Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Estranha ingerência nos assuntos internos moçambicanos ou concertação estratégica entre aliados?
Insultuosa interferência angolana, MPLA, para ser mais específico, em Moçambique desaba a tese de defesa da soberania e da auto-estima que durante anos alguns “iluminados” defendiam ou propagandeavam.
O que o candidato angolano nas próximas presidenciais pelo MPLA, ministro da Defesa João Lourenço, daquele país disse sobre a existência de “malandros” que querem o poder é inadmissível e insultuoso.
Permitir que um visitante estrangeiro insulte compatriotas é perigoso e demonstrativo de uma mediocridade política gritante. Subserviência e espírito de pedinte colocam em causa todo um legado histórico-político que se supunha inquestionável.
Moçambique não precisa de lições políticas de Angola, pois, como todo o mundo sabe, aquele país, com todo o petróleo e diamantes que possui, ainda deixa morrer as suas crianças à fome e é uma caricatura grotesca de democracia.
Estranho é que da “intelligentsia” habitual, que propala teses dúbias e se outorga grandiosidade e competências técnicas acima da média, quando não de sumidades, ninguém se manifeste e nos diga que a nossa soberania foi agredida de forma vil e inqualificável.
Este assunto de chamar “malandros” aos opositores políticos moçambicanos deve merecer repúdio veemente ao nível da sociedade civil e do Parlamento.
Assim como jamais precisámos que nos ensinassem a “savimbização”, não precisamos que nos ensinem democracia.
Todo o cuidado é pouco quando se trata de fazer declarações públicas vinculativas, como parece ter acontecido com o ministro angolano.
Quem o aplaudiu são moçambicanos que “vendem peixe podre”, declarando-se democratas e comprometidos com a democracia.
Ficou a impressão de que a visita daquele governante angolano foi reforçar laços numa perspectiva pura e simples de manutenção do poder.
Se partidos fazem ou não alianças, isso até é normal, mas o principal é que essas alianças não sejam em prejuízo dos cidadãos dos seus países.
Há uma manifesta convergência ou aproximação se quisermos dizer entre os partidos “libertadores” na África Austral numa altura em que a sua liderança é visivelmente contestada.
Há também um amadurecimento do entendimento político pelos cidadãos, que se tem traduzido em vitórias eleitorais em eleições locais que aumentam a expectativa de uma iminente derrota em eleições nacionais em alguns países como a África do Sul.
Viu-se que, em Harare, sem violência pré- e pós-eleitoral, o quadro político daquele pais vizinho seria outro nestes dias.
Reconhecer o papel histórico dos movimentos de libertação deve terminar exactamente aí, pois, de contrário, corremos o risco de endeusar humanos.
A arrogância persistente em certos quadrantes políticos trouxe insustentabilidade nas abordagens pertinentes.
Hoje, é visível que os libertadores de ontem apropriaram-se dos seus países e fizeram deles sua propriedade privada.
João Lourenço que faça como José Eduardo dos Santos, que raramente nos visitou.
Quanto ao silêncio de nossos intelectuais orgânicos e comentaristas afectos ao regime, isso comprova que agem cobardemente contra a cidadania e dignidade dos seus compatriotas.
Não se pode ver o desfecho eleitoral como um caso de “vida ou de morte”, ao ponto de levar a que certas pessoas se entreguem ao desenho de engenharias eleitorais “vencedoras”.
Moçambique é uma República em construção, que precisa da razoabilidade de todos os seus filhos, sem discriminação de qualquer espécie.
Ataques velados de natureza racista não devem ser acomodados nem ignorados, seja qual for a sua origem.
A inclusão efectiva como filosofia política e governativa deve ser a bandeira que cobre os moçambicanos.
Aquela corrente que amiúde traz perspectivas racistas para a praça pública é a mesma que sempre defendeu a hegemonia déspota dos detentores do poder. Fazem contorcionismo analítico-político para defender algo que não tem beneficiado a maioria dos moçambicanos.
Desdobram-se em exercícios convenientemente mediatizados para antecipar e justificar vitórias eleitorais.
O preocupante é que muito boa gente vai sendo silenciada através de “guloseimas” no que cheira a mercenarismo.
Nunca foi tão importante os moçambicanos estarem atentos a situação e participarem na defesa dos seus direitos políticos e económicos.
Ninguém fará por nós o que a nós cabe fazer. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 24.03.2017