Por Nini Satar
Como foram roubados os dois biliões de dólares?
Está-se numa grande e autêntica encruzilhada. O facto é que dos suspeitos no rombo, duvido, e muito, que a Procuradoria-Geral da República (PGR) vá deter alguém preventivamente. Nem que seja para “inglês ver”.
Ora, ao que se pode apurar, esmiuçando o relatório da Kroll, é que os ladrões foram muito inteligentes. O recurso ao método de sobrefacturação foi um golpe magistral, utilizado por quem na realidade tinha interesse em burlar o Estado moçambicano. Ou seja, a contratação daquelas dívidas, no valor de dois mil milhões de dólares, não tinha em vista beneficiar o país, mas, sim, alimentar a gula de determinados indivíduos, sob batuta de Armando Guebuza.
Definitivamente, o país errou grosseiramente quando quis que Armando Guebuza fosse Presidente de Moçambique. Já se sabia, de antemão, da sua apetência pelo dinheiro. Gosta de acumular. De viver como um burguês. Samora Machel não foi louco ao afastar Guebuza do centro do poder…
A táctica de sobrefacturação sugere que mesmo que a PGR queira andar atrás do rasto do dinheiro, jamais o encontrará. Armando Guebuza e os seus apaniguados não receberam abertamente aquele valor. Ou seja, não há como provar que o dinheiro lhes foi entregue. O que se tem, como elemento de prova de que realmente houve burla, é o factor sobrefacturação.
Por exemplo, a Kroll, devido a dificuldades encontradas no terreno da investigação, teve que recorrer a uma cotação independente dos bens e produtos que o grupo de Armando Guebuza dizia ter adquirido com os dois mil milhões de dólares.
Nesse aspecto, sobressai que, por exemplo, um barco de pesca que as facturas disponibilizadas indicam que foi comprado por 22 milhões de dólares, custa na verdade 2 milhões de dólares. O helicóptero “Remo GX” que se diz custar 7,9 milhões de dólares, custa na verdade 735. 000 dólares. Assim foi sendo até que em sobrefacturação as contas chegaram a mais de 700 milhões de dólares, dinheiro esse que alimenta hoje os conhecidos gatunos e as suas famílias cúmplices.
Armando Guebuza e os seus apaniguados, ao colocarem as empresas do libanês Iskandar Safa, no centro da negociata, já, por si, revelava um crime premeditado. Isto não aconteceu por acaso. Foi desenhado ao pormenor. Iskandar Safa foi quem recebeu todo o dinheiro através das suas empresas, na qualidade de fornecedor. Ou seja, os dinheiros da sobrefacturação eram recebidos por Iskandar Safa, passava comprovativos, e depois pegava no mesmo dinheiro e distribuía com o grupo de Armando Guebuza. Usava uma táctica audaz, o dinheiro entrava indirectamente nas contas das empresas Ematum, ProIndicus e MAM, onde posteriormente era retirado para outros lugares (talvez bancos).
Não há como lhe seguir o rasto. Ou seja, a PGR não tem capacidade de seguir o caminho que esse dinheiro percorreu. É quase que impossível provar que Armando Guebuza e os seus apaniguados comeram o dinheiro. Não foram eles que o receberam. Foram as empresas do libanês, descritas como fornecedoras. E foram essas mesmas empresas que passaram os comprovativos. Foi, de resto, uma jogada de mestre!
E mais: existem os 500 milhões não auditados. Este dinheiro voou sem deixar rasto. Foi inscrito no Orçamento como componente da Defesa e Segurança. Mas não existe armamento nenhum comprado por esse dinheiro. Ou seja, não há nada que comprove que esse dinheiro comprou efectivamente o armamento. Simplesmente o dinheiro esfumou-se.
Há ou não crime no meio disto tudo? Há! A contratação das dívidas não foi do aval da Assembleia da República. Fintou-se o Parlamento porque a burla já havia sido desenhada. Tanto assim é, que olhando para a própria estrutura das empresas MAM, ProIndicus e Ematum, não têm estrutura nenhuma de amanhã gerarem lucros. Estas empresas só foram criadas para facilitarem a burla. Foram um instrumento usado para a burla.
É aqui que efectivamente, a PGR deve mostrar a sua musculatura, se é que tem alguma! Na Constituição da República, a nossa lei-mãe, diz-se que a PGR é o garante da legalidade. A PGR é que defende o Estado junto dos tribunais. Em nenhum parágrafo da Constituição da República diz-se que a PGR é serviçal do Governo do dia. Mas é o que acontece neste pobre país. Aliás, isto é que levanta sérias dúvidas sobre a verdadeira actuação da PGR até neste processo de dívidas ocultas.
Se alguns estão recordados, há sensivelmente três meses, eu, Nini Satar, postei uma matéria neste meu mural sobre a quebra do sigilo bancário de Armando Guebuza, o seu filho e os apaniguados de sempre. Efectivamente o que os bancos moçambicanos, nomeadamente BCI, BIM, Moza Banco, Standard Bank e outros facultaram não tem nada de interessante. Ou seja, nenhum dos que roubaram o país iria depositar o mesmo dinheiro em bancos moçambicanos.
Os extractos das contas destes senhores foram entregues a Kroll. Não ofereciam dados pertinentes. E sabem porquê foram entregues à Kroll? Porque a PGR, que serve à nomenklatura política, queria provar que o dinheiro das dívidas ocultas não está nas contas de Armando Guebuza e seus amigos. E logo existe um meio caminho andado para a PGR deduzir um despacho de abstenção. Meus irmãos: esses senhores gatunos não vão ser acusados de nada.
Não vão ser presos preventivamente. Isto iria acontecer se fosse o João, o Zé…o pé descalço de sempre!
Quem acha que um dia há-de ver Armando Guebuza e seus amigos atrás das grades, pode esperar sentado numa cadeira de descanso numa boa sombra, com uma chávena de chá verde e sandes de queijo. A PGR já preparou tudo para inocentar estes senhores.
PS: Sei que alguns dos meus amigos, ou fãs, ou seguidores, podem não entender o que quer dizer sobrefacturação. É simples. Trata-se do aumento de forma fraudulenta do preço de um bem ou serviço. Isto é, a prestação de um serviço ou a entrega de produtos é realizada e uma factura com um valor deliberadamente inflacionado é liquidada pelo cliente, em cumplicidade com o fornecedor. O pagamento em excesso é devolvido ao cliente sob a forma de dinheiro líquido ou outros benefícios. É isto que o grupo de Armando Guebuza fez.
Por outro lado, a PGR, se na realidade quer deixar de varrer o quintal dos políticos, deve prender, e já, todos os suspeitos nesta burla. Não precisa de investigar nada. A Kroll já fez esse trabalho. Os indícios são suficientes para mandar prender essa gentalha toda. Aliás, se fosse o Zé-povinho, a PGR já devia o ter mandado prender, alegadamente para não perturbar as investigações. Neste processo a PGR, volto a dizer, não precisa de investigar nada. É só prender. Aliás, a esta altura esses senhores já deviam estar a ver o sol aos quadradinhos.
Até à próxima
Nini Satar
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