O território, objecto deste estudo, constituído por duas partes distintas, uma insular que integra cerca de cinco dezenas de ilhas e ilhéus - as ilhas de Querimba)1 -, a outra continental formada pelas terras firmes a elas adjacentes, é banhado pelo Oceano Índico ocidental, fica situado na entrada noroeste do Canal de Moçambique e na costa leste de Africa. Parte integrante de Moçambique, dista para norte da Ilha do mesmo nome, cerca de 60 léguas, estende-se o mesmo território na direcção norte-sul, por, aproximadamente, 36 léguas, compreendidas entre o rio Rovuma (11° 20' Lat. S e 38° 36' Long. E de G), a norte e a parte sul da baía de Pemba (13° 05' Lat.S e 42° 32' Long.E e de G), a sul(Fig.I).
De dimensão quase imensurável, foram os factos sociais- demográficos, económicos, religiosos, políticos, culturais, ... - que tiveram como palco o território de Moçambique e lugar no tempo da administração colonial portuguesa, que fazendo parte da História comum de Moçambique, hoje, soberano e independente e de Portugal, continuam a ser desconhecidos, parcialmente conhecidos e até, muitas vezes, deturpados, por razões de natureza político-ideológica, especialmente, por parte da população mais jovem, de ambos os Países.
É tempo de ter um encontro com a realidade. Para tanto há que divulgar tais factos sociais às novas gerações de moçambicanos e de portugueses, para que conheçam, no seu contexto próprio, as realidades sociopolíticas, económicas e religiosas criadas, sentidas e vividas por gerações anteriores às suas e possam, com a maior isenção possível, ajudar a interpretar, de maneira sistemática, os factos do passado, sejam eles de que natureza for, e a escrever a nova historiografia sobre a situação colonial imposta, em Moçambique, pelos Portugueses.
A documentação produzida em Moçambique com base em relatos, descrições, diários, narrativas, cartas e demais informações, de exploradores, militares, missionários, médicos, governadores, administradores de concelho e de circunscrição, capitães-mor, chefes dos postos militares, directores de alfândega, de fazenda e outros funcionários da administração pública colonial, autoridades tradicionais, paisanos, comerciantes, ... , não só contem um manancial informativo de relevante utilidade para o efeito, como também reflecte, no seu conteúdo, a perspectiva étic de alguém exterior ao grupo de administrados e à sua cultura, que fornece a sua própria explicação sobre as realidades documentadas. Raramente, essas fontes documentais tiveram em atenção e reflectem a perspectiva émic dos governados/colonizados a qual nos daria conta de como os seus anseios, problemas, reivindicações, sofrimentos, valores e símbolos foram por eles encarados e sentidos.
Embora haja muito material documental que, apenas, serviu para justificar e valorizar as suas acções governativas de domínio e divulgar a história dos colonizadores, ainda assim, encontramos nele, valiosas informações ligadas à participação, funcional e disfuncional, dos colonizados, que é necessário submeter ao crivo da crítica e ao rigor dos métodos de análise, revisitar e saber aproveitar, reler e reinterpretar, dando às fontes antigas novos significados.
Daí, que as recolhas, os relatos e as descrições chegadas até aos nossos dias, com base, em documentação escrita, em fontes orais e em diversificado material investigado por etnógrafos, antropólogos e outros cientistas sociais, por fazerem parte da memória das comunidades, dos grupos e das etnias, e serem o resultado de seculares contactos interétnicos e culturais, devem ser considerados elementos importantes e pertinentes, que, depois de avaliados e criticados, poderão prestar um largo contributo não só para elaboração de uma nova historiografia moçambicana, isenta de etno e eurocentrismos, de ideias preconceituosas e ideologias, nem sempre coincidentes com a realidade dos factos sociais relacionados com a situação colonial imposta, como também para ajudar a conhecer a identidade do povo moçambicano.
Neste sentido, para que a juventude, tanto portuguesa como moçambicana, conheça a realidade do processo colonial e as suas práticas, algumas delas reveladoras de violência e arbitrariedades, entendi ser útil trazer a público um conjunto de factos da história recente de Moçambique Colonial que teve como palco o distrito de Cabo Delgado.
Com presente trabalho etnohistórico pretende-se trazer à memória contemporânea alguns factos do passado, que tiveram lugar nas Ilhas de Querimba ou de Cabo Delgado, recolhidos a partir da variada documentação, do trabalho de campo realizado, entre 1968 e 1974 e da tese de doutoramento do seu autor e relativos: às vicissitudes do seu povoamento; à população, antroponímia e mestiçagem, com base em Relações de Habitantes elaboradas, na segunda metade do século XVIII pelas paróquias de Amisa e Querimba (1777, 1778 e 1783) e pelo governo do distrito de Cabo Delgado (1798), que nos fornecem pertinentes dados sobre as pessoas que então viveram e labutaram no distrito de Cabo Delgado- nomes, idades, filiação, estado, ... .; censos e movimento da população- nascimentos, casamentos e óbitos- entre 1852 e 1894; aos cargos, ofícios e seus titulares, desempenhados nas actividades públicas, eclesiásticas e privadas, entre 1796 e 1798 e 1852 e 1894; a actos de desobediência, rebeldia e "alevantamentos" praticados no território.
Para além dos três Capítulos, o texto inclui Palavras Finais e Bibliografia.
1- Todas de reduzidas dimensões, as mais importantes em termos demográficos e económicos eram então: a Amisa, Macalóe, Matemo, Ibo, Querimba, M'funvo e Quisiva.
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