Empreiteira foi condenada pela Justiça brasileira a pagar montante, por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão em Angola. Nem os trabalhadores afetados, nem Angola verão a cor desse dinheiro.
Após a Construtora Norberto Odebrecht (CNO) firmar um acordo de 10 milhões de dólares com a Justiça do Brasil, na semana passada, por manter mais de 400 trabalhadores em condições análogas à escravidão durante a construção da Biocom, uma usina de cana de açúcar em Angola, o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Campinas, no Estado de São Paulo, Rafael de Araújo Gomes espera que a empresa brasileira seja mais rígida na fiscalização e comprometida com os seus trabalhadores.
Rafael de Araújo Gomes acredita que o acordo milionário fará com que a empresa não repita mais a exploração de trabalhadores em regime análogo à escravidão - confirme considerado pelo processo do MPT, que analisou o ocorrido durante a construção de uma usina de cana de açúcar na província de Malanje, em Angola.
"O ponto mais importante, neste momento, do acordo – além da posição pelo que ocorreu – é a cessação da prática, que continuava sendo realizada pelo grupo Odebrecht , de encaminhar trabalhadores para o exterior - e não só para Angola, mas para outros países também – sem o prévio visto de trabalho obtido pelo trabalhador e, chegando no país, eram tomados os passaportes desses trabalhadores, mantendo-os em condição extremamente vulnerável e insegura, num país estrangeiro, como um imigrante indocumentado e sem autorização para trabalho," relata o procurador.
Angola não beneficia do acordo
A Construtora Odebrecht e duas de suas subsidiárias – a Odebrecht Serviços de Exportação S.A. e a Odebrecht Agroindustrial - terão que pagar cerca de 10 milhões de dólares, divididos em 12 parcelas semestrais, para pôr fim a este processo judicial que teve início em junho de 2014.
O procurador, que é responsável pelo inquérito, explica para onde serão destinados os valores milionários a serem pagos pela empreiteira.
"Vão ser destinados a entidades beneficentes ou a projetos que revertem em benefício da coletividade, que não foram escolhidos ainda. O Ministério Público e o Tribunal do Trabalho vão receber propostas e pedidos, como habitualmente recebemos, e irão escolher. Por exemplo, a construção da sede de uma entidade, aqui [da cidade] de Araraquara [no Estado de São Paulo] que atende apenas crianças e adultos com deficiência múltipla, ou seja, diversos deficientes – normalmente casos de paralisia cerebral e doenças do tipo," garante.
Rafael de Araújo Gomes destacou que este é o maior acordo da história do país no que diz respeito ao combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas. No entanto, está ação não beneficia Angola, nem os cerca de 400 trabalhadores brasileiros afetados.
"Esta ação não dizia respeito a pedidos individuais. Não eram feitos pedidos em favor de trabalhadores especificamente considerados," defende o procurador.
Biocom não reconhece prática
Em nota, a Companhia de Bioenergia de Angola (Biocom) reafirmou que "zela pelo cumprimento estrito da legislação e respeito às pessoas. Por isso, a premissa para celebração deste acordo foi justamente o fato de que ele não implica em qualquer reconhecimento de prática de trabalho escravo, nem de violação de direitos humanos ou de princípios que regem as relações de trabalho pela empresa," lê-se.
Ainda no comunicado, a Biocom defende que "embora nenhuma instituição brasileira, ainda que formalmente convidada, tenha comparecido às instalações da Biocom para fiscalizá-la, as condições de trabalho na empresa sempre foram fiscalizadas e atestadas positivamente por autoridades angolanas (equivalentes ao Ministério do Trabalho e Emprego no Brasil)".
A Empresa Biocom conta com aproximadamente 2.100 empregados, sendo que 1.940 são angolanos.
DW – 23.03.2017