O Governo deve reestruturar os títulos de dívida pública e negociar um pacote de ajuda financeira "ao mesmo tempo", considerou hoje o economista-chefe da consultora Eaglestone, reagindo ao novo incumprimento financeiro do país.
Em declarações à Lusa, Tiago Dionísio considerou que "o esforço deve ser coordenado e as duas coisas devem acontecer ao mesmo tempo", já que o país precisa de ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) e também de assegurar as condições para pagar a dívida pública, que este ano deverá chegar aos 130% do PIB, de acordo com as projeções das instituições económicas internacionais.
"Os credores não devem estar na expectativa de receber algum dinheiro no imediato, o que deverá acontecer é que Moçambique chega a acordo com o FMI para um programa de ajuda que implica reformas ambiciosas e, ao mesmo tempo, vai tentar adiar o pagamento da dívida aos credores, o que pressupõe um 'haircut', e elevado", disse Tiago Dionísio, referindo-se à perda de parte do valor investido pelos credores.
A empresa pública moçambicana Proindicus falhou hoje o pagamento de uma prestação de 119,2 milhões de dólares do empréstimo de 622 milhões, fazendo Moçambique cair novamente em incumprimento financeiro, confirmou o porta-voz das Finanças, Rogério Nkono.
No setor do gás natural "continua a haver novidades", diz Tiago Dionísio, salientando que o recente negócio entre a Eni e a Exxon Mobil lançou a possibilidade de o Estado receber um significativo encaixe financeiro em impostos da transação.
"Um dos temas em discussão é que tipo de imposto sobre a transação será pago; não deve ser os 32% estipulados na lei, fala-se em 300 a 500 milhões de dólares, mas há a dúvida sobre se será para os credores", disse o analista, concluindo que "parte devia ser dado como sinal de boa vontade, mas o mais certo é os credores terem mesmo de esperar mais tempo".
O Ministério das Finanças de Moçambique cumpriu o que tinha avisado em janeiro, quando optou por não pagar os quase 60 milhões de dólares relativamente ao pagamento da prestação deste ano dos títulos de dívida soberana no valor de 726,5 milhões de dólares, emitidos em abril do ano passado.
"Não é uma grande surpresa, é a confirmação do que já aconteceu em janeiro", comentou à Lusa o economista-chefe da consultora Eaglestone, antecipando que "não deve haver dados concretos até à divulgação do relatório da Kroll" sobre os empréstimos contraídos de forma secreta nos últimos anos.
O empréstimo à Proindicus foi organizado pela filial londrina do Credit Suisse no total de 622 milhões de dólares, 597,1 milhões dos quais estão ainda por pagar, de acordo com o documento do Ministério das Finanças disponibilizado em novembro do ano passado.
O empréstimo, com maturidade em março de 2021, implica o pagamento de uma prestação de 119,4 milhões de dólares a 21 de março de todos os anos até esse ano, e foi desenhado juridicamente pelos escritórios Clifford Chance LLP e CGA – Couto, Graça e Associados.
O empréstimo da Proindicus, à semelhança do que acontece com o da Mozambique Asset Management, foi contraído em 2013 e 2014 sem entrar nas contas públicas e sem terem sido informados aos doadores internacionais, que no seguimento da descoberta destes empréstimos avalizados pelo Estado, cortaram a ajuda financeira.
Lusa – 21.03.2017