Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Todo o cuidado é pouco.
Pode-se estar negociando para entreter mais uma vez.
Se nos quisermos recordar da História recente de Moçambique, seremos confrontados com um acordo de Lusaka. Este acordo foi aparentemente negociado pela Frente de Libertação de Moçambique com o Governo de Portugal. Mas quem tinha ou controlava os cordelinhos? Nunca a verdade nos será dita pelos negociadores da altura. Ou porque alguns já não estão no mundo dos vivos, ou porque haverá um pacto secreto para não se esclarecer em circunstância alguma os contornos reais mais sensíveis sobre tal acordo.
Roma acolheu a assinatura do AGP em 1992. Terminou uma guerra civil debilitante, sangrenta, desumanizadora e cruel.
Alguns dos comportamentos sociais exibidos nos dias de hoje tem a sua génese naqueles dias. A falta de respeito pela vida humana caracterizou dezasseis anos da nossa história.
Hoje, após sucessivos ensaios de supressão da oposição política e da sua liderança e também hostilidades militares de vulto, vivemos dias de tréguas na guerra.
Tréguas para questionar, pois pelo que temos tido oportunidade de ver, existem moçambicanos exímios em entreter, manobrar nas sombras, adiar, colher vantagens unilaterais.
A tal necessidade de criação de confiança entre os agora outra vez beligerantes denota não só a precariedade do AGP de Roma como toda uma agenda de um partido político em manter-se perpetuamente no poder, contra tudo e todos.
Se a reconciliação nacional efectiva ou uma unidade nacional com pernas para andar nunca esteve na mesa dos detentores do poder, isso deve ser interpreta-
do como "genético". Agora, mais uma vez "apertados" pela dinâmica histórico-política nacional, ensaiam que aceitam descentralizar.
Mas a verdade e a realidade mostram que alguns de nossos libertadores são irredutíveis e obtusos.
Estão viciados pelo poder e ainda não estão preparados para negociar com realismo e patriotismo. A equação persistentemente perseguida parece ser aquela de 1974.
Com ajuda e participação plena de altos funcionários do Governo português, prenderam compatriotas sob as mais diversas acusações. Da detenção para a eliminação física foi um pequeno passo.
Começou naqueles dias, senão antes, a cultura política que não aceita a existência de quem pense diferente e queira diferente.
Quarenta anos depois da Independência, seria tempo mais do que suficiente para se viver no quadro de uma confiança funcionalizante.
"Slogans" sucessivos publicitados com vista a esconder desígnios e vontades falharam em cimentar o que queriam. O que se pretendia produzir, "homem novo" abortou como se pode ver.
A revolução que diziam defender gorou-se de tal modo que os timoneiros da ideia hoje se digladiam e até chegam a insultar-se na praça pública.
Hoje, não passa semana em que "camaradas de ontem" não se acusem de saqueadores ou simplesmente ladrões, corruptos e corruptores.
Empresas sólidas faliram para benefício privado impunemente.
A impunidade tornou-se paradigma do sistema político-judicial.
Se não é a persistência e tenacidade dos moçambicanos de todas as cores políticas, hoje Moçambique seria o paraíso da autocracia déspota.
Amarrados por estatutos tipicamente centralizadores, os membros da Frelimo vivem condicionados a uma disciplina partidária que não deixa espaço à manifestação livre de ideias.
Também algo do mesmo se passa nos outros partidos, pois, embora pretendam substituir a Frelimo, os seus dirigentes, ávidos de poder, ainda não conseguiram compreender que a democracia começa em casa.
Hoje, estamos numa encruzilhada decorrente da trégua declarada. Não tenhamos muitas ilusões sobre o futuro próximo. Quem autorizará concessões que tragam aprovação parlamentar sobre as matérias em discussão na aparentemente desautorizada Comissão Mista será a Comissão Política da Frelimo.
Será que haverá entendimentos essenciais naquele grupo restrito? Sabe-se que uma parte considerável dos membros daquele grupo da elite política nacional são peças montadas para votar segundo a vontade de quem lá os colocou. Os verdadeiros decisores políticos são aqueles que do ex-bureau político conseguiram resistir e metamorfosear-se.
Existe entre os poderosos a tendência de complicar as coisas até a mera colocação de vírgulas num texto.
Se nos recordarmos de alguns episódios do AGP, veremos que foi em Gaborone que Joaquim Chissano conseguiu "fintar" Afonso Dhlakama.
Se agora parece existir uma linha de comunicação mais ou menos directa entre AMMD e FJN, isso pode parecer útil para flexibilizar e acelerar as negociações, mas tem os seus riscos concretos.
Este período de trégua deve ser aproveitado para "consensualizar" a revisão da CRM de forma realista, pois tem sido esta que tem atrasado e adiado a democracia.
O "dossier" militar e policial assim como o da SISE deve ser abordado também com serenidade, realismo e patriotismo.
Algo deve entrar nas nossas mentes: a pátria não tem cor partidária nem se compadece com malabarismos que os políticos queiram pôr em prática.
Se falhámos no passado foi porque tomámos Moçambique como nossa propriedade privada. Falar de desfrelimizar o aparelho de Estado hoje só demonstra que andámos nos enganando durante todos estes anos.
A corrida e competição que se verificam no seio dos que querem evidenciar-se como a "intelligentsia" emergente e mais útil ao regime do dia decorre e acontece num ambiente complexo onde consciências estão à venda, por vezes por valores irrisórios. A mediocridade prevalecente e visível nos discursos alinhavados em certas hostes mostra que superintende a falta de qualidade quase generalizada.
Constitucionalistas de meia--tigela envergonham a academia ao não serem capazes de articular o que realmente interessa ao país e aos moçambicanos.
Quando tudo parece resumir-se a falar bonito em defesa do "status" e depois ser agraciado com um cargo público, os aspirantes a tais cargos até vendem pais e mães.
Quando de diz que sociedade perdeu a moral e que os valores éticos se diluíram, isso deve ser interpretado como falhanço do projecto político.
Não há linhas rectas num processo político e de construção de uma nação.
Depois de tanta aldrabice eleitoral, é reconfortante ouvirem--se vozes como a de Rui Baltasar falarem de ilícitos eleitorais.
Mas não é suficiente.
E preciso arrumar o quadro legal de tal forma que não se repitam os crimes eleitorais que aconteceram desde 1994.
Fazer desparecer editais ou escondê-los, manipular meticulosamente os números para garantir maioria parlamentar, intimidar através da PRM/FIR devem ser abandonados liminarmente.
Uma nova era de paz, concórdia, desenvolvimento endógeno e inclusivo requer respeito mútuo sem arrogância nem prepotência.
Afinal somos todos moçambicanos, ou não?
Combatentes pela Iibertação nacional e combatentes pela democracia, deponham as armas e ensinem os jovens a conviver numas FADM/PRM/SISE moçambicanos, e não deste ou daquele partido.(Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 10.01.2017