Em 1987, um deputado da então Assembleia Popular, afecto à Comissão que lidava com a justiça e direitos humanos (sim havia esse conceito) chega à Cadeia Provincial de Tete em visita de fiscalização (sim, também se fiscalizava), ido da província de Cabo Delgado, onde fora com o mesmo propósito.
Era Samuel Chaiambuca (não tenho informações se está vivo ou não) e ia para uma cadeia então dirigida por Roberto David Marrengula, um manhambane a quem a justiça moçambicana deve-o pela forma humana como chefiou as acções de reclusão naquela província.
Durante vários anos fez aquilo que até aqui parece manter-se, ter sido a única região do país onde um clube se registou em nome da justiça; teve uma equipa de futebol federada que teimou durante anos em ficar no terceiro lugar do “recreativo” da província de Tete. Na verdade, era uma equipa da cadeia, cujo treinador noutras épocas era um missionário católico, vindo do Brasil.
Militavam na equipa, reclusos e pessoas que não tinham nada a ver com a vida em regeneração, como era o caso maioritariamente dos estudantes do Instituo Industrial de Matundo. A equipa fez o furor. Se ainda existe, não tenho informação.
Para Marrengula, bastava que o recluso reunisse as condições regulamentares que a cadeia impunha, não havia porque satisfazer-se com o acto de ele estar fechado na cela, simplesmente para dar a ideia de que está privado de liberdade. Assim, havia reclusos em diferentes frentes de produção: Na produção agrícola de Chingodzi e Chingale, no corte de lenha em Marara e no apoio ao camião da cadeia, que era rentabilizado através do seu aluguer a diferentes interessados.
Havia, por outro lado, aqueles que tendo feito 1/3 de pena, haviam convencido a direcção da cadeia de que eram pessoas responsáveis pelos actos que cometeram e assim trabalhavam sob o contrato em empresas fora da cadeia. Tudo legalmente!
Foi por isso que aceitou que dentro da cadeia houvesse até uma célula do Partido e um secretariado da OJM e se estudassem, lá dentro, as teses ao V Congresso da Frelimo, na altura, a única formação política. Foi no decurso desse último momento em que Chaiambuca visitou a cadeia de Tete.
Quando se soube da visita, as estruturas partidárias, entre os reclusos, organizaram-se e o ilustre visitante surpreendeu-se com um grupo formalmente apresentado, com cartões da Frelimo à vista nos respectivos bolsos de casacos e ficou atónito. Foram eles que o explicaram que mesmo ali continuavam membros do seu partido e que nem todos prisioneiros pensavam terem sido vítimas do sistema de governação. Estavam conscientes das razões por que se encontravam ali.
Devia ter contado esta história antes de a Renamo ter ido à cadeia aberta de Nhazónia, esta semana, na província de Manica, onde reclusos de Catandica estão a cumprir as suas penas. Ao raptá-los pensou que eram uma presa fácil, simplesmente porque estão privados de liberdade e que por isso, ela viria da sua adesão voluntária ao partido que hoje é único armado e que usa os artefactos bélicos para matar indiscriminadamente e destroem os bens públicos e de gente interessada em viver bem.
Se tivesse feito isso antes, pouparia ao segundo maior partido nacional, cuja diferença com outros é na verdade possuir armas e usá-las para o mal colectivo, poupá-lo-ia, dizia, de se envergonhar com o regresso massivo dos reclusos que “libertou”. Nem precisava de contar a máxima que o espaço não permite, mas bem conhecida, segundo a qual “ quando a esmola é maior…até o pobre desconfia”.
Pedro Nacuo
DOMINGO – 25.12.2016