfego rodoviário e evitar acidentes. As estradas estão devidamente sinalizadas e sem solavancos. Em Moçambique, os serviços de bicicleta-táxi são uma realidade sócio cultural predominante da cidade de Quelimane que, dada à sua relevância, não deve ser banida, o mais importante (se calhar aqui está a solução do problema) é a correcta gestão desses serviços. O edil, Manuel de Araújo, é uma pessoa viajada e conhecedora da realidade holandesa, de que está ele à espera para dar a volta à situação? A cidade está saturada de pessoas e isso reflecte-se na qualidade do saneamento do meio ambiente. Os esgotos obsoletos causam charcos de águas, que são “invadidas” pelas “flores que nunca murcham”, que certamente murcharão, prematuramente, vítimas de doenças. A falta de políticas de planeamento e ordenamento territorial, consequências de muitas decisões mal tomadas por antigos responsáveis pela gestão da edilidade, faz de Quelimane um campo de batalha: para viver não precisa de regras, basta viver. Campas com restos humanos estão espalhadas pelos quintais das residências, um verdadeiro atentado à saúde pública. O Rio dos Bons Sinais não traz vantagens significativas para a população de Quelimane e da Zambézia em geral, agudizando o velho problema de falta de oportunidades e de emprego, principais causas da criminalidade. Encontrar emprego em Quelimane (a exemplo do que se passa na nossa Pátria Amada de uma forma geral) é tão difícil como ganhar uma lotaria. Esta realidade é vista de olhos fechados pelos pilotos (dirigentes) na gestão da Administração Pública, mormente naquele ponto do país” – fim de citação.
A avaliar pelo seu silêncio, acredito que nem o edil nem os seus assessores não terão visto o meu comentário. Os problemas acumulam-se, hoje as notícias que me chegam de Quelimane são deveras preocupantes. Atrasos nos salários, o lixo que se acumula, os buracos por tapar, os conflitos institucionais que não param de emergir, deixam-me atónito. Araújo que tem um grau de doutor não consegue estabelecer pontes para tornar menos dorida a vida dos munícipes. Eu compreendo que, sendo ele de um partido da oposição, nunca teria vida fácil. O que não pode acontecer, em ambientes hostis, é cruzar os braços. Alguém escreveu um dia que “Nunca desistir de lutar, mesmo que as injustiças temem em nos derrubar.”
Sei que Araújo é apreciador da boa governação de Botsuana, Maurícias e Namíbia. Estranhamente tem sido muito difícil para ele parir, em Quelimane, os exemplos de sucessos daqueles países. A liderança de um líder, dizia um professor amigo de economia, reside na necessidade de olhar para os problemas globais numa escala local, e abraçar as dificuldades do mundo real, com pragmatismo perseverança. Araújo parece ter perdido leme, guinou o seu pensamento na mesma direcção onde muitos políticos da oposição “perderam a cabeça. Por exemplo, deixou-se cercar por bajuladores, fanfarrões e mariposas (circulando e pousando em lâmpadas, entenda-se, aqui, o conforto), incapazes de conduzir o edil a um bom porto. O mal deste país é valorizar os espertos, sobretudo quando se é do mesmo partido político ou mesmo círculo de amizade. Há um ditado português que evidencia esta frase: “No meio dos espertos não há inteligentes.” Araújo tem valorizado espertos e sabichões, ignorando (os mais) inteligentes.
Eu até compreendo que Araújo quisesse criar espaços de diálogo, ao convidar “vedetas das televisões”, para Quelimane. Acontece que na prática, assistimos a um desfile de gente (exceptuando algumas sumidades) que desbobinavam a Frelimo. Os problemas de Quelimane, as experiências positivas de outros países na gestão da urbe que deveriam merecer uma reflexão profunda, ficam reféns de festanças. O convite deve ser para pensar Quelimane e não fazer coros de protestos contra a Frelimo. Existem ambientes, momentos e audiências (público) em que se deve “espingardear” o adversário político e não num salão nobre do concelho municipal. É gastar inutilmente o dinheiro do município. E como a factura do despesismo nunca tarda, quem mandará calar o choro dos funcionários que ficarão sem salários?
Interessaria aos munícipes de Quelimane saber como é que a edilidade pode valorizar e rentabilizar o património municipal. Alguns dos convidados apresentou esse tema nas suas reflexões? Quantas teses de estudantes reflectem sobre a problemática de saneamento em Quelimane? Contudo, o município gastou rios de dinheiro em convidar gente cuja vocação é insultar a Frelimo. Também tenho a criticar o facto de que na composição da vereação, Araújo não colocou nenhum membro da Frelimo, contrariando os seus discursos sobre a inclusão. Alguém dizia-me que o problema mais periclitante da nossa política é o tribalismo. Quantos vereadores têm o município de Quelimane? Quantos deles é que não são naturais de Quelimane? Quantos deles são membros da Frelimo? Há queixas de que a gestão municipal não tem sido inclusiva nem participativa. Ou seja, os munícipes não fazem parte da governação. Está errado, a cidadania impõe que os munícipes sejam actores principais. Devem ser eles a tomar decisões.
A despeito de todas as adversidades que pesam sobre Manuel de Araújo, ainda acredito nas suas capacidades. Conheço (da televisão) aquele chuabo e sei que ele não vai vergar-se por causa do mau andar da carruagem (edilidade), mas o seu sucesso – se quiser inverter o cenário da hecatombe – terá que abster-se do vício da VAIDADE. Sim, a “vaidade é má, porém é necessário também não se perder a consciência do próprio mérito.” Zicomo e um abraço nhúngue a Dulce.
WAMPHULA FAX – 29.12.2016