Por: Noé Nhantumbo
Os equilíbrios que se impunham triunfaram…
Aqueles que deviam ser punidos pelas derrotas eleitorais de Beira e Quelimane foram-no sem apelo nem agravo. A nota dominante do Congresso de Pemba terá sido por algum tempo, o partido Frelimo ter conseguido dar ou trazer para fora, uma imagem de uma unidade e coesão que vinham sendo questionados pelo público, analistas e jornalistas e mesmo por seus membros.
Mas ficou também claro e evidente que a Frelimo jamais será a mesma. Os dinheiros, as participações financeiras, a empresas detidas directamente ou indirectamente, as fortunas acumuladas, a descarada utilização dos cofres do Estado, o desprezo puro e claro da opinião daqueles membros que antes ocupavam uma posição de peso no partido são factos ou situações que denotam uma viragem completa de um partido que se impunha pela força de uma ideologia que se pretendia socialista.
A primeira república em que personificava Samora Machel foi completamente desenraizada pelos ventos do liberalismo que começaram a soprar com o aparecimento de Joaquim Chissano.
Uma adopção de um capitalismo sob bases em tudo contrárias aos fundamentos de tal sistema decerto que trouxe preocupações acrescidas a uma liderança que pretendia instalar rapidamente uma nova forma de fazer política em Moçambique.
Num movimento crescente de escangalhamento do aparelho do Estado colonial em que se notabilizaram algumas das figuras agora preteridas seguiu-se uma salada russa de sistema em que pontificava uma ideologia diluída e se impunha sobretudo uma confiança política e obediência, Moçambique evoluiu ou regrediu para uma terceira república em que os “camaradas” se começaram a digladiar abertamente.
Este Congresso de Pemba acontece numa altura em que se registaram desacertos estratégicos entre os membros das alas ou da ala prejudicada na arena económica e financeira. Uma forte conjugação de realidades que a ala no poder soube gerir, distribuindo acções e liberdade de funcionamento nos domínios económicos relacionados com áreas importantes do sector dos minerais tirou vantagem estratégica a quem pensava unir pessoas influentes no seio da Frelimo através da defesa de uma tese de exclusão visível em alguns dossiers nacionais.
Os “puristas ou puritanos marxistas-leninistas” acordaram tarde ao não terem se confrontado com a diluição de sua importância que se começou a verificar a partir da chegada ao poder de J. Chissano.
Todas as referências a desvios de linha e a revisionismo no seio daquele partido em que antes possuíam preponderância foram ignoradas tanto pelo chefe da ala Chissano como pela ala no poder.
Chissano e seus apaniguados terão talvez pensado e concluído que sua visão de economia também corria perigo se estabelecem unidade com o núcleo intelectual e ideológico da Frelimo representado por pessoas como Óscar Monteiro, Marcelino dos Santos, Jorge Rebelo e outros obscuramente colocados no sistema de educação.
Assim com a nova Frelimo de Chissano e Guebuza, o que estes dois fizeram foi romper abertamente com todos os defensores de ideologias que se opunham ao seu enriquecimento. A contradição que Chissano deve encontrar hoje com Guebuza no poder é que suas iniciativas empresariais já não se concretizam ao ritmo desejado.
Embora possua alguns pontos fortes e influência em alguns dossiers que se terão concluído durante a sua presidência nada é como era.
Aqui é que reside a contradição e as contrariedades. Os que alinharam com Chissano ou que se revelaram com Chissano pagam às vezes por coisas que não fizeram.
Outros conseguiram metamorfosear- se de adaptar-se à nova dinâmica e objectivos definidos por AEG.
Os que se distinguiram na defesa do status quo e que se revelaram seguidores inquestionáveis das instruções e cumpridores da agenda emanada da hierarquia foram recompensados com evidentes subidas na cadeia de comando partidário.
Pela composição do novo CC da Frelimo, fica claro que as alas internas deste partido conseguiram posicionar-se estrategicamente, de modo a afastar o espectro de clivagens demolidoras das aspirações de ambos os lados.
A montanha não pariu um rato e o parto decorreu normalmente sem necessidade de intervenção cirúrgica.
Tudo indica que a estratégia de Putin continua em execução de uma forma correspondente às condições locais e ao ambiente político nacional.
Sem que se revelem os trunfos já começaram a descartar determinadas figuras que tinham sonhos presidenciais ao mesmo tempo que se mantém os equilíbrios étnicos e regionais no seio da Frelimo.
A unidade nacional continua sendo o cavalo de batalha embora seja notório que se trata de continuação de um exercício demagógico.
O que é de facto importante é garantir que o acesso à riqueza que recursos naturais permitem, continue a ser pasto privilegiado dos que até agora detêm o poder.
Sem esforços por aí além viu-se que aquelas figuras do partido com potencial de desequilibrar a balança, foram comodamente instaladas nos órgãos e o género feminino ficou bem servido numa estratégia afinada ao pormenor. É preciso preencher os órgãos com pessoas pouco dadas a incomodar e prontas a aceitar desempenhar o papel que se lhes entregue.
Está claro para quem quiser “ver com olhos de ver”, que a liderança e a última palavra naquele partido continuará a vir do mesmo lugar e da mesma pessoa.
Com realismo AEG conseguiu sossegar as vozes dissonantes com seu discurso e prática.
Na Frelimo existe consciência de que a manutenção do actual edifício económico e financeiro, largamente controlado por camaradas, requer que não se abram espaços para que a concorrência se beneficie de suas contradições internas.
Nessa esteira de pensamento, é de prever que tenham sido alinhados interesses e se tenha determinado que a liderança do partido e do governo deve deixar de punir os que fazem parte da outra ala.
É uma possibilidade bem real.
Quando se fala dos recursos naturais e da necessidade destes beneficiarem todos os moçambicanos é reconhecimento implícito de que a actual situação não é indicativo disso.
Não é difícil concluir que terá havido todo o tipo de discussão, entre os membros da nomenklatura que de facto governa a Frelimo, e que pontos de vista tenham sido trocados, numa tentativa de assegurar que “os históricos”, não sejam alienados mas que ao mesmo tempo se deixe espaço para que actual liderança governe.
É preciso entender que não se trata realmente de continuidade e renovação mas assegurar principalmente que o poder continue nas mãos da Frelimo e especialmente aquilo que os históricos fundadores vivos desta formação política entendem e concebem como Frelimo.
Mas está claro que o peso da idade e perda efectiva de pontos apoio num aparelho partidário que foi fugindo de seu controle tem suas repercussões na política activa.
Já se manifestam vozes, que não tendo participado na luta anti-colonial armada, querem ganhar posições de relevo e aspiram decididamente a cargos cada vez mais altos no partido Frelimo e no governo.
Não há vitória sem derrotados e se algumas figuras como Luísa Diogo acalentavam sonhos, estes esfumaram-se. De delfins do passado aos do presente também foi dito directamente que afinal não passavam de supostas alternativas e que o poder continua a ser de quem participou na luta armada anti-colonial.
Pode se resumir tudo, a discussão tendente a dissuadir divisões no seio de um partido e consequentemente do país em função e devido a descobertas redescobertas de inúmeros recursos minerais estratégicos.
Houve necessidade de advogar unidade nacional mas é evidente que nos benefícios continuará a haver separação bem nítida.
Contentar a massa de membros e alimentar a comunicação social com imagens de um reunião magna com objectivos genuínos quando de facto se terá negociado os dossiers e as teses fundamentais, entre os que realmente contam, terá sido a tónica e a metodologia.
A Frelimo tem uma tradição de centralismo e secretismo nas suas altas esferas que não se compadece com aquela democracia proclamada.
Ciclicamente há purgas de membros e militantes que não se comportam a contento nem segundo as instruções da alta hierarquia.
As aparentes posições de poder conferidas ou outorgadas a algumas pessoas que não fazem parte do núcleo central do partido são parte de uma estratégia para convencer a opinião pública de que se está perante um partido que pauta pela democracia interna e nada mais. Para quem era tido como delfim e confidente, desejado e preferido deve ser doloroso sair de Pemba sem nada nas mãos. O cargo governamental que alguns seguram ou ainda seguram deve ser a última manifestação política pública pois saíram de Pemba tão fragilizados que já não conseguirão manter uma margem de autoridade política que lhes permita funcionar ou fazer funcionar as instituições que ainda dirigem.
Esta é uma daquelas realidades que em política não se podem recusar sob pena de suicídio.
Mesmos aquelas figuras que se mantiveram no CC graças aos nomes que possuem e sua relação histórico familiar com os “embondeiros” do partido Frelimo cumpriram o seu papel, de se manterem calados e sossegados, representando o nome e nada mais, pois sua oportunidade já passou historicamente.
Este terá sido um daqueles congressos em que seu timoneiro preparou de tal forma que nenhuma surpresa aconteceu. Existe disciplina no seio da Frelimo e pensar está ou é prerrogativa somente de alguns predeterminados.
Agora que alguns notáveis não conseguiram renovar sua presença em órgãos importantes do partido Frelimo, continuaremos assistindo a uma diluição daquela unidade hegemónica entre figuras. Através de mensagens públicas ou em privado vamos decerto ter conhecimento de algumas novidades indesejáveis.
Afinal aquela unidade que nos dizem existir não é tão bem assim.
Entre camaradas também existem aqueles que não concordam ou que se enganaram em pensar que em seu partido era permitido ter opinião própria.
Muitos são aqueles que não sabiam que a Frelimo é exímia em utilizar e descartar quadros ou ditos quadros quando lhe convém.
Mas convenhamos que tudo o que aqui é dito é simplesmente uma das leituras possíveis…
Canal de Moçambique – 03.10.2012