História de amor e espanto!
-Ministério Público já deduziu a acusação
Na estóica tentativa de perceber os contornos que ditaram o assassinato macabro de Valentina da Luz Guebuza, o Diário de Notícias (DN) trás hoje alguns excertos empacotados naquilo que é a acusação do Ministério Público (MP).
Este processo inaugura o ano. Matriculado como Querela n°01/2017/ 10ª, os autos têm, por outro lado, a particularidade de terem sido velozes.
Obedeceram uma velocidade não comum nos tribunais moçambicanos, onde os processos empoeiram-se enquanto os funcionários fazem vista grossa. Há-de ser este, provavelmente, um dos grandes problemas da sobrelotação das cadeias moçambicanas.
Recorde-se que Valentina Guebuza foi assassinada no dia 14 de Dezembro do ano de ontem. A 23 deste Janeiro prestes a findar, o MP já tem a acusação.
É escusado dizer que a justiça moçambicana ainda protege os mais fortes? A vítima era filha do então Presidente da República, Armando Guebuza.
Fazendo jus aos autos, a convivência sã entre Zófimo Muiuane e Valentina Guebuza há muito que se havia esboroada, apesar de a generalidade das pessoas que mantinham laços familiares e de amizade com o casal perceber o contrário.
O ciúme de Zófimo Muiuane era doentio. Tanto assim é que em certa data de Outubro do ano passado, ele “arrancou e escondeu o passaporte, bilhete de viagem e telemóveis da vítima (Valentina Guebuza), como forma de inviabilizar a sua viagem para a República da África do Sul, onde tinha uma consulta médica marcada”.
Zófimo procedeu daquela forma porque “insinuou que na referida viagem, a vítima ia se encontrar com alguém (entenda-se amante) “.
O ora arguido, segundo os autos, chegou ao extremo de obrigar ao ajudante de campo de Valentina Guebuza para que lhe prestasse toda a informação relativa aos locais onde ela frequentava e os nomes das pessoas com quem se encontrava. Era comum, Zófimo Muiuane trancar Valentina no quarto.
Foi isto tudo que levou com que Valentina Guebuza procurasse os seus padrinhos, nomeadamente Amosse Baltazar Zita e Feliciano Gundana, para que tentassem aplacar o seu esposo.
Efectivamente, os padrinhos anuíram ao pedido. E porque Zófimo Muiuane já tinha na sua agenda uma viagem para o Japão, adiou-se o encontro. Mas a 11 de Dezembro de 2016 ele regressou e foi a própria Valentina que ligou aos padrinhos lhes informando que o esposo já estava de regresso a Maputo.
Os padrinhos ligaram para Zófimo e combinou-se que o referido encontro seria na residência do casal, algures na Polana Cimento, por volta das 18 horas do dia 14 de Dezembro.
Os padrinhos, à data e hora combinadas, deslocaram-se à casa do casal, fazendo-se acompanhar pelas respectivas esposas. Rezam aos autos, em posse do DN, que ao recebê-los, Zófimo tentou dar entender que estava em paz com a sua esposa. Haveria de ser a própria Valentina a desmenti-lo prontamente.
Do diálogo não houve consensos. Era pretensão de Valentina que o esposo saísse de casa até que as coisas se aquietassem. Zófimo não acolheu a ideia, alegadamente porque não tinha para onde ir já que havia arrendado a sua casa. Ademais, no calor da discussão, chegou, na presença dos padrinhos, a chamar a esposa de “estúpida, maluca e burra”.
A “mediação” dos padrinhos foi até às zero horas. Não houve consensos. Ao despedirem-se do casal, eles recomendaram ao esposo para que fosse mais tolerante e ficou combinado que voltavam numa data a agendar.
Mal os padrinhos viraram as costas, rezam os autos, Zófimo começou a agredir Valentina com recurso às suas mãos. A agressão foi forte e existe um laudo médico que atesta o facto. Posto isto, sacou da sua arma e desferiu-lhe um número incontável de tiros. Sendo que um a atingiu na zona do tórax e outro no abdómen.
Foi a ajudante de campo, de nome Raquel, que ouvindo os disparos correu de imediato ao quarto do casal. Encontrou Valentina a esvair-se em sangue. Segundo ela, a vítima tentou balbuciar qualquer coisa, mas tal não foi possível dada a agonia. Zófimo assistia inerte ao que acabara de fazer.
Raquel, a ajudante de campo, questionou Zófimo o porquê daquele procedimento, ele, segundo o que consta nos autos, respondeu nos seguintes termos: “Já fiz…me ofendeu muito diante dos padrinhos…ela me humilhou…”.
Aliás, asseguram os autos que Zófimo tinha a arma consigo carregada mesmo durante o encontro que tiveram com os padrinhos.
Portanto, este é o “sumo” que se pode extrair da acusação do MP, em que consta ainda que Zófimo, para além da arma com cuja efectuou os disparos fatais, detinha mais quatro, clandestinamente.
Nas buscas realizadas na sua residência e escritórios, foi apreendido um documento de identificação sul-africano, no qual o ora arguido é identificado como Washington Dubi, de nacionalidade sul-africana.
Ao ser questionado sobre aquele documento, Zófimo não foi convincente. Ele respondeu que achou o documento na via pública tendo posteriormente substituído a fotografia do titular, pela sua.
Pelo conjunto do que está aqui exposto, o MP acusa Zófimo Muiuane em autoria moral e material de um crime de homicídio voluntário qualificado; crimes de falsificação de documentos autênticos ou que fazem prova plena; um crime de armas proibidas e um crime de violência psicológica.
Aguarda-se, no entanto, pela instrução contraditória ainda sem data marcada.
(Laurindos Macuácua)
DN – 26.01.2017