Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected])
Os governos de intervenção militar não duram muito. Eles garantem a base mínima para o arranque do processo de transição, mas, se o apoio não se consolidar e alargar por uma acção política na sociedade, a sua legitimidade perante a opinião pública é desgastada e o bloco inicial, sem fortes alicerces, divide-se irremediavelmente. Estes governos terminam inevitavelmente de uma de duas formas: ou caem nas mãos de “homens providenciais” e envolvem para situações estáveis; ou não conseguem gerar uma base mínima de apoio social e degeneram num ciclo de golpes e contragolpes onde “as espadas são o triunfo.” António Telo - Economia e Império no Portugal Contemporâneo, 1994, p. 18.
Na formatura para conclusão do mestrado em Relações Internacionais e Estudos Europeus, um professor de grande erudição disse-me o seguinte: “Viriato, não há nenhum conflito interno que não tenha uma qualificação dos interesses dominantes.” Mugabe foi afastado do poder pelas forças dominantes, que usaram os “cães de caça” dos políticos (exército), para empreender um “golpe de Estado militar.”
Se alguma dúvida houvesse, ficou claro que nas Relações Internacionais as amizades não são eternas, os atores agem conforme os interesses predominantes. A condenação evasiva ao “golpe” demonstra o vazio existente no seio da UA e da SADC. O anterior espírito de unidade, consolidada pelo lema “Um por Todos e Todos por Um”, deixou de fazer sentido. Como disse anteriormente, a política internacional exprime interesses. Mugabe, enquanto presidente do Zimbabwe, constituía um “empecilho” para a viabilização dos interesses económicos de alguns países.
O “isolamento” político a Mugabe demonstra cada vez mais que, quando os interesses comuns acabam, acabam também as amizades. A Região já não luta por uma ideologia comum: instalou-se os interesses partidários que alimentam uma determinada elite política em detrimento das nações. Salve-se quem puder…
Dizia-me um general angolano, Higino de Sousa (Zé Grande), que África é o celeiro dos minerais e fonte de energia, daí que esteja na actualidade da geopolítica mundial. Os “imperialistas” e seus lacaios, mal quiseram esperar pela fatalidade biológica de Mugabe (que o diabo seja surdo e mudo), ampliaram e intensificaram sanções económicas com o fito de destruir a imagem do Zimbabwe. Numa situação de descalabro económico, como viria a acontecer, os “imperialistas” sabiam que a resiliência do governo de Mugabe não duraria muito. O que assistimos hoje no Zimbabwe é um falso figurino de estabilidade política e social que pode conduzir o país ao colapso, caso os “imperialistas” e seus vassalos encetarem o plano de expropriação dos recursos naturais (sobretudo a terra). Mnangagwa, o «presidente golpista», para ganhar simpatia dos « imperialistas » terá que indubitavelmente fazer um pacto com o diabo.
Fiquei profundamente indignado quando vi um punhado de zimbaweanos a manifestarem-se contra Mugabe, o líder que lhes libertou e deu-lhes a terra. Samora Machel dizia que o povo defende coisas concretas: a terra. Foi por isso que Mugabe enfrentou o Ocidente. Os “imperialistas” vão fazer no Zimbabwe o que fazem um pouco por toda a África: expropriar terras em nome de um falso desenvolvimento democrático. Aprendi a lição: Os conflitos surgem quando os Estados aparentemente democráticos tentam impor a democracia em Estados aparentemente não democráticos. Mugabe, que os têm no lugar, disse não.
Ao invés de livrar-se de um suposto “ditador”, o povo do Zimbabwe vai agora conhecer e conviver com o verdadeiro inferno. Os “imperialistas” não têm piedade. Os “golpistas” muito menos. A única coisa que lhes interessam é o lucro. O capital. O vil metal. E o povo, coitado, qual povo? Que se dane! Foi o que me disse com preocupação um cidadão senegalês num dos parques de Bruxelas: “conseguiram tirar Mugabe do poder, de agora em diante haverá um festival de criminalidade, de conflitos sociais, de violações dos direitos humanos, do predomínio da minoria (raça branca), etc., etc., etc.” Espero que a conjectura daquele senegalês não se efective, para o bem do povo zimbabwiano.
Zicomo e um abraço nhúngue ao Dick.
NOTA: Li o artigo de opinião que o conceituado jornalista e amigo Afonso Almeida Brandão dirigiu-me no jornal O Autarca, edição nº 3379, de 24 de Novembro de 2017. Tenho a agradecer-lhe a publicidade. Sinto-me realmente muito apegado a Mugabe, “meu pai adoptivo, pelas causas que ele condena, nomeadamente a libertação da terra, a libertação dos homens, a justiça social a favor dos pretos, brancos e amarelos, a educação para todos, enfim, a defesa da África. Viva Mugabe.
WAMPHULA FAX – 28.11.2017