Por Capitão Manuel Bernardo Gondola
É célebre a definição da Democracia dada por Abraham Lincoin, ao explicar a noção etimológica: “Governo do povo, pelo povo e para o povo”. Ou seja, a Democracia é aquela forma de Governo na qual o povo não é apenas o sujeito passivo (governado) mas também o sujeito activo (aquele que governa) e visando o bem de todo o povo (sujeito-fim).
Acontece, e eu me apoio mais uma vez em Abraham Lincoin, há duas maneiras de conceber o povo como governante de si próprio, que dão lugar a duas espécies de Democracia:
- Democracia directa: aquela em que o povo se governa a si próprio sem intermediários. Todo o povo intervém na feitura das leis, na tomada de decisões e na designação dos Cargos. Você vê, tal só é possível em sociedades políticas com um reduzido número de cidadãos e que não apresentem problemas tão complexos. Apresenta-se como exemplo de Democracia directa a Organização política das antigas cidades gregas, nas quais por certo a Democracia era muito imperfeita pois excluía do Governo a maioria dos seus membros (os não livres, escravos, as mulheres). Ou seja, era uma espécie de Democracia escravocrata. Na realidade tinha escravatura¹ grega. Mas, a Democracia grega era feita para os indivíduos que tivessem capacidade de defender a Grécia, Atena e as sociedades e as cidades independentes daquela época. Quer dizer, o conceito de Democracia naquela época era o conceito diferente do que é hoje. Actualmente, fala-se de Democracia directa para se referir Assembleia como lugar dos representantes do povo para tomar resoluções do país.
- Democracia representativa: aquela na qual se diz que o povo governa no sentido de que é o povo que nomeia periodicamente os seus representantes para que estes desempenhem as funções publicas por si mesmos. O povo, dispõe, por outro lado, de meios para obrigar ao cumprimento da sua vontade de modo que os eleitos sejam realmente “representantes.”
Você vê, a única espécie possível de Democracia nos Estados modernos é representativa. Mas para que possa ser reconhecida como tal, requerer-se, segundo a concepção Ocidental², uma série de características, consideradas geralmente como essências.
- Democracia e pessoa. Na escala de valores da Democracia, a pessoa ocupa um lugar central. Destarte, o Estado deve propor-se o desvelamento da personalidade de todos os indivíduos e respeitar o princípio de igualdade. A consecução do bem comum deve ligar-se ao respeito pelas pessoas. Não há verdadeira Democracia sem declaração e cumprimento de Direitos fundamentais do individuo. Você vê, a esta concepção de Democracia opõe-se a do totalitarismo/ditadura no qual o valor do Estado é absoluto e substantivo e o da pessoa relativo e acidental.
- Democracia e pluralismo social. A Democracia admite, respeito e apoia o pluralismo social, que é um facto particularmente patente na sociedade actual. Destarte, o bem comum nacional deve ser conceber-se como resultado da tensão, contributo e decantação dos diversos pontos de vista e interesses dos grupos intermédios. Enquanto o totalitarismo/ditadura concebe um bem comum abstracto, a Democracia pretende um bem comum na sua dimensão nacional e transitória.
- Democracia e organização política. As participações do povo (cidadão) nos assuntos públicos são asseguradas, na concepção Ocidental da Democracia², por uma série de Instituições jurídicas. Entre outras, destacam-se as seguintes:
- Sufrágio universal;
- Existência de Constituição e de controle de constitucionalidade;
- Vigência do império da lei;
- Divisão de poderes que tem dois modos fundamentais de realização: Parlamentarismo e Presidencialismo;
- Existência de uma Oposição institucionalizada;
- Vigência do Princípio de maioria, menoria,etc.
De uma maneira geral, você vê, hoje cada vez se propaga mais a opinião de que a Democracia deve ser submetida a certas modificações que, sem e desvirtuarem, a adaptarem a novas circunstâncias. Para que a Democracia seja Democracia material (de conteúdo) e não de meramente Democracia formal (só no papel, sem realização para a maioria do povo) é-se da opinião que o Estado Liberal de Direito se transforme em Estado Social de Direito. Do mesmo modo, se propaga cada vez mais a opinião de que o Executivo deve fortalecer-se corrigindo a clássica supremacia do parlamento.
Perante os problemas específicos postos pela tecnocracia, requerer-se que se aperfeiçoem os mecanismos de controle do Governo e de governação. Na verdade, é uma realidade sociológica inegável que o povo, todo o povo, não se pode governar a si próprio da maneira como o concebiam ingenuamente os primeiros democratas.
Hoje, você vê, mais do que nunca, é necessário que o Estado seja dirigido por pessoas capazes e, com traquejo. Contudo, a Democracia pode e deve ser assegurada, aperfeiçoando os processos que garantam esses pontos essenciais:
- Modo de agir constitucionalmente dos governantes;
- Possibilidade de substituição e destituição das elites governantes por outras;
- Confronto periódico dos governantes com os eleitores.
Podemos portanto concluir, que a Democracia é uma forma de Governo muito mais exigente. Exige maior esforço não só aos governantes mas também aos governados. O seu correcto funcionamento requer uma grande dose de Educação e sentido do bem público.
n/b:
¹ A escravatura na Grécia Clássica deve ser entendida numa perspectiva diferente daquela que viria a existir posteriormente. Destarte, a instituição da escravidão na antiguidade não foi uma forma de obter mão-de-obra barata nem instrumentos de exploração com fins de lucros, mas sim a tentativa de excluir o labor das condições de vida.
²De facto a Democracia Ocidental, conhecida como Democracia Ocidental, porque sem desdouro (desmerecer) para nenhuma outra cultura nem civilização. A Democracia na verdade é uma invenção Ocidental. Outras culturas outros Regimes podem ter suas construções políticas semelhantes mas certamente nada parecido com a Democracia Ocidental.
Manuel Bernardo Gondola