Luanda – Em razão do debate que se levanta sobre a validade jurídica, à luz do Direito Internacional Público, da invocação de imunidade diplomática no caso Manuel Vicente, permitam-me, data vénia, expor a minha opinião, como académico e estudioso na matéria.
Fonte: Club-k.net
MV à luz do direito internacional, como deputado, não tem direito à imunidade. O Direito Internacional distingue com o devido rigor o que é imunidade internacional e o que é imunidade interna. Ter a segunda, não significa que tenhas a primeira.
A imunidade internacional do então vice-Presidente é um argumento novo, discutido no Tribunal Internacional de Justiça no caso Immunities and Criminal Proceedings (Equatorial Guinea v. France), porque, anteriormente, essa questão não se colocava.
À luz do Direito Internacional Costumeiro, tem imunidade personae os Chefes de Estado, Chefe de Governo e Diplomatas acreditados num Estado (decorre da CV das Relações Diplomáticas e Consulares). Essa imunidade pessoal estende-se aos familiares (por isso, recentemente, em Portugal, os iraquianos, filhos do embaixador, não foram detidos, porque a sua imunidade é directa, em razão da CV das Relações Diplomáticas e Consulares). Essa imunidade pessoal cessa logo que o titular destes órgãos cessem funções.
O vice-Presidente à luz do Direito Internacional Costumeiro, não tem direito à imunidade. O que tem acontecido é que a jurisprudência internacional tem estendido a imunidade a outros ocupantes de High Ranking.
O caso mais paradigmático é o Arrest Warranty (Bélgica v Congo) - Caso Yerodia -, onde o Tribunal Internacional de Justiça estendeu a imunidade pessoal ao ministro dos Negócios Estrangeiros do Congo, em razão da sua missão natural de representar o Estado nas relações internacionais (buscando a fórmula da CV de 1969).
Outros Tribunais estenderam ao Ministro da Defesa. 4- Em suma, é doutrina e prática aceite do direito internacional, que os deputados (senadores, congressistas) não tem imunidade internacional (Caso Pinochet).
Mesmo as imunidades dos Chefes de Estado não são absolutas, quando se trata de crimes contra à humanidade (que não é o caso), onde aqui vigora, no âmbito da jurisdição do TPI, o princípio da irrelevância da qualidade oficial (art. 27º do Estatuto de Roma).
Ou seja, se por um lado, à luz do DIP Costumeiro o deputado não tem imunidade e não havendo nenhum acordo bilateral ou multilateral entre Angola e Portugal que estenda de modo expresso, a aplicação das imunidades aos deputados, é frágil o argumento e, salvo melhor opinião, não assiste razão ao Estado angolano, em invocar imunidade. Ressalvo, o deputado não tem imunidade Internacional.
Se no seu anterior estatuto (vice-Presidente) ainda poderíamos ir buscar algum fundamento com base na "brecha" deixada no caso Yerodia (quando fala de "também têm ...outros titulares de altos cargos"), uma vez que o seu mandato cessou, está questão já não se coloca. Hoje ele é um deputado. Ademais, o próprio Tribunal Internacional de Justiça no caso Certain Questions of Mutual Assistance in Criminal Matters (Djibouti v. France), recusou a invocação de imunidade internacional pelo Djibouti, a certos seus cidadãos detentores de cargos públicos (procurador geral e o chefe dos serviços de segurança) e que, à luz do Direito interno, tinham imunidade.
É recomendável que não se misture no mesmo saco o caso dos filhos dos Embaixadores do Iraque em Portugal. Lembrar que aqueles rapazes tem direito à imunidade pessoal, que decorria de uma norma expressa, da Convenção das Relações Diplomáticas e Consulares (art. 37º da CV de 1961). Por esta razão, o única solução de Portugal neste caso, seria expulsar o Embaixador (e sua família), declarando persona non grata (o Iraque tinha o direito de fazer o mesmo). Mas isso são as imunidades dos diplomatas.
Penso que, existe uma posição, no plano da soberania, legítima de Angola, na defesa do seu cidadão. Mas, os argumentos e soluções apresentados são, salvo melhor opinião, exagerados. A separação dos poderes em Portugal, não permite que o Governo interfira directamente neste processo. A separação de poderes é o princípio basilar da construção dos Estados republicanos europeus.
A solução possível, com base no direito legítimo e soberano de Angola em recusar extraditar um seu nacional, e, em consequência, transferir o processo judicial de Portugal para Angola, é, admite-se, complicada. Para tal, o Estado português teria de abdicar da sua competência penal territorial. A solução proposta é complicada, mas possível.
O que se deve prevenir, neste processo, é fazer esforços para que MV, em razão da impossibilidade da sua notificação como arguido (a lei penal portuguesa não permite que ninguém seja julgado sem que o mesmo seja constituído como arguido), seja declarado contumaz. Se assim for, poderá ser emitido um mandato de captura (internacional), para que o mesmo seja detido, com o propósito exclusivo de ser notificado da acusação.
* Docente da FDUCAN/ Mestre e doutorando em Direito Internacional.