Falta de mercado para comercialização de excedentes agrícolas
Produtores na província de Niassa, norte de Moçambique, vivem momentos de insatisfação, devido à forma com que são esboçadas e implementadas, as políticas do sector agrário no País.
A posição dos produtores da província mais extensa do País foi defendida, há dias, pela ALIMI Cooperativa, uma organização da sociedade civil que trabalha em todos os distritos da região sul da província de Niassa em matéria de produção e comercialização de excedentes agrícolas.
O desagrado daquela agremiação, que congrega quatrocentos e dezasseis associações de camponeses e cinquenta e duas uniões de zonas, todas espalhadas nos distritos de Cuamba, Mecanhelas, Mandimba, Nipepe e Maúa, surge na sequência dos “avultados prejuízos” que os produtores daquela província estão a somar, por falta de mercado para a comercialização de feijão bóer, um dos produtos mais obtido na campanha agrária finda, naquela parcela, e no País no geral.
Manuel Vahocha, Presidente do Conselho da Administração (PCA), em entrevista exclusiva ao Jornal Makholo, desvalorizou os recentes pronunciamentos do Executivo moçambicano, na pessoa de João Macaringue, director-geral do Instituto Nacional de Cereais (ICM), segundo as quais, a produção de feijão bóer seria absorvida pelo mercado na Índia, principal importador do cereal.
“Estamos a somar avultados prejuízos”, foi assim que o PCA da AlIMI Cooperativa’ começou por lamentar, para de seguida descartar quaisquer possibilidades de existência de algum feijão bóer nas mãos dos produtores e em bom estado de conservação. O Governo de Moçambique é infeliz nas suas planificações. Senão vejamos, se falamos de feijão bóer, é um produto que tem um prazo de sete dias após sair da machamba. Excedido este período, ele deteriora-se. Mais que sete dias, todo o feijão fica furado”, advertiu, Manuel Vahocha.
“Indianos vêm comprar cinza, e não feijão bóer”
A fonte avisa que a sendo verdade a chegada de um grupo de agentes económicos a Moçambique, em Niassa, não serão alcançados os objectivos de que se propõem, ao avaliar pelo elevado estado de deterioração que se encontra a leguminosa.
Assim disse a fonte, “com poucos recursos que o produtor dispõe, passe o tempo a comprar pesticidas para assegurar que o seu feijão não se deteriore, sem no entanto, saber qual será o rendimento resultante deste investimento.
Nós temos pesticidas, mas a quantidade de feijão bóer que Niassa dispõe, é muito elevada”.
Num outro desenvolvimento, o dirigente daquela que constitui uma das maiores agremiações do ramo agrícola, no Niassa, sentenciou que “já não há confiança relativamente ao que o Governo moçambicano diz. Os indianos vêm comprar cinza, e não feijão bóer.
Se calhar, podem não comprar nada, sobretudo, aqui no Niassa, porque, todo o feijão bóer já está podre de tal modo que não se pode aproveitar”, alertou, Vahocha.
“Há incoerência nos discursos feitos pelo Governo moçambicano”
Manuel Vahocha disse não encontrar explicações face aos apelos que o Governo, liderado por Filipe Nyusi, tem propalado, um pouco por todo o País, sobre a necessidade de aumento da produção e produtividade, porque, segundo a fonte, tal discurso é incoerente e não se alinha às políticas aplicadas no pacote de comercialização de excedentes agrícolas no País.
“O Presidente da República tem apelado, em encontros com a população, que devemos produzir muita comida, para o consumo e, também, para a comercialização. Mas, quando nós acatamos esta mensagem e produzimos a terra, o Governo não colabora para que esses nossos produtos sejam rentáveis, e isto retrocede-nos. Nós somos porta-vozes de Filipe Nyusi em matéria de sensibilização à população a desencadear as acções que contribuam para o aumento dos níveis de produção, e ela acolhe o recado, mas, chegada a hora de vender o produto, o Governo não compra”, queixou-se Manuel Vahocha.
Sugeriu, todavia, que havendo necessidade de encetar negociações e/ou lançar concurso para a identificação de alguma empresa que compre qualquer que seja o produto agrícola, o Governo de Moçambique deve o fazer atempadamente, para evitar consequências de vária ordem. “Deveriam ter feito isto logo em Abril, antes que os produtos saíssem das machambas, para que logo que arrancasse a campanha de comercialização, cada um estivesse posicionado sabendo dos seus deveres, direitos bem como responsabilidades”, aconselhou.
“Em algum ponto do País, os indianos já compram feijão bóer, mas a cinco meticais por quilo”
Na ocasião, o nosso entrevistado explicou que, a dias, uma imprensa da praça veiculou informações, segundo as quais, os agentes económicos indianos já se encontram em Sofala, centro de Moçambique, com o mesmo propósito, mas o preço de cinco meticais, por quilo, fixado para a comercialização do produto, não agrada os produtores.
A ser verdade, Manuel Vahocha mostrou- se peremptório ao alertar que nenhum produtor da sua província irá aderir ao mercado. “Antes de ontem estive a ouvir a reclamação em Sofala, pelo facto de os indianos estarem a comprar a cinco meticais, ao quilo. Eu acho que isto é para só justificar que o Governo consegue mobilizar compradores, porque, o preço de cinco meticais não vai compensar ao produtor.
Se cá no Niassa for o mesmo, optaremos por não vender e mobilizaremos a todos os produtores que integram a nossa organização a não se deixarem enganar”, referiu, a fonte, visivelmente desapontado.
O nosso interlocutor referiu que, “se o preço de cinco meticais consta do acordo formulado entre o Governo de Moçambique e o empresariado indiano, eu penso que o nosso Governo está a falhar e, consequentemente, não fez nada. O Governo deveria pensar na comercialização oferecendo um bom preço. Pode não chegar ao preço praticado no ano transacto, que era de
quarenta meticais, mas, pelo menos a vinte meticais, ou seja metade do que fora vendido em 2016. Isso poderia ajudar ao produtor”, sugeriu.
Questionado pela nossa reportagem se é que tinha alguma informação que prevê a chegada de compradores indianos a Niassa, o PCA da AlIMI Cooperativa revelou-se leigo, salientando que a única acção feita pelo Governo provincial no Niassa e através da Direcção Provincial da Agricultura e Segurança Alimentar (DPASA), que consistiu no lançamento de um concurso para a identificação de uma entidade para a compra de cento e vinte cinco mil toneladas de feijão bóer, cujo terminou a 13 Novembro.
Contudo, e sem entrar em detalhes, o timoneiro da ALIMI Cooperativa aproveitou a presença da nossa reportagem para lamentar, pelo de a sua organização não ter submetido a candidatura, por ter tomado conhecimento uma semana depois do término do prazo para o efeito.
Manuel Vahocha não sabe, categoricamente, o que pesou para tal situação, mas não afasta a possibilidade de ser sinónimo de falta transparência, uma
prática generalizada nas instituição do estatais e públicas da província e do
País, mas que urge combatê-la.
Ainda assim, o nosso interlocutor instou a todos os produtores não cruzar os braços, para que continuem a se envolver em acções que convirjam para o incremento dos índices de produção e produtividade para seu consumo e, por consequência, combater a desnutrição crónica que desgraça algumas famílias moçambicanas, na sua maioria, menores de idade. “Nós somos produtores. Não fiquemos desanimados, lá porque o Governo não colaborou na compra daquilo que produzimos”, persuadiu.
ALIMI Cooperativa prevê lançar nova marca de farinha ao mercado
O PCA da Alimi Cooperativa deu a conhecer à nossa reportagem dos esforços que aquela organização tem desenvolvido para assegurar que a farinha de milho, produto de maior consumo, no Niassa, esteja à disposição e a preços acessíveis, sobretudo, para as famílias em situação de vulnerabilidade.
Para o efeito, a AlIMI Cooperativa já conta com uma indústria moageira, com capacidade para processar perto de uma tonelada de milho por dia.
Neste momento, segundo indicou Manuel Vahocha, a sua agremiação está à procura de recursos financeiros com vista a viabilizar o alargamento da iniciativa, que consistirá na aquisição de saquetas e outro material conexo, para que a curto prazo, aquela organização coloque ao mercado nova marca de farinha ostentando seu nome.
Disse que Niassa dispõe de quantidades consideráveis daquele cereal que constitui matéria-prima para alimentar a unidade industrial.
Com mais de mil produtores oficialmente inscritos, na sua maioria, dos distritos de Cuamba, Mecanhelas e Mandimba, as acções da AlIMI Cooperativa cobrem toda a região sul da província de Niassa, situação que faz com que a agremiação assuma o estatuto de líder na componente de produção e comercialização de excedentes agrícolas.
Tem como culturas de bandeira, milho, feijão fino, feijão bóer, amendoim, soja e gergelim. Para além dos distritos da província, abastece os mercados de todas as províncias de norte de Moçambique, incluindo Zambézia, bem como o país vizinho, Malawi.
Texto e fotos: Dinis Robate
Jornal Makholo – 28.11.2017