Canal de Opinião por Adelino Timóteo
Nós, crianças moçambicanas, abaixo assinado, que não temos onde cairmos mortos, desistimos da ilusão de nos tornarmos parlamentares, pois, à luz do Estatuto dos Deputados, auferiríamos, de reforma anual, um rendimento de cerca de 910 mil meticais (cerca de 30 mil dólares) e um subsídio de reintegração de dois milhões e setecentos meticais, pago de uma única vez, uma palha, ao lado do que acumulam os renomados PCA’s da empresa de electricidade de todos nós.
Os sonhos envelhecem. As ambições passam de moda. A moda, agora, para nós, crianças moçambicanas, é de nos tornarmos PCA’s da Electricidade de Moçambique. Ganharmos salários milionários, que nem os mesmos PCA’s da Electricidade de Moçambique, não conseguem acreditar como auferem misteriosamente salários milionários num país miserável, numa empresa tecnicamente falida.
Nós, crianças moçambicanas, temos vergonha do nosso passado sonhador, em que sonhávamos ser deputados reformados, ao lado dos salários pouco dignificantes atribuídos a classes de profissionais sensíveis. Nós, as crianças moçambicanas, somos, de longe e de perto, uma larga faixa de cidadãos comportando Médicos, Magistrados, membros da Polícia Nacional, professores, jornalistas, profissionais esses cujo dinamismo tem, de longe, maior impacto na sustentabilidade do país do que aquilo que andam a fazer os titulares de salários milionários, em seus improdutivos gabinetes alcatifados, onde se escuta o murmúrio de ar-condicionados enojados pela ineficiente burocracia, com uma pilha de expedientes e projectos empilhados, por falta de cabimento orçamental.
Nós, as crianças moçambicanas, já quisemos ser membros do Governo, das assembleias provinciais e da cidade, onde as vacas leiteiras dão mais leite, mas se tratando de que vimos os governantes como coitados ao pé dos PCA’s da Electricidade de Moçambique, abandonamos o nosso sonho antigo.
Os PCA’s da Electricidade de Moçambique são os últimos no sacrifício e primeiros no benefício. E a moda, no nosso país é essa, daí por que queremos nos tornar PCA’s da Electricidade de Moçambique, porque é o caminho mais rápido ao acesso e alcance da riqueza absoluta. Os PCA’s provaram-nos de que está institucionalizada a lei do menor esforço e maior rendimento.
Já nenhuma criança moçambicana quer ser carpinteiro, pedreiro, trabalhador sazonal, nem carregador, nem estivador. Efectivamente, as funções de PCA’s da Electricidade de Moçambique são que dão maior lucro e facilidade de pertencermos à nossa oligarquia. Na nossa qualidade de pobres e vulneráveis cidadãos nacionais, os afamados PCA’s nos dão por miseráveis, indignos, mendigos ou fragilizados, por isso queremos ser como eles, quando crescermos.
Crescer, para nós, é a possibilidade de também sermos nomeados PCA’s da Electricidade de Moçambique e gozarmos das mordomias proporcionadas pelas funções.
Todos nós, vinte e cinco milhões de humildes moçambicanos, da noite para o dia, fomos acometidos pelo sonhos de nos tornarmos PCA’s da Electricidade de Moçambique, pois não cremos que a revisão salarial, na ordem de cinco por cento, acompanhada imediatamente de subidas drásticas de preços de produtos essenciais, das tarifas de luz, água e combustível, nos coloque numa situação de dignidade em relação aos nossos compatriotas PCA’s da Electricidade de Moçambique, que, só em regalias, superam e muito de longe o que a maioria de nós levamos mensalmente às nossas casas.
É mais cómodo sermos PCA’s da Electricidade de Moçambique, porque, enquanto o mundo reclama sobre os seus astronómicos e milionários salários, fazem vista grossa e ouvidos de mercador, e desdobram-se em comunicados defensores da falta de cabimento orçamental para satisfazerem as exigências do momento, como a melhoria da qualidade de energia que nos afecta, e que é inversamente proporcional ao esforço de nos servir e minorar os apagões.
Quando nós, as crianças moçambicanas, nos queixamos da miséria com que nos pagam, diz o Governo (que também inclui o nosso patronato) é um exagero, mas exagero é o que os nossos PCA’s fazem, alegando nos servirem, quando metem tudo ao bolso e nos oferecem subsídios de fome.
Nós, as crianças moçambicanas, temos para nós que não basta votarmos.
É preciso investirmos todas as nossas abnegadas energias e acções em “marketing” particulares, não para nos tornarmos ministros e governadores, porque isso só dá direito a pensão vitalícia ao fim de dois mandados, mas tão-somente concentrarmos a nossa redobrada acção para nos vermos promovidos a PCA’s da EDM, porque essa dá frutos imediatos e a curto prazo. Os distintos e ilustres PCA’s de todos os PCA’s que a luxúria produziu em desonra do humilde e trabalhador povo moçambicano encontram nesta equação a fórmula mais eficiente de nos tornarmos ricos, sem produzirmos quase nada. (Adelino Timóteo)
CANALMOZ – 23.10.2017