Morte de Valentina Guebuza (4)
Gosto dos meus pais. Ensinaram-me, dentre várias, uma coisa de que nunca me esqueço: “Quem promete deve”. Pois é. Prometi que da mesma forma que vos trouxe, exclusivamente, a acusação do Ministério Público (MP) e do assistente particular, traria-vos-ia a defesa do arguido Zófimo Armando Muiuane, caso existisse. E existe. Cá está. Trago-vos em primeira mão, como sempre. Não sou jornalista, mas sei devassar assuntos que suponho sejam do interesse público. Prometi ser imparcial e serei. O que vos trago não é minha opinião. É o vertido na contestação do arguido acima mencionado. Vou tirar as partes principais da contestação, de modo a facilitar a leitura e entender o que possivelmente aconteceu naquela noite em que Valentina Guebuza perdeu a vida.
Para a defesa do arguido, as acusações do MP e do assistente particular baseiam-se em suposições, o que no seu entender, não é admissível nem pode ser admitido em processo criminal.
O arguido nega ter premeditado aquela “tragédia”, uma vez que sequer sabia da existência da reunião. Aliás, para ele, a reunião foi convocada logo após à sua chegada do Japão. Ou seja, em nenhum momento o padrinho Feliciano Gundana lhe ligou, antes da sua viagem ao Japão, para marcar qualquer encontro. E nega que a reunião visava conciliar o casal, porque se assim fosse, teriam sido convocados, também, os seus padrinhos e não somente os da vítima.
Por outro lado, a defesa entende que, compulsados os autos, não encontrou elementos inequívocos e conclusivos que demonstrem que o arguido premeditou o assassinato da sua esposa, por isso acha que a questão premeditação é “infundada e deve ser afastada”.
Afinal o que aconteceu no quarto do casal? Segundo a defesa, o que aconteceu foi o seguinte: “Estando os dois no quarto do casal, e a vítima a insistir para que o arguido abandonasse imediatamente o tecto conjugal, este disse que não iria sair, pois não via motivo para tal e nem para onde ir abruptamente naquela altura. Acto contínuo, o arguido tirou o casaco e sapatos. Quando ia coloca-los, num banquinho, sentiu a vítima a tirar-lhe a arma da cintura, ao mesmo tempo que gritava, 'saia ou mato-te'. Foi quando o arguido e em completo estado de pânico, pegou na mão da vítima que estava na posse da arma, ao mesmo tempo que suplicava: 'por favor, não faça isso, por favor não faça isso amor'”.
Mais adiante, a defesa diz que a vítima reagia com muita força, como se tivesse sido possuída por uma força anormal. Portanto, “foi aí que os empurrões sucederam entre a vítima e o arguido, na luta pela posse da arma, eles foram se batendo na cómoda, tendo provocado lesões em ambas partes, foi nessa luta que o arguido fracturou o seu dedo menor, razão porque, até hoje, ao arguido lhe foi colocado uma tala; para além das partes da sua anca que foi atingida”.
Argumento diz que “sem perceber como, o arguido ouviu o disparo da arma que passou do lado do seu pescoço, e foi atingir o espelho na cabeceira esquerda, a outra bala foi atingir a parte superior da cabeceira direita, foi aí que , sem perceber como, a arma virou-se para a vítima tendo soado tiros que provavelmente atingiram a vítima”.
Adiante, a defesa diz que “o arguido não premiu o gatilho contra a vítima, e muito menos se apercebeu como tal aconteceu. Pelo que, não existiu homicídio voluntário, por inexistência do animus necandi, e como também não houve premeditação, como temos vido a defender durante esta defesa”.
A defesa nega o posicionamento da acusação particular de que o arguido teve treino reservado a fuzileiros navais e de karate, a verdade é que “tais factos são totalmente falsos (…) o arguido nunca foi praticamente de artes marciais, e muito menos tem categoria de cinturão negro. O cinturão negro a que a acusação alude, foi lhe oferecido. O arguido foi apenas Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Moçambicana de Taekwon. Pelo que o arguido não entende a razão desta acusação ”.
Para a defesa, os disparos pela arma “ocorreram durante a luta pela posse da mesma, não houve momento em que o arguido tenha por sua livre vontade controlado a situação e disparado um tiro se quer intencionalmente; portanto, quando os tiros foram disparados a arma estava dividida entre os dois, sem que nenhum de ambos tivesse tido domínio total do corpus da arma, pois ficaram repentinamente apossados pelo pânico e medo”.
A defesa diz que quando o arguido viu que a vitima jazia no chão esvaída em sangue, ligou para os padrinhos, para SOS e Clinecare, para pedir socorro, no sentido de levar a vítima ao hospital.
O arguido, segundo a defesa, quando tudo aconteceu ficou descontrolado, não tendo sabido como proceder, nem conseguido ter forças para carregá-la a fim de socorrê-la. Mesmo assim, “quando chegou o socorro, o arguido, na companhia das pessoas que vieram socorrê-la, ajudou a levar a vítima ao hospital, tendo ido num carro atrás do que a levava”.
No que se refere a acusação de o arguido ser detentor de armas proibidas, a defesa justifica dizendo que tanto o arguido assim como a vítima eram detentores de armas ambas de tipo pistola. Além destas, o casal tinha três armas de tipo caçadeira que eram para ser usadas na caça. Todas as armas foram adquiridas na Afrocaça, na Avenida Josina Machel e que cada uma delas tem licença e livrete.
A defesa diz ainda que não constitui a verdade acusação imputada ao arguido de espionagem e nem tem fundamento porque as três empresas referidas na acusação particular do assistente, nem sequer ainda entraram em funcionamento, estão na fase de constituição, de entre elas, a Spy Master Moçambique SA.
Meus senhores: tentei, ao que podem ver, tirar o essencial da defesa do arguido. Se me permitem pequena análise aos factos, há incongruências. Ora, a acusação particular diz que a vítima foi atingida por mais do que um tiro. Não entendo eu porquê, logo que ela foi atingida por esse tiro não largou a arma, já que a defesa pretende passar a ideia de que quem fez os disparos foi a própria vítima. Ela teve a única coragem de disparar contra si mesma o segundo tiro? O mais grave ainda, é que se está a acusar uma pessoa que se não pode mais defender: morreu e todos sabem muito bem disso. Eu, Nini Satar, não quero tirar conclusões precipitadas. Aliás, o que penso ou não, não vai influenciar o curso do julgamento. Caberá ao juiz decidir em conformidade com os factos e com a sua consciência.
Não sei se é pedir muito: aos que tentam desmentir que Valentina Guebuza, de facto, morreu, não comentem por favor para dizer as mesmas barbaridades. Não se inventam mortes e ela, julgo eu, não tinha razão para inventar a dela. Morreu e ponto final. Atemo-nos ao que se seguirá depois disso. O que vos trago aqui, nenhum outro jornal conseguiu. Por isso qualquer jornal que quiser, a partir disto fazer uma notícia, tem que citar a fonte.
Um abraço
Nini Satar