Centelha por Viriato Caetano Dias([email protected] )
Quando começo a cantar,
eu bem quisera agradar,
mas nem sempre sou capaz;
só quando o coração canta
a minha pobre garganta
faz o que nem sempre faz.
– António Aleixo. In: Este livro que vos deixo…, 3ª edição corrigida. Lisboa: 1975, p. 55
Aqui, nesta gazeta, já investi contra a actuação de muitos artistas musicais. Nem o tempo (primeiro e último juiz universal, total e perfeitamente imparcial e justo), muito menos o factor idade (sinónimo de experiência acumulada) fizeram-me mudar de ideias, e reforço, agora, a crítica: a profissão de músico ou cantor é das poucas que exige, entre vários cardápios de requisitos, o dom. Se não tem dom, não cante, procure uma outra profissão. Aprendi, na estrada da vida, que não é a quantidade de sons que os ouvidos absorvem, não basta ter boca para expelir da “urna carnal” uma letra mal formada, não é ter gasto tempo vendo ou assistindo verdadeiros mestres da música, que as pessoas se tornam bons músicos. O músico nasce com um dom especial que, a natureza prodiga, infelizmente, recusa em desvendar as receitas. As academias de músicas existem, na minha opinião, para despertar, explorar e requintar esses dons, mas não para fazer parir artistas. Os concursos de música são, simplesmente, funis para seleccionar o trigo do joio.
São pranchas para um determinado talento (geralmente escondido) brilhar. Não são “maternidades” de aselhas que pretendem ser músicos. O jurado que ali vemos, na sua maioria, sequer sabe balbuciar uma nota musical, mas pode ter temperados ouvidos para descobrir a melhor das melhores vozes. Infelizmente, algumas pessoas, no nosso país, só se tornaram músicos pela sensualidade do corpo, pela extravagância do vestuário, pelo excesso do egocentrismo, pela vaidade exacerbada, pelo insulto gratuito, pelas letras que exaltam o lambebotismo, pela forma grosseira como cantam em contramão dos valores morais e éticos, enfim, pela insensatez de alguns patrocinadores que apostam sistematicamente nessas e nesses pulhas. Algumas televisões não ficam atrás nas responsabilidades, com os nossos impostos, promovem à mediocridade. À essa carrada de aberrações chamam, eles que se julgam entendidos na matéria musical, de entretenimento. Na verdade, confundem música com ruído. O dedo acusador vai, sem qualquer ressentimento, para a indústria dessa pulhice. Deus salve-me desta louca! No meio de tudo isso há oásis de talento. Hoje, cansando de adiar esta dívida, quero homenagear o músico Mr. Bow pelas lucubrações das suas músicas. A música, como escrevi noutras ocasiões, é uma terapia. Como bálsamo, ela deve curar a dor carnal e espiritual. O músico é o mensageiro de Deus para avivar os corações empedernidos. A música também é um perfume que serve para irradiar a alegria, a paz e a concórdia entre os Homens. A música, quando é bem trabalhada, acicata o desenvolvimento do país. Há exemplos de países, como Cabo Verde, que vivem disso. Vivem da cultura. É difícil escutar uma única música de Mr. Bow sem aprender algo de valioso. Por isso, a música também é didáctica. É por estas e outras razões que Mr. Bow tem sabido, na sua singular humildade, corresponder às expectativas dos povos. Junta o talento (dom) se a arte (matéria-prima) para produzir riqueza. Os resultados, quando se verificam o matrimónio entre estes dois valores, não podem ser diferentes do sucesso. Parabéns. É a quarta vez no espaço de um ano que revisito algumas províncias do sul e centro do país e deparo-me sempre, ou quase sempre, com uma realidade comum. Os efeitos das músicas de Mr. Bow. Não sei que fenómeno é esse, talvez o meu amigo sociólogo José Luís Muchanga o explicasse, a verdade é que toda a gente quer ouvir, cantar e dançar suas músicas. Mesmo os velhotes que, normalmente, aparentam alguns problemas de reumatismo, não ficam indiferentes. As crianças vibram, os adultos também. Conhece-se, em alguns locais, melhor as músicas de Mr. Bow que o Hino Nacional. Assisti, nessas regiões onde pouca gente fala em língua changana, uma multidão de pessoas a cantar
Nitafa Nawena (vou morrer contigo ou por ti, ou ainda, vamos morrer juntos, tradução livre da Amélia). Festa frequentara em que a população quase boicotou, eufórica, se o “dj” não colocasse as músicas de Mr. Bow. Também vi casais a brigarem porque algumas
mamanas, nas pistas de dança, derramaram lágrimas pelas delícias musicais de Mr. Bow. Dizia eu, atrás, que não sou sociólogo para decifrar esse fenómeno, mas tenho cá comigo uma suspeita. A humildade do artista: o preço da fama não lhe fez perder a cabeça e o seu cantar, diferentemente de muitos artistas, estão virados para o povo. Os prémios, que já não devem caber em suas prateleiras, fazem jus à fama.
Vivemos numa sociedade viciada pela ociosidade. Os que gostam de apedrejar e assassinar a honra alheia multiplicam-se, fazendo com que as pessoas perdessem suas liberdades fundamentais. Quem brilha, neste mundo selvático, é sujeito a crueldade dos parasitas. Mr. Bow atingiu o pico da fama, sem precisar de ancorar-se à riqueza fácil (habitada no mundo da política e do crime organizado), mas sim pelo trabalho duro e muitas vezes injusto. Tornou-se uma referência musical, sim, mas não deixou de ser humano. Infelizmente o hábito de associar a vida artística da privada ainda prevalece, razão pela qual lançaram buldózeres contra o seu casamento. Um bom artista, como Mr. Bow, responde aos seus detractores com trabalho. O seu novo sucesso intitulado “Meu Assunto” é disso o exemplo. Lembro-me das palavras muito sábias do meu amigo Padre Manuel dos Santos Martins que “Mphanvu za nyakholo ziri m´madzi”, isto é, “A força do crocodilo está na água (Uma pessoa é forte no seu grupo).
De facto, a força de Mr. Bow está na música. Ele continuará forte e valente, se continuar a trabalhar humildemente ao serviço do povo. Assim seja, ámen.
Zicomo e um abraço nhúngue ao Kaliza e ao Amadeu.
WAMPHULA FAX – 24.04.2017