Das duas uma. Ou sua excia Presidente da República está mesmo a correr atrás do prejuízo, mas porque, atabalhoadamente, o senhor está a lançar mais achas à fogueira. Ou então, o senhor está simplesmente a tentar driblar o seu patronato, composto por pouco mais de 27 milhões de moçambicanos.
Vem este pequeno introito a propósito do que o Presidente da República, Filipe Nyusi, disse ou tentou dizer na manhã de ontem quando recebeu, no seu gabinete de trabalho, os dirigentes do sector de administração da justiça. Disse, sua excelência, que face à conjuntura macroeconómica, os meritíssimos e outras tantíssimas excelências que perfazem o sector de administração da justiça deviam se juntar ao governo na reflexão sobre o modelo do usufruto dos direitos e regalias a que têm direito.
No fundo, o que sua excia quer e queria que os seus patrões percebessem é que o Presidente da República está preocupadíssimo com o custo e o impacto da aquisição permanente de viaturas de luxo no âmbito da satisfação dos direitos e regalias dos dirigentes deste país.
A ser verdade essa percepção, a questão que se coloca mesmo é: será mesmo que sua excia não conhecia os contornos deste e de outros processos que, sob a injusta justificação de satisfação dos direitos e regalias dos dirigentes, são diariamente tramitados na burocracia pública.
Podemos até fazer um esforço para oferecer, à sua excia, o benefício da dúvida e acreditar que efectivamente não sabia de nada. Mas não nos parece. Parece mesmo um drible.
Pensando positivamente, pensamos que é em momentos de crise como estes a que somos impostos, sua excia, como mais alto magistrado da nação, deve tomar conhecimento de coisas que mexem com a sensibilidade das pessoas, particularmente dos seus governados.
É verdade que, se calhar, mesmo tomando conhecimento, sua excia não vai decidir, claro, em obediência da separação de poderes, considerando que outros poderes requisitam o que querem e o governo deve, obrigatoriamente, satisfazer em obediência à lei. Mas, pelo menos vai emitir a sua opinião sobre tudo isto. Até porque boa parte das mordomias em carros de luxo e outras benesses vão directamente para governantes que estão sob sua égide senhor presidente. Eles que, a dedo, foram por si escolhidos para, também se posicionarem como empregados e não como patrões.
Portanto, se for para correr atrás do prejuízo, o melhor, para já, é mesmo decidir. Definir e decidir mesmo que, diante da calamitosa situação em que vivemos, o governo não está em altura de pagar, por um único Mercedes Benz, 11 milhões de Meticais. Isso é que se chama governar. Governar é tomar decisões em prol da defesa dos superiores interesses do povo que sua excelência jurou proteger e proporcionar. E a primeira coisa que sua excia jurou proporcionar é saúde aos seus 27 milhões de serenos, pacientes, passivos e pacíficos patrões. Esse é um direito e regalia fundamental. E a saúde está a ser posta em causa por falta de um paracetamol que custa entre 5 e 10 Meticais, cada carteira de 10 comprimidos.
Agora, agindo assim como está a agir, parece que sua excia prefere satisfazer o direito e regalia de ter direito a um Mercedes S500, no valor de 11 milhões de Meticais (que o titular nem precisa, na verdade), e negar o direito à saúde e à vida ao seu patrão. Vida essa que custa apenas entre 5 e 10 Meticais. Ou seja, parece que sua excia considera e coloca o direito ao luxo e extravagância como mais importante do que o direito à saúde e à vida. Precisamos, sua excia, de parar com essas incessantes e estúpidas justificações de que estamos a cumprir o que está na lei.
Diante de tudo isto, achamos que é mesmo momento de decidir porque o momento é de decidir e não simplesmente de, de tempo em tempo, aí e acolá, aparecer com discursos do “politicamente correcto”, quando, em termos práticos, as condições de saúde, transporte, de educação…continuam a degradar-se para níveis de indigência e nunca antes vistos. Até porque não é a primeira nem a segunda vez que, sua excia aborda publicamente esse assunto, mostrando a aparente preocupação sobre a insuportabilidade das finanças públicas face às excessivas regalias e direitos dos chefes, cuja importância e dirigismo são só efectivos quando se está num Mercedes Benz.
MEDIA FAX – 07.11.2017