- a posição é dos doadores numa carta confidencial a que o SAVANA teve acesso
Países doadores do Orçamento do Estado (OE) de Moçambique consideram haver indícios de fraude e corrupção em toda a operação à volta das chamadas dívidas escondidas e exigem que o Governo demonstre o seu compromisso em responsabilizar os autores do que consideram “má conduta”.
A posição dos doadores está expressa numa carta confidencial a que o SAVANA teve acesso, na sequência da publicação, no dia 24 de Junho, do sumário executivo do relatório da firma internacional Kroll às chamadas dívidas ocultas.
“A estrutura do projecto [financiado pelas dívidas escondidas ], as partes envolvidas e o potencial de conflitos de interesses são possíveis indicações ou ingredientes de corrupção e fraude”, refere a carta.
Nessa perspectiva, os doadores (GBS na sigla em inglês) defendem que o Governo moçambicano deve ser encorajado a dar uma resposta credível às conclusões do relatório da Kroll, como um passo em frente no compromisso de levar a sério o documento.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), prossegue a carta dos doadores, exige que o Governo moçambicano assuma um compromisso concreto no sentido de preencher as lacunas de informação mencionadas no relatório e dar seguimento às conclusões do mesmo.
Os doadores internacionais enfatizam que a resposta deve incluir as implicações em termos de reformas e de responsabilização.
Ajuda só com o sim do FMI
Na referida carta, os doadores deixam claro que a retomada da sua ajuda ao OE está condicionada a um diálogo construtivo entre Maputo e o FMI.
Em relação à dívida, os doadores consideram ser difícil explicar e justificar o pagamento de dívidas cuja maior parcela não foi auditada ou clarificada.
Por outro lado, o Governo moçambicano, prossegue a carta, deve enveredar por uma abordagem decisiva em relação ao futuro das três empresas que beneficiaram dos empréstimos escondidos, tendo em conta que continuam a incorrer em prejuízos.
“Numa resposta específica à auditoria, os parceiros internacionais devem apelar ao Governo moçambicano para tomar acções concretas nas áreas da transparência, governação e prestação de contas, em linha com a posição do FMI”, lê-se no texto.
Os doadores defendem a publicação de todo o relatório e informação adicional para o suprimento das lacunas mencionadas pela firma de auditoria, e que a Assembleia da República dê continuidade ao inquérito às dívidas escondidas.
Ademais, insistem que as autoridades moçambicanas devem levar a cabo reformas adequadas ao tratamento dos riscos fiscais críticos exacerbados pelo escândalo das dívidas.
Esta intervenção terá de incluir a melhoria da estrutura de gestão das empresas estatais e participadas, e restruturação de empresas públicas em situação problemática.
Os doadores defendem, por isso, que o Governo moçambicano deve avançar no sentido de reformas estruturais.
Os doadores entendem que a divulgação do sumário executivo do relatório da Kroll é um primeiro passo para a transparência num contexto claramente complexo e politicamente sensível.
“Esta é a primeira vez em que um resultado de uma investigação deste tipo é publicada e é um importante desafio para o Governo e para o sistema de justiça”, enfatizam.
Os doadores recordam que a Kroll não teve uma cooperação plena por parte de todas as instituições, nacionais e internacionais envolvidas, e que a falta de informação está claramente documentada no sumário.
Apesar de ter sido negada informação essencial, continua a carta dos doadores, o sumário sugere a ocorrência de má conduta por parte de entidades moçambicanas e internacionais envolvidas no escândalo das dívidas ocultas.
Apesar de considerarem que o sumário sugere alguma cumplicidade por parte dos bancos envolvidos, nomeadamente, o Credit Suisse e a VTB Capital, o documento dos doadores afirma que “o relatório não oferece comentários sobre uma possível violação de normas financeiras internacionais”, muito embora observem que “existem questões de prestação de contas que ultrapassam as fronteiras de Moçambique”.
Os doadores também apontam o dedo acusador à Procuradoria-Geral da República, observando que cometeu erros nos seus procedimentos legais em torno do caso.
A carta assinala que a auditoria detectou situações de potencial sobrefacturação em cerca de 55% dos bens e serviços prestados à Ematum e PROINDICUS.
Em relação à MAM, a Kroll não conseguiu avaliar a existência de uma potencial sobrefacturação.
Contudo, notam que, usando dados do FMI, uma extrapolação permite apurar que o valor da sobrefacturação pode chegar a 1.2 biliões de dólares.
“Esta sobrefacturação pode se sobrepor aos 500 milhões de dólares não auditados do empréstimo da EMATUM”, lê-se no documento.
Na sua carta, os doadores lembram ainda que o sumário executivo da Kroll confirma que a maioria das transacções com o dinheiro das dívidas escondidas foram realizadas fora do país.
“Não há menção de alguma transacção através do SISTAFE [Sistema de Gestão de Informação Financeira do Estado]”, indica o texto dos doadores.
Apesar da confirmação dos fornecedores de que receberam dinheiro, não se sabe se e quanto foi para entidades moçambicanas.
Cumplicidade dos bancos
As conclusões da auditoria da Kroll revelam a violação da Lei Orçamental e do Código Comercial e graves lacunas nas leis e regulamento sobre a gestão da participação do Estado na economia.
O sumário sugere cumplicidade dos bancos comerciais Credit Swisse e do russo VTB, mas o relatório não se pronuncia sobre uma eventual violação das normas financeiras internacionais.
Os doadores fazem notar que há questões de responsabilização que se devem estender para além das fronteiras moçambicanas.
As conclusões do relatório, continua, levantam a questão de até que ponto despesas orçamentais na defesa e segurança são geridas e escrutinadas.
“É impossível ter acesso à informação sobre o potencial uso do dinheiro dos doadores do Orçamento do Estado [ou de outras modalidades da ajuda] com base nas informações contidas no sumário do relatório de auditoria”, destaca.
De acordo com os doadores, a falta de justificativos de 500 milhões de dólares inseridos na Conta Geral do Estado de 2014 suscita preocupação em relação à credibilidade das finanças públicas de Moçambique.
Recomendações
Nas suas recomendações, os doadores sugerem que o governo dê “uma resposta credível e significativa” como um passo para a demonstração do seu compromisso em levar a sério as conclusões do relatório, tendo em conta que um diálogo construtivo com o FMI é uma das condições para a retoma dos programas de apoio ao orçamento.
Quanto ao pagamento das dívidas, eles observam que o FMI já tornou claro que não compete a si aconselhar o governo sobre o tratamento que deve dar às dívidas, muito embora a sociedade civil moçambicana esteja a exigir que as mesmas não sejam pagas, dado não terem sido usadas para o benefício do povo moçambicano.
Sobre esta matéria, os doadores observam que é importante o governo assumir que se torna difícil explicar ou justificar o pagamento de dívidas a maior parte das quais não foram auditadas.
SAVANA – 28.07.2017