Feitas as contas do que entra e sai do continente, um relatório revela que o África apresenta uma riqueza bastante diversificada, mas que é o resto do mundo quem mais beneficia
Francisco Perez
África subsidia o resto do mundo em 36 mil milhões de euros por ano, segundo o relatório “The Honest Accounts 2017”. O documento concluiu que este valor resulta do diferencial de dinheiro que entra e sai do continente.
Segundo o relatório, realizado pela Global Justice Now, a Health Poverty Action e outros grupos, África recebe cerca de 143 mil milhões de euros sob a forma de empréstimos, remessas de emigrantes e assistência financeira. Do outro lado, aproximadamente 181 mil milhões de euros deixam o continente. Estas transferências resultam de reembolso de dívida por parte dos governos e do setor privado, dos lucros das multinacionais, da “fuga de cérebros”, de atividades ilegais como a exploração madeireira ilegal, a pesca e a caça furtiva, e dos custos associados às alterações climáticas. Parte deste montante, 60 mil milhões, é usada na fuga aos impostos.
Para Nick Dearden, diretor da Global Justice Now, citado pela Al Jazeera, as multinacionais usam estes fluxos ilícitos, cujos valores rondam os 6,1% do Produto Interno Bruto de todo o continente, ou “três vezes o que África recebe em assistência financeira”.
O relatório refere que “África é rica em potencial mineiro, trabalhadores qualificados, a criar novos negócios e em biodiversidade”, mas que “grande parte da população dos 47 países continua presa na pobreza, enquanto grande parte da riqueza do continente é extraída por aqueles que estão fora dele”.
Os países que compõem a África subsariana receberam um total de 17,6 mil milhões de euros em assistência financeira, mas pagaram mais de 16 em reembolso de dívida.
Relativamente às remessas de emigrantes, os africanos enviaram aproximadamente 28,6 mil milhões e as multinacionais recebem quase 30 de lucro e o dobro em “fluxos ilegais”.
Perto de 25 mil milhões são “roubados” por frotas piratas como resultado de exploração madeireira ilegal e no comércio de animais e plantas em vias de extinção.
“Há uma poderosa narrativa pelo Ocidente de que África é pobre e necessita da nossa ajuda. Esta pesquisa demonstra que o que eles realmente precisam é que o resto do mundo pare sistematicamente de os roubar”, afirma Aisha Dodwell, investigadora na Global Justice Now.
A questão é corroborada por Marton Drewry, diretor da Health Poverty Action, que considera fulcral “concentrar os esforços em evitar as políticas e práticas que causam o problema”.
“Precisamos impedir que os paraísos fiscais beneficiem do roubo de milhares de milhões, de reprimir estas atividades ilícitas e indemnizar os países africanos pelo impacto das mudanças climáticas que não provocaram”.
Ao The Telegraph, John Weeks, professor de Assuntos Africanos na Universidade de Londres, referiu que este problema resulta de “falta de regulação dos mercados estrangeiros e de uma supervisão fraca por parte do banco central”.
“Devido à falta de regulamentação, as pessoas e as corporações podem converter a moeda doméstica em estrangeira e enviá-la para fora, normalmente para contas na Europa Ocidental ou na América do Norte. Ao combinar o legal com o ilegal, as corporações - envolvidas na extração de recursos - deturpam a sua produção e os seus lucros, quando fazem as suas declarações de rendimentos”.
Para o investigador, a saída de moeda estrangeira reduz a capacidade de adquirir produtos importados, debilitando o crescimento e o emprego no continente.
“A principal causa não é criminal nem deriva de corrupção política. Parte, sim, de um espetro ideológico enraizado que bloqueia medidas eficazes de políticas públicas”, conclui.