Fiquei comovido pela explanação da conceituada escritora moçambicana, Paulina Chiziane, no programa “Compasso” da Rádio Moçambique, transmitido na passada quarta-feira, 26/07/2017, por ocasião do lançamento da sua décima terceira obra literária que leva o título “O canto dos escravos”.
Nesse programa, a sua alocução cingiu-se, principalmente, em lamentações pela forma como a actual juventude, aquela a que considerou de “nova geração”, tem levado a vida. Uma vida que, segundo ela, é marcada maioritariamente por bebidas alcoólicas, prostituição, droga, entre outros males distantes do ideal daqueles que deram a sua própria juventude à causa libertadora.
Por causa disso mesmo, a escritora questiona: “o que essa nova geração seria capaz de fazer pelo país?”. Recorda, igualmente, que ela e demais compatriotas, que inclusive tombaram, se viram na obrigação de hipotecar a sua juventude lutando para que hoje vivêssemos independentes, sendo donos dos nossos próprios destinos.
“É para isso que queríamos a liberdade? Para os jovens ocuparem-se somente em vícios, na criminalidade e na prostituição?” – Esta é a reprodução mais aproximada da lamentação da escritora, que ao longo desta missiva, passarei a trata-la de mamã Chiziane.
Mamã Chiziane, tenha a certeza de que a sua preocupação chegou aos nossos ouvidos, aos ouvidos da nova geração. Um dos membros dessa geração é este que tomou a ousadia de redigir-lhe este telegrama.
Começo por dizer que, apesar de o grosso número de nós, a nova geração, andar sem quaisquer planos para o futuro, saiba que ainda existem jovens vigorosos e comprometidos com um amanhã melhor do que o ontem e o hoje. Talvez por estarem submersos nessa multidão da mocidade descomprometida com o futuro do país, tais jovens permaneçam ainda no anonimato. Jovens que, para além de armas, como fizera a sua geração, decidiram abraçar a ciência, a arte e o trabalho para completar a missão por vos iniciada, a de conquistar um bem-estar social completo para o povo moçambicano. É uma questão de tempo, chegaremos até la!
Mesmo na resistência à dominação colonial, foram precisos mais de quinhentos anos para alcançar o desiderato. E mais, nem todos ficaram sensibilizados com a causa nacional, havendo até aqueles que traiam os seus povos, vendendo-os a troco de cigarrilhas, pelo que, não é de admirar que existam, na actualidade, precursores desse espírito egoísta.
Mas é bem verdade que, se por um lado, temos uma juventude cuja vida se resume nos vícios, por outro, é necessário que se reconheça a existência daquela de que a pátria se poderá orgulhar de os ter parido. A juventude a que me refiro, e julgo-me fazer parte, tem demonstrado o itinerário por que o país deve caminhar através de inúmeras manifestações. E não faltam bons exemplos para elucidar o que escrevo: É uma questão de olhar à sua volta perceberá que, os serviços básicos de que precisa no seu dia-a-dia são providos por essa mesma juventude.
Uma juventude que mais precisa de acompanhamento e de bons exemplos dos mais velhos do que de qualquer outra coisa. Exemplos de responsabilidade que venham de cima, dos dirigentes de topo, sobretudo. Dirigentes que tenham no seu íntimo a palavra povo, em primeiro lugar, e que lutem efectivamente por e para esse mesmo povo. Fazendo isso, estarão a incutir a nós, a nova geração, o sentido de responsabilidade pela pátria. Caso contrário, que se não reclame da nossa improdutividade no futuro.
E por falar em acompanhamento e de bons exemplos, recordei-me da sua resposta quando foi questionada sobre o que seria de si se tivesse a oportunidade de renascer. Sem subterfúgios, a mamã disse que “lutaria de novo por este país”. Uma resposta que me encheu de orgulho por saber que ainda estará connosco para ensinar-nos como consentir sacrifícios para, tal como empurrou a sua geração o colonialismo para os compêndios da história, nós conseguirmos trazer finalmente o bem- estar ao nosso povo.
Entretanto, fiquei claudicado quando no final da sua fala, afirmou categoricamente que a obra ora lançada era a última, e que o seu propósito agora é “deixar que os mais novos façam também a sua parte”, naquilo que para mim significou uma declaração de aposentadoria. Uma declaração, que aliás, contrasta com aquilo que dissera anteriormente (se tivesse que nascer outra vez, lutaria de novo por este país). Como pode se aposentar se ainda o caminho a trilhar é longo e os objectivos ainda não foram alcançados na sua plenitude?
Tal como disse, a nossa geração precisa do cortejo e ensinamento dos mais experientes para alcançar o desígnio que almejamos, da mesma forma que a sua geração inspirou-se nos grandes reinos e impérios antigos, na resistência contra a humilhação estrangeira. Fique connosco mamã Chiziane. Não se aposente tão cedo! Eu, em particular preciso do seu amparo, dos seus ensinamentos através dos seus romances.
A minha vontade era que pudesse entregar-lhe pessoalmente esta correspondência. Mas, por estar ocupado na procura de um amanhã melhor para mim, minha família e para o meu país, não o poderei fazer. Encarrego às tecnologias de informação e comunicação ao meu dispor para fazer chegar às mãos da mamã! Espero que tenha paciência de ler o meu rabisco!
Delfim Anacleto Uatanle, Chimoio, 27/07/2017