Por Capitão Manuel Bernardo Gondola
Depois de ter apresentado a tematização da problemática ética, formulando a questão da articulação entre a ética e a política, não queria concluir esta questão sem uma breve referência aos chamados «problemas de ética aplicada». A ética aplicada, incide sobre decisões relacionadas com as formas de actuação perante casos concretos. Nele se incluem problemas como o aborto, mães de aluguer, a contracepção, a procriação artificial, o enxerto de órgãos, a eutanásia, etc.
E…, de uma forma geral estes problemas têm em comum o facto de o seu surgimento estar relacionado com o desenvolvimento vertiginoso de novas tecnologias no domínio biológico, genético e médico. Dai que os problemas suscitados neste âmbito, nomeadamente pelas novas tecnologias que permitem a manipulação genética do ser humano recebem a designação de problemas de bioética.
Por outro lado; a reflexão filosófica tradicional sobre a moral e eu me apoio em Immanuel Kant, propõe-se elucidar os fins últimos do homem ou determinar o princípio primeiro a partir do qual avaliar toda acção possível. O ponto essencial é o caso concreto, pois é a seu propósito que é preciso tomar decisões.
De um lado, não há dúvidas que o processo de autonomia da razão resultou naquilo a que chamamos de racionalismo, iluminismo e ideologia, tanto na vertente filosófica como na cultural. E uma das vertentes importantes é ciência, que se desenvolve a partir das instâncias da própria razão.
Mas, a ciências nasceu amputada porque tem na sua génese a ideia de tudo vencer, superar, dominar, inclusive o tempo e o espaço, a doença e, a própria morte. Certamente, este orgulho científico teve o seu apogeu no passado século XIX.
Não há dúvidas, e eu me apoio em Hans Küng (ver, Projecto de Ética Mundial, Seuil, París, 1991, p 33), que a razão é um valor a desenvolver, a incrementar e a
defender. Sem ela não há avanço humano, científico e tecnológico, uma vez que a tecnologia é o braço estendido da própria ciência.
Repare; tudo parece fascinante desde último quartel do século XX: nunca a ciência progrediu tanto e tão rapidamente.
Tomemos como exemplo; uma mulher oferece-se ou para lhe implantarem um embrião de outros pais, permitindo que o bebé se desenvolva no seu útero, para depois o entregar aos pais biológicos; ou, numa segunda opção, para ser inseminada com esperma do marido do casal que pretende um filho, dá-lo à luz e entrega-lo ao pai.
É quase de perder a respiração! Não só…mas também, se é fantástico constatar que um casal, que há décadas atrás não teria filhos, agora os pode ter, não deixa de ser assustador pensar que para isso se recorre, por exemplo, a mulheres que alugam o útero a preços elevadíssimos para ali receberem um bebé que entregarão a seus pais, logo que a criança nasça.
Por outro lado, não é assustador pensar que, hoje, uma criança pode ter três mães?! A mãe biológica (aquela que doou o óvulo), a mãe de aluguer (aquela que a transportou no ventre) e, finalmente aquela mãe que a criará e educará.
Do mesmo modo, que pensar dos embriões congelados, que poderão ficar no gelo até que alguém, cem ou duzentos anos mais tarde, se lembre de os descongelar e traze-los à vida?!
Você vê, se é verdade, que cada caso é um caso e se para cada situação particular surgem sempre argumentos que a justifiquem, é preciso ver mais longe e pensar no que é correcto (ético, fazer ou deixar de fazer).
Por todas essas razões, é preciso pensar nas consequências a longo prazo de todos os “pontos quentes” e fracturantes da bioética.
Algumas questões: Mães de aluguer; é uma questão que toca com poucas os limites da ciência, da religião e, das convicções pessoais. Para lá da questão de saber se é legítimo pedir a outra mulher ainda por cima geralmente a troco de
muitíssimo dinheiro, que gere um filho para o entregar, ou melhor “vender”, muitas vezes têm despontado problemas jurídicos quando a mãe de aluguer se recusa a entregar o seu recém-nascido como estava combinado.
Até agora os tribunais têm entendido que a mãe é quem dá à luz e que todo o tipo de contractos, entre as mães de aluguer e o casal em que se fale de dinheiro, são ilegais.
Mesmo que não fique com o bebé, a mãe de aluguer tem o direito de visitar o bebé?
O bebé ou a criança tem o direito de conhecer aquela que o transportou no ventre durante 9 meses?
Você vê, não é difícil prever os problemas que se irão levantar a muitas destas crianças de barrigas de aluguer.
Manuel Bernardo Gondola