Alguns países africanos violam sanções das Nações Unidas (ONU) contra Pyongyang e fazem até comércio de armas com o regime, dizem especialistas. Angola e Moçambique estão na lista dos países sob investigação.
A presença de Pyongyang em África é inconfundível. Em muitos países, há estátuas de bronze e todas apresentam a assinatura da fábrica de monumentos norte-coreana "Mansudae Overseas Projects" (MOP).
O chamado "Cemitério dos Heróis", no Zimbabué, nos arredores da capital, Harare, assemelha-se a um memorial na capital da Coreia do Norte. Em Kinshasa, no Congo, há uma estátua do ex-Presidente Laurent Kabila. Em Moçambique, é o líder do movimento da independência, Samora Machel, que aparece, eternizado, na praça da Independência na capital, Maputo. A construção de monumentos e instalações militares no exterior tem gerado à empresa estatal norte-coreana uma fortuna ao longo de décadas.
Na Namíbia, a MOP é responsável por quatro obras. O novo palácio do Presidente, em Windhoek, é um dos exemplos. Mas a parceria vai além dos projetos monumentais. Segundo as Nações Unidas, o país investiu cerca de 100 milhões de dólares em projetos da dinastia Kim – entre eles, fábricas de munições. Por isso, a Namíbia é acusada de violar as sanções internacionais que vigoram contra o regime comunista. A correção veio em 2016, quando o Governo anunciou que ia respeitar as medidas contra a Coreia do Norte. Mas há dúvidas em relação à promessa.
O analista do "think tank" britânico Chatam House, Daragh Neville, afirma que "a relação entre muitos países africanos com a Coreia do Norte vem do tempo da Guerra Fria". Na altura, Pyongyang era elo de ligação e apoiava movimentos de libertação desses países contra os colonizadores. "Há, ainda hoje, simpatia em muitos países africanos e lembranças das relações diplomáticas e intercâmbios culturais nos anos 60 e 70", lembra Neville.
Angola e Moçambique entre os países sob investigação
As relações iniciadas no passado parecem continuar. Um relatório da ONU aponta que a Namíbia, Tanzânia, Uganda, Angola, Congo, Eritreia, Moçambique, Botsuana, Benim e Zimbabué violaram as sanções e são, por isso, investigados. A penalização contra o regime norte-coreano foi imposta, pela primeira vez, em 2006.
As sanções deveriam impedir o tráfico de armas e as transações económicas com o regime – e o mundo já estava preocupado com o programa nuclear do país. No entanto, de acordo com o relatório da ONU, a Coreia do Norte vendeu equipamentos militares de comunicação para a Eritreia e armas automáticas ao Congo. Há ainda acusações de que Pyongyang organizou treinamento militar no próprio Congo, em Angola e no Uganda – além de ter fornecido armas a Moçambique.
Mas especialistas indicam que há mais países no continente a fazer negócios ilegais com a dinastia Kim. "Mais da metade dos países africanos faz comércio com a Coreia do Norte", acusa Daragh Neville, da Chatham House. "Quarenta e um países africanos ainda não enviaram qualquer prova das suas atividades comerciais para as Nações Unidas", afirma o analista.
Sanções desrespeitadas
Por ano, o comércio entre a África e a Coreia do Norte gera cerca de 100 milhões de dólares, segundo estatísticas do "Observatório de Complexidade Económica". O principal importador do regime comunista é o Burkina Faso, com 32,8 milhões de dólares – 1% das importações anuais.
A Coreia do Norte, por sua vez, exporta petróleo refinado para o principal importador e para o Benim. "100 milhões de dólares de comércio com a África são relativamente baixos, mas é uma grande fonte de renda para a Coreia do Norte, já que é difícil para o regime ter acesso à moeda estrangeira", diz Neville. "Para os países africanos, é mais barato fazer negócios com a Coreia do Norte e o regime também questiona menos em comparação a parceiros ocidentais", aponta o especialista. Os negócios são possíveis porque a Coreia do Norte é capaz de operar através de empresas de fachada e consegue, assim, enganar as sanções, de acordo com o especialista.
Vigilância
Neville defende uma maior pressão da comunidade internacional e da ONU sobre bancos e instituições financeiras. "Muitos países fornecem, conscientemente ou sem saber, serviços a empresas e pessoas próximas ao regime de Pyongyang", declara.
O Instituto Sul-Africano de Estudos de Segurança, em relatório, recomenda que países africanos deveriam treinar melhor seus funcionários de alfândega para monitorar, de maneira mais eficiente, possíveis mercadorias e pedidos proibidos nos aeroportos e nos portos.
Já o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, defende uma maior pressão sobre países africanos após a formalização da última rodada de sanções contra a Coreia do Norte. As novas incluem um limite de fornecimento de petróleo para o país e uma proibição de exportações têxteis. Abe deixou claro que os estados africanos devem cumprir as exigências. No entanto, observadores duvidam de que essas palavras serão ouvidas.
DW – 25.09.2017