Faleceu na manhã de 24 de março de 2017 no Hospital Provincial de Tete, Senhor Mouzinho Joaquim Cebola um dos pioneiros da clandestinidade na Luta de Libertação Nacional em Tete e Diretor Distrital da Agricultura que introduziu e incentivou o uso da Cegonha (khetche) em Changara e em Tete no geral.
Quem foi Mouzinho Joaquim Cebola?
Mouzinho Joaquim Manuel Cebola nasceu, a 21 de abril de 1938, no povoado de Mirindi nos arredores da famosa missão de São José de Boroma. Nasce numa família modestíssima de agricultores; pobre, filho de pobres, igual a tantas crianças negras da sua época, viu no serviço da igreja católica também uma porta, para se ascender a dignidade, numa sociedade fechada e socialmente estratificada pelo regime colonial português fascista.
Começou os seus estudos em 1951 na escola rudimentar de Tete (onde fica a atual escola primária completa Paulo Samuel Kankhomba), e ai, teve a rara oportunidade de ter sido aluno do senhor Caetano Mendonça, que mais tarde se tornou herói nacional conhecido por Francisco Manyanga. Mas é na missão católica de São José de Boroma onde Mouzinho Joaquim Cebola forjou a sua personalidade e consolidou a sua forma de ser, tendo ai se formado professor em 1958. Em 1959 começou a lecionar tendo sido fundador de uma das escolas anexas da missão de Boroma em Matsatsa na outra margem do rio Zambeze em que atravessava todos os dias fazendo a trajetória Boroma-Matstsa e Matsatsa-Boma de canoa.
Um fluente falante da língua portuguesa e nyugwe (com uma caligrafia invejável e única), Cebola, para além de ser professor e catequista foi facilmente promovido para ser o tradutor do português para o nyungwe em grandes comícios entre as autoridades da igreja (como bispos e superiores das congregações) e a população nativa. Não foi por acaso que em 1963 foi condecorado pelo Dom Sebastião Soares de Resende (primeiro bispo da Beira) como um dos melhores professores das escolas católicas.
Foi como professor, que Cebola, desenvolveu os seus ideais nacionalistas e patriotas. Tornou-se membro e colaborador desde o primeiro momento da Frelimo, mobilizando e enviando jovens na clandestinidade a partir de Boroma para se juntarem aos militantes da luta de libertação nacional na Tanzânia. Juntamente com o seu amigo e confidente, falecido padre Domingos Ferrão e outros, mobilizavam as populações a darem assistência sobre tudo alimentar aos militares da Frelimo nas matas.
No auge da luta de libertação nacional, quando se abriu a chamada frente de Tete entre 1968-69, alguns militares da Frelimo (dentre eles; o General Sebastião Marcos Mabote) entraram na cidade de Tete disfarçados de sacerdotes angolanos para fazer reconhecimento da cidade tendo se hospedado na residência dos padres. Não sabemos se o general Mabote sabia ou não rezar terço, mas nesses dias, se não rezou pelo menos simulou estar a rezar na sua caminhada pelas artérias da cidade de Tete acompanhado de Mouzinho Cebola e padre Domingos Ferrão. Nunca vimos isso escrito em algum livro de historia da luta de libertação........mas apesar de ser um facto real. Mais tarde Mouzinho Cebola desabafou... “eu não parava de lamentar ao padre Ferrão...... e se nos descobrirem....... será o nosso fim! e ele me respondia sempre com segurança fique calmo Cebola não seremos descobertos”. Diante destes factos, não temos quaisquer duvidas que este homem, desempenhou durante a luta de libertação nacional um papel tão importante e perigoso quanto o das frentes de combate! Estamos orgulhosos de si, por ter arriscado a sua vida para a libertação duma nação inteira - a nação da família moçambicana. (Quem conhece a história de Luta de Libertação Nacional, sabe o quão decisiva foi a Frente de Tete). É impossível falar da luta de libertação na clandestinidade em Tete, sem fazer menção a este grande nome.
Em 1970 após ter tirado a sua carta de condução em Vila Pery (hoje Chimoio) deixou a sua brilhante carreira de professor e teve uma breve passagem na Companhia Carbonífera de Moçambique (CCM) nas minas de Moatize como motorista. E foi como motorista que ingressou no Gabinete do Plano Para o Desenvolvimento do Vale do Zambeze (GPZ), no distrito de Changara, mas concretamente em Ntemangau. Sendo funcionário da GPZ, Cebola, beneficiou da formação de Técnico Agrário, carreira que lhe permitiu ser nomeado primeiro diretor distrital de agricultura de Changara, em 1976, cargo que desempenhou com muito zelo e responsabilidade por 14 anos.
Como diretor distrital da agricultura Mouzinho Joaquim Cebola foi quem introduziu a técnica do uso da cegonha (khetche) no regadio dos legumes nas hortas em Changara (o Ministério da Agricultura tem conhecimento disso) e a partir de Changara a técnica foi difundida em quase todos os distritos da província; ele próprio foi convidado a andar de distrito em distrito para ensinar esta técnica. O famoso diretor distrital, descrito no livro Boroma da autoria de Pedro Nacuo como um dos diretores distritais mais temidos, não era um chefe agarrado ao gabinete; conheceu pessoalmente cada povoado do distrito de Changara (do rio Luia em Chioco até ao rio Luenha e de Cuchamano a Boroma), ensinando as populações as técnicas modernas de produção do milho, amendoim, mapira, etc........Ensinando como é que se fazem viveiros como se produzem legumes como o tomate, alho, cebola, couves..... e até hoje apesar de ser um distrito semi árido Changara é conhecido como grande produtor de alho e cebola, graças às técnicas que ele promoveu.
Mouzinho Cebola também era um grande conhecedor da antropologia dos Nyungwe principalmente os advérbios e historias da sabedoria popular. Eis alguns deles : mbuto ya nsulo idhakula na bwerani mudzaone;
kodhi tsiku inigwa nvula wa mwaza mame mbanya mateia okha okha? Moyo wa nkhalamba si unkhapwira!
Neto querido, duma conhecida médica tradicional Avó Fiera (ou simplesmente Mulopa Ukaipa), Cebola, aprendeu com a avó a cura de várias doenças usando plantas (foi um grande conhecedor da botânica).
A nossa eterna gratidão pela educação, pelo carinho e amizade, e por ter nos ensinado a sermos os homens e as mulheres que somos hoje. Vai com Deus e de lá onde estiver nos proteja sempre.....
Uma singela homenagem do seu filho, a que chamava carinhosamente de Primo.....
Por: Tomás Pita Cebola
Belo Horizonte-Brasil, 25 de março de 2017