Monteiro diz haver exagero na gestão do Estado, na medida em que é governado através de normas partidárias
Óscar Monteiro diz que em Moçambique existe uma forte relação entre o partido no poder e o Estado e refere mesmo que há um exagero na gestão do Estado, na medida em que é governado através de normas partidárias. Monteiro falava durante a mesa-redonda alusiva aos 100 anos da Revolução Russa.
O veterano da Luta de Libertação Nacional diz que existe um exagero na forma como o partido no poder intervém na gestão do Estado. “Falando do Estado e do partido, o exagero ao qual fomos submetidos, inclusive, estabelecido na constituição, diz que o partido dirige o Estado. É a formulação de um princípio a que nós devemos aspirar, mas nunca deve ser um princípio institucional. Os partidos devem aspirar influenciar e conduzir a política do Estado, mas como é que isso se reformula?”, questionou, para de seguida salientar que a relação política entre o partido e o Estado pode ser correcta, desde que se faça de maneira adequada, respeitando os princípios plasmados na constituição.
O orador vai mais longe e diz que o referido exagero abrange o ambiente partidário, quando membros da Frelimo se referem ao partido como um edifício, tomando como exemplo o facto de alguns membros se referirem ao Comité Central como uma instituição e não um órgão como tal.
“Chegámos ao exagero de tratar o partido como um edifício. O Comité Central foi coisificado, pois todos os que desse órgão faziam parte sentiam-se ungidos pela ideologia de pertencer ao grupo”, explicou.
No seu jeito “politicamente incorrecto”, disse que ”Aquele conjunto de pessoas foi escolhido com base em outros interesses, não por qualidades políticas. A renovação desses grupos se faz pela simples razão de estarem lá. uma vez dentro do órgão, sempre lá. Devíamos ter definido por escrito as qualidades requeridas, um documento que, aliás, chegámos a escrever, entretanto, a realidade é contrastada, porque as pessoas hoje são escolhidas por outros critérios para dirigir o Estado”.
Durante a mesa redonda subordinada ao tema “Revolução Socialista Russa e o Moçambique Contemporâneo” e falando sobre os impactos e efeitos da Revolução Russa, 100 anos depois, Monteiro disse que “O marxismo moçambicano não nasceu por nos encostarmos aos soviéticos, por falarmos com eles nem por mandarmos pessoas para treinarem lá. Nasceu da análise da nossa realidade. Nós temos vários livros, todos eles assinados pelo presidente Samora Machel e vários outros, incluindo um texto avançado antes da revolução feminina”.
A Revolução de Outubro de 1917 na Rússia teve repercussões a vários níveis na vida do povo russo e de estados como Moçambique, até finais do século XX, inspirando a luta pela independência das nações de todo o mundo.
Óscar Monteiro, José Castiano e Carlos Mussa foram os convidados à mesa-redonda.
Cem anos da Revolução Russa
É à luz do próprio marxismo que a revolução russa surge como um fenómeno inesperado, imprevisto, exótico. A teoria marxista sustentava que a revolução socialista deveria dar-se num dos países de capitalismo maduro, casos de Alemanha, Grã-Bretanha ou até mesmo em França, países com uma industrialização avançada e com um proletariado numeroso e consciente do seu papel na luta de classes e no processo evolutivo da história.
A união soviética também testemunhou a industrialização, mas nada competitiva quando comparada com a do reino unido, dos Estados Unidos e do Japão. Estima-se que a Rússia poderia ter tido conquistas muito maiores se não fosse a revolução e os anos soviéticos que a seguiram.
O PAÍS – 26.10.2017