EUREKA por Laurindos Macuácua
Cartas ao Presidente da República (76)
Bom dia!
Sabe, Presidente: por estes dias me tenho dedicado à introspecção. Não sei se tive avanços consideráveis. A única conclusão a que cheguei até agora é de que nascer em
Moçambique é a primeira coisa que qualquer ser humano não deveria fazer. A segunda coisa que se não deve fazer é ficar em Moçambique. Se é para continuar neste País, qualquer um deve fazer alguma coisa para que a sorte dos seus filhos seja um pouco melhor.
Se olho para a cultura embricada na vida moçambicana de hoje, vejo que existe horror daquilo que é elevado, belo e sublime. O moçambicano está condenado a ter uma vivência pacata, medíocre e banal. Aqui, parece que é proibido demonstrar talento, inteligência. Tudo o que a pessoa deve fazer tem que estar mal feito para não ser diferente da manada. Parece que ser gente, em Moçambique, significa ser defeituoso.
O conceito ser humano, em Moçambique, é muito deprimente. Parece que para se ser aceite como igual neste País, tem que esconder a ética, a inteligência que o indivíduo tem. Se o Governo, que devia moralizar a sociedade, é tratante, corrupto, significa que eu, o povo, não tenho outra alternativa que ser corrupto para ser aplaudido.
Hoje, neste País, não aplaudimos os feitos heroicos de Lurdes Mutola, por exemplo.
Aplaudimos a ladroagem de Setina Titosse e nos matamos de inveja porque qualquer um de nós, gostaria de estar no lugar de Setina Titosse ou de Diodino Cambaza.
De certa forma, posso colocar o povo moçambicano entre os menos generosos do mundo. O moçambicano não dá esmola, não faz trabalho voluntário, não ajuda a ninguém.
Essa mesquinharia moral tem um fundo de mesquinharia intelectual, mental. Há maior concentração da mente nos problemas de ordem prática e imediata. Podemos até não perceber, mas esta é a coisa mais improdutiva que um ser humano pode fazer.
As preocupações do quotidiano, por exemplo - se terei Tseke à mesa, vou conseguir apanhar o “My Love” para chegar atempadamente ao serviço, será que terei as famosas patinhas para a quadra festiva que se avizinha-, em geral nos enfraquecem. Tornam-nos improdutivos. E de maneira simétrica, mas oposta, toda a atenção que o individuo dá a questões interessantes, lhe fortalece. Se um indivíduo se concentra em arte, filosofia, pintura, está a abrir outras perspectivas- vale repisar isto- sublimes.
Presidente: que perspectivas pode ter um indivíduo que vê os governantes no regabofe com dinheiros públicos enquanto ele nem tem o que comer em casa? Que perspectivas há-de ter um povo que está habituado a lidar com governantes tratantes? É que, essa coisa de se não ser sério no Governo da Frelimo começa do topo, até ao escalão mais baixo de malta David Simango que prometeu um Metro melhor que o de Joanesburgo, mas o mandato está prestes a terminar e nem o “My Love” existe à fartura.
O Presidente, no seu manifesto eleitoral, não disse que iria construir, por exemplo, uma universidade em cada província? Será que ainda estão a fazer blocos até hoje? Bom: devem ser artesanais…
O Presidente, no seu discurso inaugural, refiro-me o de tomada de posse, prometeu, dentre várias coisas, que o seu Governo seria composto por tecnocratas. No dia imediato, quando se anunciou a composição do seu Governo, desfilaram nomes como o de Carlos Mesquita, Silva Dunduru, Oswaldo Petersburgo, Ana Flávia, dentre vários que comprovadamente vêm destilando a sua mediocridade.
Agora lhe faço a seguinte pergunta: que garantias tenho eu de que os ladrões que roubaram este País não se juntam a si, quase sempre, para se refastelarem do caviar que o povo nunca viu? Que empregado do povo é esse que deixa o seu patrão andar a pé, e descalço e faminto, enquanto ele anda num Mercedes da última geração e que até diz, lhe confere dignidade?
Num País como Moçambique, a única possibilidade de se ser sadio é ser-se louco!
Em Moçambique fala-se de tudo, mas ninguém diz o que toda gente quer ouvir. Ninguém tem a coragem de mostrar exactamente como é que as coisas são. Escamoteia-se tudo. A verdade é dita a conta-gotas. Os maiores ladrões assumem posições de cátedra. Vivem como nababos.
Financiam o partido no poder.
Como é que um PCA de uma empresa pública, a contorcer-se de dores por falta de dinheiro como é o CFM, pode contribuir, para o partido Frelimo, com oito milhões de meticais e ninguém pergunta nada? Quanto é que ele ganha?
Onde é que arranjou o dinheiro? Que diferença faz no nosso dia-a-dia o corpo administrativo da EDM para merecer tantos balúrdios? Só pode ser na Ponta Vermelha onde nunca houve falta de luz e sempre tem de qualidade desejada…
Em que é que são gastos os nossos impostos se ninguém recolhe o lixo, no hospital atendem-nos como se fossemos mendigos, não há transporte público, as crianças estudam ao relento?
Por que se deve continuar a pagar a inspecção de viaturas se não existe estrada que colabore?
Por que devo acreditar no Governo que tenho se já me provou, por diversas vezes, que não cumpre com as suas promessas?
De quem são as minas de rubi em Montepuez? Quem é que tem toda a sua família nos órgãos decisórios do partido Frelimo? Será que neste País de vinte e poucos milhões de moçambicanos só a família Chipande é que pensa?
A colecção de desfavorecidos, fracassados, sem-abrigo, desempregados, pedintes, pé-descalço, que existe em Moçambique é, provavelmente, uma das maiores vergonhas da História universal.
Quando é que alguém, em Moçambique, começará a estar presente naquilo que fala?
Quando é que as pessoas começarão a ser e deixarem de não ser?
Quem seria eu se tudo o que faço dependesse única e exclusivamente do meu arbítrio?
Definitivamente, quem acha que o próximo provável mandato de Filipe Nyusi será melhor, tem pouca informação.
Recuso-me a ser arregimentado nesse exército de homens felizes que acham que o próximo ano será melhor à batuta da Frelimo. Para mim, será igual a todos os outros só que um pouco mais velho. É um ano, para mim, mais próximo da morte. Não vou para novo. É mais um ano em que, provavelmente, perderei mais amigos ou familiares por causa da idade avançada ou porque alguns deles, os que se julgarem ainda com energias, irão emigrar à procura de melhores condições de vida.
Vou me exilar…
DN – 01.12.2017