Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected])
As pessoas só lutam na vida até atingirem o nível da sua incompetência, isto é, até atingirem os objectivos que se propuseram, aquele nível acima do qual já não vale a pena mais esforços. Extraído da obra do Pe. Manuel Maria Madureira da Silva, in Prioridades 1, 2014, p. 75.
Airosos tempos em que o Chingale representava condignamente, com vitórias e raça canarinha, a província de Tete no escalão máximo do futebol nacional – actualmente designado por Moçambola. Era um adversário temido e destemido. O campo Desportivo de Tete, onde o Chingale normalmente recebia (julgo que ainda recebe) os seus adversários, era tido como “cemitério” das equipes adversárias. Muitos treinadores de gabarito nacional e internacional eram chicoteados dos seus clubes porque não conseguiam obter resultados satisfatórios e perdiam pontos imprescindíveis diante do Chingale. Praticava o futebol com classe a ponto de muitos clubes da capital, no fim de cada temporada, pagavam quantias elevadas para adquirir o passe dos jogadores do Chingale. Era, em todos os sentidos, uma verdadeira escola de futebol. Só não atingiu outros patamares (mais elevados) porque, no nosso país, é cultura os dirigentes desportivos acompanham os políticos na falta de uma visão estratégica para os seus clubes.
É verdade que o Chingale foi o que foi (o glorioso) nos anos 80 e 90, a par da entrega dos jogadores, o apoio da massa associativa e dos adeptos do clube, graças, mormente, ao esforço abnegado do seu presidente o engenheiro Garrido Jeremias (é provavelmente o “pai” do Chingale). Nunca, antes, tinha visto um dirigente desportivo que amara tanto o desporto como ele. Não era candongueiro, ele encarava o futebol como uma arte. Como sabeis, a arte é a medida do valor de um povo. Nisso, o Chingale sabia ser grande e glorioso do tamanho do povo nhúngue (hão-de acusar-me de falta de humildade, mas também mereço alguma vaidade). Tinha consciência de que o Chingale representava, mais do que uma presença na prova máxima do futebol nacional, a paixão do povo nhúngue. Garrido sofria quando a equipe perdesse um jogo, independentemente da grandeza do adversário, manifestando-se, tradicionalmente, com pedidos de desculpas em público e ao público. Fazia-o não com lágrimas de crocodilos e sem qualquer espírito de pequenez ou atitude de grandeza. Tinha um espírito de vitória e uma acentuada rectidão de carácter combinado a uma grande honestidade de alma, predicados que faziam dele o ÚNICO. Talvez seja por isso que, em trabalho, Garrido nunca permitira erros de palmatória. Era o maior entre os maiores dirigentes desportivos. Não contratava um jogador que não comungasse a hóstia canarinha. Nem permitia que o Chingale fosse treinado por gente sem cultura e mística do clube. A direcção máxima da EDM, à época, entendera que Garrido Jeremias tinha de deixar a liderança da EDM em Tete. Esta decisão pode ter sido benéfica para a EDM, no âmbito da rotação e refrescamento de quadros (aprendi, durante a minha peregrinação na escola da vida que, quando um dirigente fica mais de dez anos no mesmo posto, o lixo que é tóxico passa a ser seu parceiro, ou seja, familiariza-se com o mal e torna-se incapaz de distinguir o bem do mal), mas deferiu um duro golpe ao Chingale. Isto explica que o nosso Chingale nunca mais tenha sido o mesmo. O clube passou de bestial à besta. Tal como escrevi na época, nem sempre uma equipe faz justiça aos valores que a definem. O Chingale deixou de ser o que era (imponente) e passou a ser uma coisa qualquer, sem valor e nem dignidade. Outros notáveis espíritos de grandeza se preocuparam com o Chingale. Lembro-me, entre os treinadores, a mestria de Alexandre de Sousa, a perseverança de Zé Maria e a perícia do alemão Martin Skaba. Este último, à semelhança de Martinho de Almeida, tinha um lema que os jogadores encaravam com bastante seriedade: trabalhar, trabalhar e trabalhar sempre.
Conheci alguns jogadores que praticavam o melhor futebol da época, ao serviço do Chingale, como são os casos de Sande (defesa que tinha uma resistência extraordinária), Ferreirinha (com o seu pé esquerdo, ninguém o consegui travar), Zito Pires (defesa sem rival, temido pelos adversários), Dindo (meu “colega” no corredor da morte, no Hospital Central de Tete, ambos, salvos pela equipe médica composto por moçambicanos e cubanos), Sengo (guarda-redes implacável), Juventino (“calculista”, sabia onde colocar a bola, isto é, não jogava por jogar), Marrengula (pequeno de altura, grande de talento), Vitinho (acrobata, o maravilhoso), Mavó (o majestoso), Paciência (fazia jus ao nome, em campo), Duda, Marito (meu colega da sexta classe), Jotamo, Cantífula, Bacar, Kivan, Arlindo, Apolo, Mafandonga (quanta saudades, meu Deus), Nicolas, Caló, Armandinho, Juca, Jorge, Ezequiel, etc. Estes e outros que, pela erosão do tempo, a memória não se lembrou. Estes não jogavam pelo dinheiro, eram guiados pela paixão. A todos eles, o meu profundo reconhecimento e gratidão.
E hoje, o que temos? Temos um Chingale frouxo, sem eira nem beira. Uma equipe que não assusta. Não tem garra nenhuma. Dirigentes sem pensamento estratégico, incapazes de fazer a diferença. Jogadores que não passam da mediocridade. Condições de vida deplorável (Garrido inteirava-se, sem promiscuidade, das condições sociais dois jogadores). Património do clube delapidado, enfim, um clube que é distribuidor de pontos. Apanhar cólera é sinonimo de desrespeito às regras fundamentais de higiene. Isto é, de facto, o grande problema verificado na residência dos jogadores. Note-se que, por ordens de Garrido, a residência fora propositadamente colocada ao lado da casa do director da EDM-Tete. Ele, Garrido, tinha o hábito de controlar os apetites dos jogadores e sabia fazê-lo sem excessos. Como adepto do Chingale, assistia a tentativa de comportamentos reprováveis por parte dos jogadores que eram prontamente reprimidos por Garrido. Hoje parece não haver alguém com autoridade moral capaz de refrear os ânimos. A EDM assiste, financeiramente, o clube, mas deixou de assistir, profissionalmente, os jogadores. Esta é a grande diferença entre a EDM de hoje e de ontem. Termino a presente crónica com mais um pensamento do meu querido amigo Pe. Manuel Maria Madureira da Silva “O tempo vivido não se repete. Tudo o que constitui o nosso passado está impresso na sua figura definitiva. Já não é possível mudar a nossa história nem dar uns retoques no que fizemos e muito menos no modo e intenção com que o fizemos.”
Zicomo e um abraço nhúngue ao Mitongas.
WAMPHULA FAX – 02.05.2017