Se o estimado leitor leu na íntegra a transcrição do áudio da juíza do Tribunal Judicial de Marracuene, Judite Mahocha Simão, publicado na edição desta semana do “Canal de Moçambique”, é justo que, nesta altura, esteja, das duas, uma: ou arrepiado, ou enojado. Ou com um sentimento misto das duas disposições.
A actuação da juíza Judite Mahocha Simão não deixa margem para dúvidas sobre o tipo de Justiça que o Estado proporciona aos seus cidadãos nesta República: uma Justiça corrupta, promíscua e desprovida de qualquer sentido de Estado.
A maior naturalidade com que a juíza Judite Mahocha Simão actua, segundo se ouve no áudio, é reveladora do “modus operandi” generalizado de um sistema de administração da Justiça a cair de podre.
Se é possível um juiz, por sua própria iniciativa, procurar uma das partes do processo, para com ela delinear estratégias para prejudicar a outra parte e com isso ganhar uma comissão de tramitação da causa, e se é possível fazê-lo com uma naturalidade capaz de fazer arrepiar os cabelos de qualquer ser vivente, é porque o sistema todo institucionalizou esse tipo de actuação.
A partir da intervenção da juíza Judite Mahocha Simão, é fácil perceber por que motivo esta Justiça tem sido implacável para com os pilha-galinhas e subserviente perante os que a podem pagar.
Judite Mahocha Simão é a fotocópia autenticada de uma Justiça nas mãos de criminosos. Como é que alguém pode esperar que a Justiça combata o crime, sendo ela administrada pelos próprios criminosos?
O que esperar de um tribunal dirigido por criminosos por excelência?
A linguagem da juíza Judite Mahocha Simão, reproduzida no áudio, é a linguagem comum das associações criminosas. A banalização que ela própria propõe da Justiça que um dia jurou defender revela um compromisso rigoroso com o crime e a vulgarização do Estado.
Que dizer dos cidadãos que, inocentemente, ainda vão aos tribunais confiando que o Estado vai arbitrar a causa com base na boa-fé e na justiça? Depois do julgamento, o cidadão vai para casa contando que amanhã lhe será lida uma sentença fundada na justiça, quando, na verdade, na noite antes do julgamento, o juiz esteve numa sala de petiscos a vender a sentença e também a entregar a morada das testemunhas desfavoráveis à causa, para que os seus algozes executem os seus procedimentos macabros.
Mas este caso deve ser olhado na sua dimensão global. É que Judite Mahocha Simão representa um plano supremo, devidamente coordenado, de desmantelamento do Estado e da sua substituição pelos cardeais do crime e seus diáconos. É um processo que tem como objectivo a extinção do Estado e da sua integridade e a sua substituição pelos cartéis mafiosos que estão a implantar a bandalheira e a imoralidade absoluta.
É um erro grave pensar que Judite Mahocha Simão actuou comoactuou neste caso em representação do seu próprio instinto. Não.
Actuou com base num código de conduta comummente aceite na classe, fundado no princípio da liquidação do Estado e do bom senso.
Não é por acaso que, depois de uma avalanche de queixas contra a mesma juíza, o castigo máximo que o Conselho Superior da Magistratura Judicial encontrou, numa estratégia de protecção de pares, tenha sido a transferência da juíza para o Búzi.
Mais do que transferi-la para o Búzi, o zeloso Conselho Superior da Magistratura
Judicial, apesar de reconhecer a autenticidade da gravação anexa à queixa, julgou-a irrelevante, por, alegadamente, ser um material captado de forma ilegal, como que houvesse um quadro jurídico que regula o exercício da imoralidade e da destruição dos fundamentos de um Estado.
Onde reside a pedagogia na transferência da senhora Judite Mahocha Simão para o Búzi? Implicitamente, o Conselho Superior da Magistratura Judicial está a informar aos moçambicanos que os cidadãos do Búzi merecem uma juíza moralmente tão degradada quanto a senhora Judite Mahocha Simão.
Na opinião do iluminado Conselho Superior da Magistratura Judicial, os cidadãos de Sofala merecem uma Justiça podre, igual à que é praticada pela juíza que é enviada para lá. Entende o Conselho Superior da Magistratura Judicial que as províncias são o lugar ideal para os magistrados judiciais suficientemente sem escrúpulos.
E, em Maputo, quem fica? Os magistrados que ainda podem vender sentenças com diligência e rigor suficiente sem se deixarem gravar. Os que se deixarem gravar, vão para as províncias.
Não é por acaso que hoje estamos como estamos, saqueados e propositadamente falidos. Porque o sistema da Justiça brinda ao roubo com os criminosos. Estamos hoje numa encruzilhada e a receber lições de civilização do Ocidente exactamente porque consentimos um sistema de Justiça que funciona como estafeta de criminosos.
Há um conhecido criminoso que está fora do país e de lá manda redacções com lições de moral sobre a Justiça de que ele próprio é um fiel produto, exactamente porque temos um sistema de Justiça que consegue fazer pior do que os próprios criminosos.
Esse tal criminoso, que hoje é uma espécie de mascote da falta de seriedade da Justiça moçambicana, tem tratamento privilegiado em todos os corredores da magistratura.
Não há caso sobre o qual esse criminoso não tenha os documentos oficiais em primeira mão. Esse mesmo criminoso, envolvido no assassinato dum jornalista, tem tido até acesso a gravações de audiências, e são-lhe fornecidos detalhes sobre todos os intervenientes processuais de cada caso, e ele escolhe a quem deve eliminar, para não o comprometer.
Tudo isso é trabalho dos juízes desta Justiça podre. Se, em vez de se garantir justiça, se garante impunidade total e imoralidade generalizada, então Judite Mahoce Simão é apenas um cartão-de-visita de um sistema que está a cair de podre, onde, em vez de juízes, temos bandidos a envergarem togas e a representarem o Estado e a executarem processos do crime. Merecíamos outra sorte. Com este tipo de juízes, para quê precisamos de criminosos? (Canal de Moçambique)
CANALMOZ – 17.02.2017