Em entrevista à DW, investigadora considera que relatório da Kroll esclareceu questões importantes, mas a "essência do problema continua". Isto pode dificultar retomada de ajuda financeira internacional.
Auditar todo o processo das dívidas ocultas em Moçambique era a maior exigência do Fundo Monetário Internacional (FMI). Esta instituição cortou até a ajuda ao país depois da descoberta das chamadas dívidas ocultas. Também outros parceiros de ajuda internacional fecharam os cordões a bolsa.
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DW-Dívidas ocultas- Moçambique ainda tem que resolver vários aspetos
No fim de semana a consultora norte-americana Kroll divulgou o relatório da auditoria às dívidas. Mas será que a realização e divulgação da auditoria são o suficiente para que estes parceiros recomecem o tão necessitado apoio financeiro?
Na opinião da pesquisadora do Instituto de Estudos Sociais e Económicos de Moçambique (IESE), Fernanda Massarongo, não será tão simples assim. "Há vários aspetos que Moçambique tem que resolver para reconquistar a confiança dos investidores", avalia a especialista.
Para Massarongo, a auditoria da Kroll esclareceu algumas questões importantes, "mas a essência do problema ainda continua lá".
Confira a íntegra da entrevista:
DW África: A divulgação do relatório da Kroll é suficiente para que os países voltem abrir os cordões à bolsa?
Fernanda Massarongo (FM): Eu acho que era preciso olhar para quais foram as questões principais apontadas pelos doadores e parceiros aquando da interrupção da ajuda e apoio direto a Moçambique. Uma das questões fundamentais é a quebra da lei, portanto, a violação da Constituição e da Lei Orçamental, que são as leis fundamentais para o funcionamento de qualquer democracia; o fato de as dívidas terem sido feitas à revelia do Parlamento, e à revelia dos próprios doadores, isso influenciou obviamente na [interrupção da] ajuda. E, para o caso do FMI, também foi apontada a questão de que Moçambique está numa situação de instabilidade, e que só seria retomada a relação com o país assim que a dívida passasse a um nível de sustentabilidade, que dependeria da negociação com os principais detentores de títulos de dívida internacional de Moçambique. Agora, a questão: será que o relatório responde a estas questões? Será que o relatório já resolve estas questões? Eu penso que ainda não. Há esclarecimentos que foram feitos, mas a essência do problema ainda continua lá. Há muito trabalho que ainda tem que ser feito.
DW África: Então quer dizer que a responsabilização dos autores desta dívida é fundamental para que seja feita a reposição desta ajuda financeira a Moçambique?
FM: Em parte. Obviamente há instituições, como o FMI, que já deixaram claro que para eles a responsabilização não é um problema fundamental. O mais importante é saber para onde os fundos foram direcionados. Mas, mesmo em termos desta questão da utilização dos fundos, da aplicação dos próprios fundos, ainda não está muito claro de nenhum dos lados, nem no relatório. O próprio relatório diz que há 500 milhões de dólares que não se sabe onde é que está. Ainda não há informação. Há o fornecedor do equipamento bélico que declina ter fornecido o material ao Governo, ao mesmo tempo há a EMATUM a dizer que comprou material bélico com uma parte do dinheiro. Então não há esclarecimento ainda.
DW África: O FMI também manifestou satisfação após a divulgação deste relatório da Kroll. Isto pode ser entendido como o começo do fim da tensão entre esta instituição e Moçambique?
FM: Eu acho que esta fase facilita manifestar a satisfação com o fato de o relatório ter sido feito e apresentado pela auditoria. Ainda há uma discussão do conteúdo do relatório que vai ser feito pela missão que vai visitar Moçambique nos próximos dias. Eu penso que aí vai ser exposto se realmente o FMI está contente ou não com a situação dos relatórios, porque se olharmos para a essência do relatório, há vários aspetos que ainda não são claros: há aspetos de gestão das empresas; há aspetos da utilização dos fundos, que eu estava a dizer antes, que ainda não estão claros. Então estas questões, para se retomar certa confiança, têm que estar claras.
DW África: A realização desta auditoria e uma eventual responsabilização dos autores podem ajudar a conquistar a confiança junto dos investidores estrangeiros?
FM: Eu penso que é um primeiro passo, acima de tudo. Mas não é definitivo. Há vários aspetos que Moçambique tem que resolver para reconquistar a confiança dos investidores. Por exemplo, um aspecto fundamental, é que Moçambique não está a conseguir pagar uma parte de suas dívidas. Há dívida com o Brasil, que foi noticiada há dias, que o país não está a conseguir pagar. Todas estas questões põem os doadores com certas dúvidas se ainda vale à pena, realmente, a investir com o país. Moçambique tem que demonstrar que há é assiduidade no funcionamento das próprias instituições, que há um uso prudente da coisa pública, e que é um país sustentável. Neste momento ainda não estamos no nível de sustentabilidade. Fala-se que a crise já acabou, mas só se pode dizer isso quando o próprio país está a conseguir fazer face aos seus compromissos e dívidas.
DW – 27.06.2017