Exma. Senhora Governadora da Província de Sofala
É com muita satisfação, mas também com uma certa inquietação e lágrima no canto do olho que tomo a iniciativa de redigir-lhe algumas linhas, alimentando a forte expectativa de que o faço de forma clara e com a melhor das intenções e que, deste modo, alguém de bom senso lhe faça chegar esta carta às mãos.
Sou um docente desta província e vivo numa pacata aldeia do interior, onde ainda se leva uma vida primitiva, sendo o canto dos pássaros parte do quotidiano. Amo a carreira que escolhi. É um trabalho da pena, mas que quando feito com amor e prazer se torna bastante gratificante. Ninguém me pediu para que eu enveredasse por esta carreira; fi-lo de livre e espontânea vontade, pois, desde criança sentia algo, aqui dentro, a impelir-me para tal. Sempre apreciei ver docentes a “despertar as mentes” das crianças, tirando-as da “escuridão para a luz”, conduzindo-as ao domínio da ciência e da técnica, em suma a perceber melhor o mundo.
Talvez não seja o meio a que recorro o mais decente; aliás, ao escrever esta missiva já antevia que algumas pessoas, principalmente os “puxa-sacos”, face ao termo, me criticassem e até me “crucificassem” para mostrar aos seus chefes que continuam leais às suas ordens. Porém, isso não importa, pois estes existem em qualquer parte do mundo.
Mas deixemos esta nota introdutória de lado para nos cingirmos ao essencial.
Desde que V. Ex.ª começou a aparecer amiudadas vezes, em público e na imprensa, como ministra do trabalho, se a memória não me trai, comecei a nutrir por si uma consideração muito especial, pois julgava eu estar diante uma pessoa muito íntegra, comedida e, consequentemente, justiceira. Mas pouco a pouco comecei a ficar desiludido e a sentir-me como se estivesse a acordar de um pesadelo.
O que me conduziu a este estado de coisas foi a actuação de V. Ex.ª, mais concretamente, em 2016, facto, aliás que espero repetir-se este ano como se de uma odisseia se tratasse. Falo da questão do desconto de dois dias semanais, perfazendo um total de oito dias mensais nas horas - extras dos docentes. Até prova em contrário, considero ter-se extravasado os limites da prudência e do zelo, em relação à questão.
O trabalho docente reveste-se, em si, de uma certa especificidade. Tal especificidade é legada por tarefas como a planificação diária de aulas, a correcção de trabalhos de investigação e de avaliações, as reuniões com pais e encarregados de educação, as visitas-casa para recuperação de alunos em vias de desistência, entre outras situações que não ficam contabilizadas nem são abonadas dentro das horas-normais do trabalho docente. Só quem já foi docente entenderá melhor o que procuro aqui trazer à tona.
Tomando em consideração as especificidades mencionadas, será que o “coitado” do docente merece tudo isso? E que se pode esperar deste com o encarecimento do custo de vida a que hoje se assiste? Será que o docente pratica uma ingratidão ao aceitar trabalhar um segundo turno para auferir apenas 60%? Ademais, será que houve uma consulta à base e aos peritos em educação em Moçambique antes de se enveredar por tal decisão?
Tentemos admitir que a fórmula usada no cálculo estivesse certa para os docentes que leccionam o EP1, considerando que os salários e as faltas destes são deduzidos em função dos trinta dias mensais. Que se diria então em relação aos docentes do EP2 e do ESG e outros cujos salários e horas-extras são calculados em função de vinte ou vinte e quatro horas semanais conforme o caso, e que são contados de 2ª a 6ª? Quando se afirma que fulano ou sicrano faz vinte ou vinte e quatro horas semanais, deve-se ter em conta que isso ocorre dentro dos cinco dias úteis da semana e não no sábado e muito menos no domingo.
Isso permite-me concluir que há pessoas no Estado que precisam de reforma compulsiva, pois suas maneiras de pensar mostram-se caducas e, portanto, desfasadas da realidade actual.
Quanto a mim, teria sido uma mais-valia haver um encontro prévio com os camaradas professores para os sensibilizar sobre a conjuntura económica precária que o País atravessa e não decidir unilateralmente como foi o caso. Ao agir assim, V. Ex.ª revelou o seu carácter autocrático e despótico. V. Ex.ª revelou desconhecer o termo “empatia”.
Muitas políticas no nosso País não logram sucessos por não partirem da base.
A forma como a questão das horas – extras dos docentes foi tratada em 2016, deixa transparecer a ideia de que o docente é um indivíduo pouco prestativo e pode, portanto ser “pisado” como o tapete, que nunca se rebela. Mas V. Ex.ª ignora que para estar no lugar em que está saiu das mãos dos docentes. É lastimável.
Gostaria, enfim, de chamar V. Ex.ª à razão, porque pensar que “Quem cala, sempre consente” é errado.
Mais não disse.
(Recebido por email)